Em Belo Horizonte, milhares de mulheres se reúnem em marcha no próximo domingo, para denunciar os ataques do governo de Jair Bolsonaro contra a vida das brasileiras. Neste ano, o ato do 8 de março vai se concentrar na Pedreira Prado Lopes, um dos mais antigos aglomerados da capital mineira. Desde o início da fundação da cidade, a PPL tem sido o reduto de luta de muitas mulheres. Nesse território simbólico, há dois anos nasceu a Ocupação Pátria Livre. Organizado pelo Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos - MTD, hoje esse espaço garante o direito à moradia para 14 famílias, majoritariamente chefiadas por mulheres. Uma delas é a auxiliar de apoio de EMEI e coordenadora da ocupação Leidiane Silva. Nesta entrevista, ela fala sobre os impactos que as medidas do governo têm gerado para a vida das mulheres das periferias do Brasil.
Brasil de Fato - Você tem percebido retrocessos no seu dia a dia desde a eleição de Bolsonaro? Na sua avaliação, como está a vida das mulheres hoje?
Eu não vejo nenhuma melhoria para a vida das mulheres. Eu sempre acompanho as notícias e vejo que não tem nada sendo oferecido para nós. E a gente sabe que historicamente as mulheres sempre tiveram que lutar para conseguir garantir algum direito. Porque nós sempre somos discriminadas. Com esse governo, a cada dia as coisas estão ficando mais difíceis. E hoje é complicado até mesmo uma mulher conseguir afirmar que tem o privilégio de ser mãe, porque está praticamente impossível conciliar a jornada de trabalho com a convivência com nossas famílias. Com esse desmonte da educação, da saúde e dos programas sociais, as mulheres estão mais vulneráveis e são as mais atingidas. Nós não estamos tendo possibilidade alguma de melhorar de vida. Mesmo aquelas que têm estudo, que são capacitadas, estão encontrando grandes dificuldades. E para quem não tem estudo está ainda pior, parece que estamos voltando ao tempo da escravidão. A verdade é que nós, mulheres brasileiras, não sabemos como será o dia de amanhã. E para as mães solteiras as coisas são ainda mais difíceis. E eu fico me perguntando: se hoje está assim, como será o futuro dos nossos filhos?
E você, que é chefe de família, tem percebido que as despesas com manutenção da casa têm aumentado?
A alimentação, a energia e a água no Brasil estão um absurdo! A gente não sabe onde vai parar. As pessoas que sobrevivem com um salário mínimo estão passando dificuldades. Na minha família, por exemplo, nós somos três pessoas e se eu quiser garantir uma boa alimentação para os meus filhos, tenho que gastar todo o meu pagamento com isso. Porque a maioria dos alimentos está com preços surreais. Um pacote de arroz está custando R$16, um litro de óleo R$5 e a carne, então, nem se fala. É um impensável que num país rico como o nosso, os brasileiros estejam com tanta dificuldade de ter acesso a itens básicos. E com essas privatizações as coisas vão piorar ainda mais. Eles estão vendendo os nossos bens para os estrangeiros e nós mesmos, que plantamos, que somos brasileiros, estamos gastando muito dinheiro para ter acesso à alimentação, ao transporte, à água, à energia…A lei fala que eu tenho direito a ter uma boa saúde, uma boa alimentação, ao lazer. Mas hoje o nosso país não nos dá condições de garantir nenhum desses direitos. Então, eu, Leidiane, gostaria de saber o que o presidente está fazendo para garantir os direitos do povo?
Para quem não tem estudo está ainda pior, parece que nós estamos voltando ao tempo da escravidão
Hoje o desemprego no Brasil atinge em 11%, são mais de 12 milhões brasileiros sem emprego. Esse dado tem refletido também sobre a vida das mulheres?
Sempre houve grandes dificuldades de vagas de emprego para as mulheres, porque há uma discriminação muito grande, mas com esse governo estamos vendo um número muito maior de mulheres desempregadas. Eu moro num prédio com 14 moradias e apenas 3 chefes de família estão com a carteira assinada. Todas as outras fazem bico para sobreviver porque não acham vaga no mercado de trabalho. E elas têm qualificações e experiência nas áreas que atuam, mas não existe emprego. E isso para uma mãe de família é muito difícil. Como que ela vai manter os filhos? A casa? O índice de desemprego no Brasil está surreal. Os representantes políticos não estão dando nenhuma condição para as mulheres entrarem e estarem no mercado de trabalho.
