Minas Gerais

Municipalização

Milhares de estudantes ainda não conseguiram se matricular na rede estadual de ensino

Governo de Minas criou novo sistema de matrículas, que não garantiu vagas para todos no início do ano

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Ministério Público ajuizou ação civil cobrando uma solução do Governo de Minas - Henrique Chendes

O ano letivo na rede estadual de ensino de Minas Gerais já começou há mais de um mês, no dia 10 de fevereiro. Só que, até agora, milhares de crianças e adolescentes ainda não conseguiram iniciar os estudos. O assunto foi debatido em audiência da Comissão de Educação, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, na terça (10), a pedido da deputada Ana Paula de Freitas (Rede). A deputada Beatriz Cerqueira (PT), presidenta da comissão, o deputado Bartô (Novo) e o deputado Professor Cleiton (PSB) participaram da reunião.

No fim de fevereiro, 120.864 alunos não tinham conseguido se matricular, segundo a promotora de Justiça de Defesa da Educação, Carla Maria de Carvalho. O Ministério Público ajuizou uma ação civil cobrando solução. De acordo com a própria Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais (SEE-MG), há estudantes sem vaga em 26 cidades mineiras. As prefeituras têm até o dia 16 de março para informar ao governo de Minas os problemas com matrículas.

No mês passado, a Prefeitura de Belo Horizonte apresentou uma lista com 2.715 nomes de alunos sem vagas no sistema, só na capital. De acordo com a gestora Patrícia de Sá Freitas, assessora da SEE, 217 nomes dessa lista eram duplicados e 369 já haviam conseguido matrícula, mas 2.129 ainda demandam solução. Ela disse que a secretaria estadual tem até sexta-feira (12) para apresentar uma saída para o problema em Belo Horizonte.

Via sacra atrás de uma vaga

A comerciante Elaine Cristina Nascimento, de Caeté, Região Metropolitana, fez a pré-matrícula on-line de sua filha no prazo estipulado. O sistema deu como matriculada a própria mãe e ela não conseguiu uma vaga para a menina no início do ano letivo perto de casa. “Fiz várias reclamações e não tive resposta até o momento. Fui à Superintendência, fui à inspetora e, para a minha filha estudar na minha própria cidade agora, eu tive que dormir na fila”, reclama.

A servidora pública Maria Lúcia Barcelos, de Belo Horizonte, precisou tirar a neta, Isabela Barcelos Rodrigues, de um colégio particular para matriculá-la em uma escola pública no 3º ano do fundamental. Ela fez inscrição no prazo, aguardou a liberação de vaga e foi comunicada pela Secretaria da Educação de que a família deveria buscar as vagas nos locais. Após passar por mais de dez escolas, a família de Isabela ainda não havia conseguido efetuar matrícula, até que ela e a avó compareceram à audiência pública.

“O governo do estado foi irresponsável na forma como está fazendo a mudança das matrículas. Antes, nós procurávamos a escola. O diretor tinha autonomia. O que eu ouvi de um diretor de escola é que o critério mudou de forma impositiva em que todo o chamamento para as vagas seria pela Secretaria da Educação, que não dava retorno. Não consideraram a realidade de cada criança e da comunidade onde ela vive”, critica a avó.

Rogério Rêgo é conselheiro tutelar na Regional Centro-Sul. Ele conta que aumentou muito o número de famílias procurando o Conselho Tutelar para denunciar a falta de vagas. “A nossa demanda hoje está muito maior do que nos outros anos. Na reunião do fórum dos 45 conselheiros, definimos que vamos fazer um levantamento do número de casos. Mas é nítido que esse problema da educação está muito grande. Na Regional Centro-Sul, já são a maioria dos casos que procuram o Conselho”, afirma.

Ele acrescenta que já acionou os órgãos competentes, mas não tem recebido justificativas aceitáveis. “A partir dos 4 anos de idade, a lei obriga os responsáveis legais a garantirem a matrícula. O Estado tem que garantir a vaga. Então, se vem a negativa, independente da justificativa, ela não é aceita pelo Conselho Tutelar, pois está cumprindo a legislação. Não cabe ao Estado dizer que não tem vaga”, explica.

Com sistema novo, ficou pior

Nos anos anteriores a Zema, os estudantes eram matriculados de forma automática, enquanto os novos alunos, que vinham de outra escola ou que ingressavam na rede, eram inscritos na própria escola. Em novembro de 2019, por meio da resolução 4.231/2019, o governo criou um sistema que requer pré-matrícula pela internet, com indicação de três unidades de sua preferência. Depois, seria preciso confirmar a vaga e concluir o processo de matrícula entre 6 e 20 de janeiro de 2020, na própria escola.

Para o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE/MG), o processo de matrículas piorou porque o novo sistema tira a autonomia das escolas, que estão mais próximas da realidade das comunidades, e centraliza em um sistema informatizado.

“O governo tem dificuldades de reconhecer que deu errado. Existem crianças fora da escola e, até agora, a Secretaria não deu demonstrações de que vai solucionar o problema. As escolas precisam ter autonomia para matricular e de maneira presencial. As comunidades sabem onde ir e qual procedimento a ser tomado. Por isso, não tínhamos esses problemas nos anos anteriores”, avalia a professora Denise Romano, coordenadora-geral do Sind-UTE.

Para a deputada Beatriz Cerqueira (PT), a mudança no sistema está a serviço de um projeto do governo de Minas, de retirada da rede estadual, responsável pela maioria das matrículas, do ensino fundamental, com a total municipalização desse nível. Ela relata a experiência de diversas visitas técnicas nas quais o problema foi constatado.

“A Secretaria da Educação tem como determinação retirar sua participação no fundamental, do 1º ao 9º ano, cuidando exclusivamente do ensino médio. Para isso, fazem um processo de centralização das matrículas porque, como era realizado, existia a participação da comunidade, do município e das superintendências, que estavam mais próximas das pessoas. A mudança veio ano passado, quando as comissão não foram ouvidas e, no plano de atendimento, abriram um sistema em que muitos diretores souberam que sua escola não atenderia matrículas pela tela do computador. Por que teve o problema em Belo Horizonte? Porque estado e município não conversaram. A porta fechada aconteceu no ano passado, no plano de atendimento”, critica.

Edição: Elis Almeida