"Tive que cancelar até um reparo na minha casa, que depois da chuva deu infiltração. Eu deixei o problema ficar lá, e sigo deixando, porque não tenho dinheiro", conta o professor Adilson José de Oliveira, que trabalha há 26 anos na rede estadual e dá aula de matemática e ciências.
O longo tempo de serviço e todo o esforço dedicado ao Estado não foram suficientes para que o educador recebesse o 13º salário de 2019. Até este momento, em março de 2020, ele é um dos muitos trabalhadores da educação que ainda não viram a cor do dinheiro. De acordo com o Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (SindUTE-MG), cerca de 22% de servidores estão na mesma situação.
Adilson, que como toda a categoria convive ainda com o parcelamento de salários, afirma que o não pagamento do 13º desorganizou o seu cotidiano e os seus planejamentos. Ele espera a verba para, por exemplo, quitar o IPVA, que vence no final deste mês.
O dinheiro para pagar não chegou, mas o 13º consta como quitado nas exigências do Imposto de Renda do professor, que foi obrigado a declarar um salário que não recebeu para evitar futuros problemas com a Receita Federal.
"É preocupação o tempo inteiro com as coisas do dia a dia. Com a conta de luz, de água, com as compras... Tem que ficar criterioso, escolher quem vai pagar ou o que vai comprar. É quase um sorteio de boleto". O trabalhador desabafa que a realidade o deixa sem perspectiva, "sem saber sobre o amanhã". Desde o ano passado, ele enfrenta um quadro de depressão.
Problemas de saúde
Quem também está desanimada com o atual cenário é Maruaia Cruz, professora de história com 10 anos de Estado. Ela faz tratamento para curar uma gastrite nervosa que desenvolveu pelo estresse.
Por receber em parcelas, sem conseguir pagar as contas e assisti-las vencer sem poder fazer nada, teve a ansiedade agravada e começou a usar medicamentos. "Pago muitos juros e tive que renegociar dívidas de cartão de crédito e em lojas. Não posso mais usar cartão de crédito e o corro o risco do meu nome voltar para o SPC".
A educadora relata fazer parte de uma área “totalmente desmerecida pelo Governo de Minas”. "Isso vai minando a nossa vontade de ser servidora pública. O nosso nome nem aparece nas remunerações e nos jornais, tratam a categoria como ‘outros’”, reitera.
Bola de neve de dívidas
Imagine ter uma conta que vence no dia 10 e receber a primeira parcela do pagamento no dia 11. Imagine não saber ao certo o dia que irá receber a segunda parcela, que usará para liquidar os próximos boletos. E os juros só aumentam.
Isso acontece todo mês com servidores como Adilson, Maruaia e a professora aposentada Ana Lúcia Moreira, de 75 anos. Ela trabalhou em dois cargos por 30 anos e se aposentou há 27.
Nessa corda bamba dos pagamentos, ela vai usando cheque especial e cartão de crédito, além de evitar assumir compromissos financeiros.
"Tenho que continuar fazendo outras coisas pra complementar a renda. Na idade que eu estou, uma pessoa idosa, ainda tenho que passar por isso, me preocupar com essas coisas que são muito grandes", critica.
Ana contratou um empréstimo consignado via Estado no banco e as parcelas são debitadas automaticamente da conta corrente, que segue ficando mais e mais negativa. A educadora chega a receber, por dia, três ligações de cobrança da agência bancária.
"Tem gente que o banco está retendo todo o dinheiro e que ficou zerado, sem dinheiro pra fazer um supermercado, um sacolão. É desesperador. Nossa questão nem é viver mais não, é sobreviver", declara.
Edição: Elis Almeida