Em 2019 aconteceram diversas manifestações de estudantes e professores contra os cortes do governo na educação. Você, que é uma trabalhadora do setor e mãe de duas crianças em idade escolar, tem percebido um sucateamento da educação pública no Brasil? Como esse desmonte reflete na vida dos seus filhos?
Eles estão acabando com a saúde, com a educação e com as leis trabalhistas. Estamos sem saber o que vai ser do Brasil. Mas nós mulheres estamos lutando, estamos nas ruas em defesa dos direitos e em busca de resultados. Porque se não houver educação, como vamos ter um amanhã melhor? Se o governo tira o direito do estudo, o que será do nosso futuro? Porque o país hoje não está dando condições nem das crianças estudarem. É isso que nós estamos vivendo hoje. Se eles estão impondo tantas dificuldades para o brasileiro estudar, é porque eles querem que o povo não entenda e nem compreenda os seus direitos, para que o povo não tenha condições de questionar os representantes políticos.
Bolsonaro praticamente zerou os repasses de programas sociais como o Minha Casa Minha Vida e o Bolsa Família. Como você vê essa medida?
Eu hoje tenho direito à moradia graças a um movimento social. E por estar em uma ocupação eu aprendi sobre quais são os meus direitos, os direitos dos meus filhos. Antes de vir para a ocupação, eu morava de aluguel, aqui na comunidade mesmo. Ganhando um salário mínimo eu gastava R$ 450, R$120 com a água e R$170 com a luz. Eu não tinha condições de comprar uma boa comida para os meus filhos. Depois que eu vim morar na Ocupação Pátria Livre é que eu consegui comprar uma cama para os meus filhos, uma televisão, manter minha geladeira cheia. E se não fosse pela Ocupação eu não teria nada disso. O acesso à moradia me garantiu uma série de direitos que antes eu não tinha, como o direito ao lazer, a uma boa alimentação, etc.
Então, eu, Leidiane, gostaria de saber o que o presidente está fazendo para garantir os direitos do povo?
Uma das primeiras medidas de Jair Bolsonaro foi facilitar o porte de armas. Isso foi muito questionado por militantes feministas, que denunciavam que a medida poderia aumentar as taxas de feminicídio no Brasil. Além disso, durante seus sete primeiros meses de governo, Bolsonaro não investiu nenhum centavo em políticas de proteção às mulheres. Na sua opinião, como isso tem impactado a vida das mulheres que moram nas periferias do Brasil?
É muito triste a gente falar do feminicídio no Brasil. Isso é algo que nem deveria existir no nosso país e nós temos leis para garantir isso. E a gente vê que o índice de violência tem aumentado cada dia mais. As mulheres procuram ajuda, mas está cada dia mais difícil porque estamos sendo cada vez mais discriminadas. E a gente quer é respostas. Queremos que a política se mostre em favor das mulheres, porque nós precisamos ter nossos direitos garantidos, inclusive o direito à vida. Nós precisamos ter a segurança de poder ir e vir e de que ninguém seja propriedade de ninguém. Hoje, com esse governo, até o direito de ir e vir de uma mulher é difícil de ser conquistado.
A Pedreira Prado Lopes foi berço de muitas lutas das mulheres, seja na cultura ou para garantir o direito à creche para as crianças, moradia, etc. Porque é importante que as mulheres da Pedreira e das periferias lutem?
Belo Horizonte só foi construída porque teve muita luta dos operários e das mulheres. Todas as mulheres da Pedreira e de todas as periferias deveriam se unir para lutar pelos nossos direitos. Porque nós temos muito potencial. Se hoje a nossa capital existe e funciona é graças a essas mulheres. Nós devemos nos unir e mostrar toda a nossa força, porque juntas somos imbatíveis. Se conseguimos erguer uma capital, conseguimos construir um futuro melhor. Não só para mim e para os meus filhos, mas para as próximas gerações que ainda estão por vir. Porque as gerações que vierem vão saber que aqui houveram mulheres de luta. E nós convidamos a todas para vir para a rua revolucionar! Temos que marcar o 8 de março com um dos maiores atos. O 8 de março tem que ser uma grande revolução. Porque se eu estou aqui agora é porque antes de mim vieram muitas mulheres de luta.
Edição: Joana Tavares