Esse pode ser o fim dos únicos programas de prevenção à violência nas periferias e áreas vulneráveis em Minas Gerais. Como uma das medidas contra a pandemia do covid-19 (novo coronavírus), o governo de Minas Gerais suspendeu o contrato de todas as lideranças comunitárias que realizam as oficinas do Programa Fica Vivo!, o que corresponde a 393 pessoas. Segundo servidores, governo informa que mais programas serão cortados.
A denúncia é feita pelo coletivo Corrente Ativa Vivo, formado pelos oficineiros, que informa que em 31 de março seus contratos foram suspensos por tempo indeterminado. “Centenas de trabalhadores, residentes de periferias e comunidades foram descartados sem nenhuma garantia de segurança, ou possibilidade de compensação posterior, como havia informado o governador”, diz o movimento, em nota.
No decreto número 47.886, de 15 de março, o governador Romeu Zema (Novo) estabeleceu os critérios para a interrupção das atividades e trabalho remoto dos serviços públicos estaduais. “Na impossibilidade de realizar o trabalho remoto de que trata o § 1º, a frequência do servidor será abonada”, informa o texto. O benefício se estende a estagiários, contratados temporários e funcionários de estatais, mas não aos contratos de prestação de serviço do Programa Fica Vivo!.
O coletivo afirma, em nota, que propôs diversas possibilidades para a continuação do Programa, como a reposição dos dias não trabalhados, mas não foram acatadas pela Secretaria de Planejamento do Estado. Para solução do problema jurídico, instalado com o decreto de Romeu Zema, o coletivo sugere a criação de um aditivo no contrato que reconheça a continuidade do programa.
A suspensão do contrato de quase 400 trabalhadores, gerando caos financeiro para eles e suas famílias, vai contra o que economistas sugerem neste momento: que o estado auxilie a população, principalmente das vilas e favelas. Um manifesto assinado por 54 economistas da UFMG afirma que é urgente “medidas de renda à população vulnerável”, com foco em trabalhadores informais e desempregados.
“Exigimos um esclarecimento por parte do secretário de segurança junto a um posicionamento do nosso governador. Esperamos também a sensibilidade e diálogo para a construção de um novo acordo que contemple os trabalhadores e os resguardem de quaisquer dificultadores econômicos, emocionais, sociais e de saúde”, diz a nota.
Programa reconhecido pela ONU
A irresponsabilidade com os trabalhadores fica ainda maior quando se vê a importância, inclusive internacional, do Fica Vivo!. Segundo notícia do próprio governo, o programa, que acontece desde 2003, tem influência direta na redução da taxa de homicídios no estado.
“Somente em Betim, na Região Metropolitana, houve uma redução de 27,5% na morte de jovens de 12 a 24 anos nas áreas de atuação dos programas Fica Vivo! e Mediação de Conflitos, na comparação janeiro a outubro de 2017 com 2018. A faixa de redução de mortes coincide com a atendida pelo Fica Vivo!”, afirma a página da Secretaria de Segurança Pública na internet.
Em 2006, o programa foi escolhido como um dos finalistas no Prêmio Global de Excelência de Melhores Práticas para a Melhoria do Ambiente de Vida, da Organização das Nações Unidas (ONU). O programa foi citado novamente pela ONU em seu Relatório de Desenvolvimento Humano para a América Latina 2013-2014 como um exemplo bem-sucedido de prevenção à violência e redução da criminalidade.
Servidores alertam para demissão em massa
Em conversa com a reportagem do Brasil de Fato, funcionários de outros programas de prevenção à criminalidade contam que foram comunicados da sua quase certa demissão. O governo estadual teria informado às gerências, nesta segunda (6), que diversas secretarias sofrerão cortes e, na Secretaria Estadual de Segurança Pública, o repasse financeiro ao Instituo Elo seria suspenso.
O Instituto é quem contrata os profissionais para os programas estaduais de combate à criminalidade: Fica Vivo!, Mediação de Conflitos, Central de Acompanhamento de Alternativas Penais (Ceapa) e Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp). Fora esses, ainda há rumores de demissão e cortes em outros programas, como a Casa de Semiliberdade, que atende adolescentes.
Os profissionais afirmam que este corte significa a paralisação completa dos programas e demissão de mais de mil pessoas. Segundo os funcionários, que não querem se identificar por medo de retaliações, os gestores dos programas estão reunidos com a secretaria para negociar um funcionamento mínimo, em torno de 10%. O governo teria prometido o anúncio oficial para esta quarta (8).
Posicionamentos
O governo de Minas foi procurado, mas ainda não respondeu à reportagem. O Instituto Elo não foi encontrado em seus contatos oficiais.
Edição: Elis Almeida