Minas Gerais

MOROSIDADE

Artigo | Coronavírus em penitenciárias e APACs, e a responsabilidade do Judiciário

Interrupção das visitas em penitenciárias não impedirá a contaminação da população carcerária

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
"Se pudéssemos contar com a presteza do Poder Judiciário, certamente no atual contexto, pessoas inocentes retornariam para suas casas" - Marcos Figueiredo

O Covid-19 nos coloca diante do desafio de sermos mais ágeis na tomada de atitude do que o vírus em sua velocidade de disseminação. Eficiência, agilidade e precisão são características que podem garantir sucesso na desaceleração do contágio. Diante disso, nunca na história brasileira uma situação expôs tanto a característica marcante do judiciário brasileiro: a morosidade.

Em junho de 2018, meu irmão foi preso em flagrante. Mesmo não sendo investigado como alvo da denúncia e sem provas consistentes, ele foi condenado depois de mais de um ano preso aguardando o julgamento. Apresentamos recurso e o andamento está parado em uma das pilhas de processo do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

Depois de ter passado por uma penitenciária, meu irmão foi transferido para uma APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), sistema absolutamente diferente em relação aos presídios tradicionais em há efetiva oportunidade de ressocialização. Um trabalho admirável.  

No entanto, não nos esqueceremos do que é uma penitenciária. É sujo, lotado, há racionalização de água potável, a luz não chega e o ar não circula. Assistência médica só em último caso e, portanto, morre-se.

Há quem concorde que pessoas presas merecem tratamento desumano. Não vou aqui me dedicar a quem perdeu a capacidade de se colocar no lugar do outro, só quero dizer que ser privado de liberdade, não ver amigos e familiares e estar confinado à uma rotina ociosa é punição suficiente para todo e qualquer ser humano.

O Estado cumpre seu papel de julgar, condenar e punir, é preciso que seja assim, afinal responsabilização é um preceito social acordado por meio de leis, este texto não é sobre impunidade. No entanto, qualquer tratamento desumano durante a punição e risco de morte por negligência passa a ser ilegal e coloca o próprio Estado em situação de agente criminal.

Hoje, tenho clareza que as rebeliões, por exemplo, são não só, mas também, frutos colhidos pelo Estado, pois os plantam de forma irresponsável colocando toda a sociedade civil num ciclo covarde de violência.

Portanto, diante do contexto em que vivemos, a interrupção das visitas em penitenciárias e APACs não impedirá a contaminação da população carcerária, ainda que possa freá-la. É possível o vírus ser transmitido por um agente penitenciário, por exemplo.

O que faremos para proteger a população privada de liberdade que já foi condenada, aquela que aguarda julgamento (41,5% segundo o CNJ) e os profissionais do sistema prisional?

Segurança e saúde pública não são minhas áreas de atuação profissional, mas tenho certeza que atitudes essenciais do Poder Judiciário podem contribuir muito: agilidade e eficiência.

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais suspendeu ou cancelou grande parte de suas atividades pelo menos até o final de março. Ou seja, somado à histórica lentidão da justiça brasileira temos agora em todo país tribunais fechados, um sistema carcerário lotado e um vírus com alta velocidade de contaminação.

Se pudéssemos contar com a presteza do Poder Judiciário, certamente no atual contexto, pessoas inocentes retornariam para suas casas, condenados em situações específicas poderiam ter o benefício de prisão domiciliar e a tantos outros concedida a remissão de pena.

O processo do meu irmão está parado no TJMG. Agora, não só sua liberdade está nas mãos de uma Justiça vergonhosamente lenta, mas também sua vida assim, como tantas outras. Mais que nunca cobrar agilidade da Justiça é cobrar responsabilidade pela vida. É dever e responsabilidade do Supremo Tribunal Federal, do Ministério da Justiça e de outras instâncias superiores apontar o caminho a ser seguido pelos estados. Não temos tempo para esperar.

*Pri Lopes é professora de história da rede pública, atriz e performer.
 

Edição: Elis Almeida