Minas Gerais

IRRESPONSABILIDADE

Artigo | A letalidade do vírus Bolsonaro

"Esse jeito anedótico de governar hoje revela-se fatal"

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
bolsonaro coronavirus de mascara
A irresponsabilidade impõe a sua retirada de cena, antes que seja tarde, antes que nos destrua a todos - Marcos Correa/PR

Em meio à pandemia do coronavírus é inevitável falarmos sobre os riscos a que estamos submetidos. Então, falemos sobre alguns deles.

O principal risco é o de não aprendermos nada com essa grave crise global instaurada pelo coronavírus. Vocês certamente ouvirão falar que “não é hora de falarmos em política” ou que “não devemos fazer uso político do que está acontecendo”, e talvez até concorde com isso. Mas você nunca pensou por que as pessoas têm tanto medo de politizar os momentos de crise? Você já se perguntou quem tem medo da análise política sobre os acontecimentos?

 Se não podemos evitar o surgimento de um vírus tão contagioso e letal como o coronavírus, assim como não podemos evitar catástrofes provenientes de fenômenos da natureza, devemos ao menos nos perguntar em que condições sociais estaríamos menos vulneráveis para lidar com esses acontecimentos.

Que tipo de sociedade estaria melhor preparada para enfrentar os desafios que escapam ao nosso controle? É nesse contexto que devemos politizar o coronavírus e nos perguntar em que tipo de sociedade queremos viver, para caminharmos em direção a ela.

Sabemos que atualmente uma parcela muito pequena da população global desfruta de bens, serviços e recursos capazes de proporcionar uma vida materialmente confortável, enquanto a maior parte da população vive com recursos escassos ou sem nenhum recurso. Esperamos que um dos legados do coronavírus seja a percepção de que a existência de ilhas de prosperidade em um oceano de miséria é, além de imoral, insustentável.

Que é insustentável para quem vive na condição de explorado ou de miserável nós já sabíamos. A novidade é que essa “ordem” das coisas se revelou também insustentável para quem se beneficia dela, pois basta a disseminação de um vírus de gripe contra o qual ninguém está imune, para que os habitantes das ilhas [de prosperidade] tenham o seu “mundinho perfeito” colocado de pernas para o ar.

O coronavírus criou uma situação na qual o dinheiro, o poder, a fama e a influência não são capazes de garantir que as classes sociais privilegiadas tenham o benefício de voltar para suas residências, por causa dos aeroportos fechados; de manter a sua tropa de serviçais, porque qualquer um pode estar contaminado; de continuar a sua rotina de esportes e lazer, porque o contato social é desaconselhável; de ter atendimento médico adequado, porque já não há mais leitos suficientes.

Embora tenha atingido a todos, a quarentena obrigatória deixou especialmente desamparada uma massa de trabalhadoras e trabalhadores informais, profissionais liberais e a crescente categoria de “empreendedores de si mesmos”. Ao contrário dos trabalhadores assalariados, que ainda mantêm uma série de direitos legalmente assegurados, os trabalhadores da onda de desregulamentação das relações trabalhistas estão a mercê da intervenção estatal para garantir sua subsistência pelas próximas semanas, quiçá meses.

O colapso do sistema de saúde, a insegurança alimentar dos não assalariados e a perspectiva do efeito cascata da crise sobre o sistema financeiro global são evidências daquilo que os ideais socialistas sempre defenderam:

A saúde deve ser um direito de todos, de prestação pública, universal e gratuita; a relação trabalhista deve ser justa e oferecer garantias, segurança e estabilidade aos trabalhadores; o sistema financeiro não pode ser regulado pela “mão invisível do mercado”, mas controlado pelo estado e estar voltado para o bem-estar da população; e uma sociedade individualista e competitiva está fadada à autodestruição.

Soma-se a esta dimensão política da pandemia do coronavírus o fato de estarmos atravessando a maior crise da nossa geração sob o comando de um presidente tão ou mais perigoso do que o próprio cononavírus. Aquilo que até pouco tempo atrás parecia a nova política, esse jeito anedótico de governar, hoje revela-se fatal. Tanto o apelo religioso a uma fé cega, quanto a descredibilização do conhecimento se tornaram as armas mais perigosas para a sociedade em dias de coronavírus.

De uma maneira geral, o presidente Bolsonaro vem aumentando a vulnerabilidade social por meio das suas ações pessoais e de (des)governo. Como, por exemplo, pelo estímulo ao uso de armas e à violência, pelo enaltecimento da ditadura e de torturadores, pelo prestígio conferido às milícias, pela supressão de direitos trabalhistas e previdenciários, pelo desrespeito às mulheres, aos homossexuais, aos indígenas, aos quilombolas e a outras minorias e pela incitação contra as instituições.

Os ataques ao conhecimento ganharam lugar no atual governo e se proliferaram tão ou mais rapidamente do que o coronavírus.

Podem ser citadas como expressões desses ataques: a tentativa de desmonte e desqualificação das universidades públicas e institutos de pesquisa; a empreitada contra as reflexões críticas sobre sexualidade e questões de gênero, consideradas como “ideologia de gênero”; a ascensão dos terraplanistas, em oposição a tudo que já se produziu de conhecimento sobre o Sistema Solar e o Universo; e a desconsideração dos dados do INPE sobre as queimadas na floresta amazônica.

O retrocesso provocado pelo atual governo já era digno de preocupação, no entanto, a sua absoluta desconsideração pelo conhecimento pode, somada à pandemia do coronavírus, resultar em uma destruição em massa.

Ao invés de avaliar seriamente o risco da pandemia do coronavírus à sociedade brasileira, com base em dados estatísticos, estudos científicos e na experiência de outros países que já lidam há mais tempo com essa crise, o presidente Bolsonaro segue fazendo o seu personagem de “homem de opinião”. Diz o que pensa, contra tudo e contra todos, e com isso influencia o comportamento dos seus seguidores.

A irresponsabilidade do presidente Bolsonaro, frente à crise da pandemia do coronavírus no Brasil, ao minimizar os riscos, descumprir as recomendações da OMS e do seu próprio Ministério da Saúde, fazer piada com a letalidade da COVID19 e da própria contaminação, extrapola qualquer nível aceitável de desgoverno e impõe a sua retirada de cena, antes que seja tarde, antes que nos destrua a todos.

Tatiana Ribeiro de Souza é doutora em Direito Público, mestre em Ciências Sociais e professora de Direito Constitucional da Universidade Federal de Ouro Preto.

Edição: Elis Almeida