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Entrevista

Coronavírus: infectologista esclarece o que é mito em declarações do governo federal

Listamos uma série de falas de Jair Bolsonaro e do ex-ministro Osmar Terra sobre a COVID-19. Saiba em que confiar

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |

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Dirceu é doutor em Medicina Tropical com especialização em Imunologia Clínica pela Universidade Estadual de Nova York e pela Universidade de Londres - Arquivo pessoal

Dirceu Greco é doutor em Medicina Tropical com especialização em Imunologia Clínica pela Universidade Estadual de Nova York e pela Universidade de Londres. Desde 1980 é professor na Faculdade de Medicina da UFMG. De 2010 à 2013 chefiou o departamento de DST, AIDS e Hepatites do Ministério da Saúde.

Atualmente é presidente da Sociedade Brasileira de Bioética. Nós convidamos o pesquisador para tirar algumas dúvidas sobre a pandemia do coronavírus no Brasil. Na lista, a polêmica sobre a necessidade do isolamento social, a eficácia da cloroquina e a estimativa de contágio no Brasil. Confira!

“O grupo de risco é de pessoas acima dos 60 anos. Raros são os casos fatais de pessoas sãs com menos de 40 anos de idade. 90% de nós não teremos qualquer manifestação, caso se contamine”

Primeiro que não tem grupo de risco. Na época da Aids foi a mesma história, acreditava-se que havia um grupo de risco e se você não estava nele, estava a salvo e depois se descobriu que não era bem assim. Nós somos mais ou menos vulneráveis a um vírus que não tem nenhuma preferência, por idade. Quanto mais espalhado ele estiver, mais gente vai se infectar independente da idade.

Agora, a taxa de mortalidade, até agora no mundo, tem atingido muito mais as pessoas acima de 70 anos. Mas por outro lado é importante ressaltar que populações entre 25 e 55 anos, em várias estatísticas internacionais, estão entre as pessoas que tem quadro grave. A estatística norte americana, por exemplo, fala em uma taxa de 38%.

A maior parte da população vai se infectar, o percentual de mortalidade vai variar de país para país, o mais comum é acima de 3,5%, ou seja, quase três vezes mais do que a da gripe comum. Vale lembrar que no Brasil essa taxa significaria 1 milhão e 200 mil pessoas. 

"O Brasil já desenvolveu um remédio para a cura da Covid-19, a Cloroquina"

Primeiro que o remédio não é desenvolvido no Brasil. Nós temos uma grande produção do medicamento porque infelizmente, temos uma das taxas mais altas do mundo de casos de malária e a cloroquina é muito importante nesse tratamento.

Mas sobre o coronavírus, em estudos in vitro a cloroquina parece ter um efeito razoável. Nos testes em animais os testes também se mostraram eficazes. Mas têm muitas coisas ainda que não sabemos sobre o medicamento. Qual a dosagem eficaz? Qual efeito colateral? Então o que tem sido feito?

A Organização Mundial de Saúde propôs um ensaio clínico - que é o uso do medicamento em humanos - chamado Solidariedade, onde vão ser testadas quatro drogas no combate ao coronavírus: a cloroquina, um medicamento que hoje é utilizado para tratar a Aids, este combinado ou não com um medicamento para tratar hepatite e também será testado um antiviral.

O processo ainda está começando, já foi aprovado pelas entidades competentes no Brasil, que é a Comissão Nacional de Ética e Pesquisa - CONEP. E esses testes vão ser realizados por especialistas em uma situação controlada, só aí poderemos saber.

"Existe muito alarmismo! Esta epidemia é muito menos letal que outras epidemias, como a H1N1. A população já adquiriu níveis de imunidade que permitem abrandar as políticas de isolamento social"

Quando a gente fala da H1N1, estamos falando de uma epidemia que já ocorreu, o número de mortes já terminaram. Então a gente conhece essa epidemia. Já sobre o coronavírus nós não sabemos nada ainda. Além disso, a taxa de mortalidade da COVID-19 é muito maior do que a de outras epidemias que enfrentamos no país. A estimativa é de 3,5%, enquanto as outras ficavam em 1,5%.

"Tem milhões de pessoas com o vírus. Não adianta fechar as pessoas em casa. Itália fez quarentena radical e os casos aumentaram. As portadoras assintomáticas foram fechadas dentro de casa e elas ficaram trancadas e acabaram contaminando as pessoas do grupo de risco"

Essa informação é completamente irresponsável. Cabe lembrar que nos países onde a quarentena foi decretada precocemente a evolução da epidemia foi muito mais branda do que a de países que optaram tardiamente pelo isolamento, como a Itália e a Espanha.

É uma estupidez falar que ficar em quarentena, em isolamento em casa contamina as pessoas do grupo de risco. O vírus tem um período de incubação de até 14 dias. Está tudo errado nessa declaração. Mas nós vamos acreditar em quem? Nos especialistas que estudam os fatos científicos ou em governantes?

Todas as pessoas que estão estudando sobre a epidemia, que já viveram a crise afirmam que o ideal neste momento é o isolamento social. Vejamos, por exemplo o que aconteceu com os Estados Unidos, que só agora começaram a decretar isolamento e estão com taxas altíssimas. E lá eles não têm essa maravilha que nós temos aqui, que é o Sistema Único de Saúde, que é um espetáculo.

Para tudo que precisamos tem o SUS, Anvisa, vacina, tratamento de Aids. E esse governo que antes falava em privatizar o SUS agora está vendo que sem ele não tem como.

As pessoas que antes xingavam o sistema agora estão defendendo ele, até o ministro da saúde só aparece na coletiva de imprensa com o colete do SUS. Tomara que isso se mantenha porque se não tivesse o SUS nós estaríamos completamente perdidos. E é importante a gente colocar a defesa do SUS para inclusive depois da pandemia.

Precisamos lutar pela revogação da PEC do Teto de gastos, porque nossa população está envelhecendo e cada dia vamos precisar mais e mais do SUS e ele precisa de recurso para isso.

“Desde as primeiras notícias do Coronavírus, começamos a nos preparar, pois sabíamos que mais cedo ou mais tarde ele chegaria ao Brasil. O Ministério da Saúde vem realizando um excelente trabalho de contenção do vírus. O vírus está sendo enfrentado por nós e, brevemente, passará”

O Ministério da Saúde, na minha opinião, está fazendo a obrigação em ações básicas: aumentando capacidade, preparando hospitais, etc. Mas é impossível que esse grupo que está lá faça um trabalho excelente. O que acontece é que o governo é tão irresponsável e tão ruim que quando aparece uma pessoa que faz o básico, parece ser uma coisa incrível.

Talvez não esteja fazendo nem o básico, mas pelo menos não está indo contra a ciência e o que está sendo recomendado mundialmente. A história pregressa do Mandetta não corresponde com excelentes ações. A sorte é que a parte técnica do Ministério vem sobrevivendo às intempéries do governo.

Edição: Elis Almeida