Manter as mãos sempre higienizadas, lavar bem os alimentos antes de consumir e ficar em casa. Essas são algumas das orientações básicas de saúde frente à pandemia do coronavírus. No entanto, para cerca de nove mil pessoas que moram nas ruas e viadutos de Belo Horizonte, essas pequenas ações ainda estão muito longe da realidade.
Para falar sobre os principais desafios da população em situação de rua nesse momento crítico que o país enfrenta, nós conversamos com Claudenice Rodrigues Lopes, coordenadora da Pastoral de Rua na Arquidiocese de BH.
Hoje qual a realidade da população em situação de rua em Belo Horizonte? Quais os principais desafios e demandas desse grupo?
É uma situação muito preocupante porque a imensa maioria segue nas ruas. Uma grande preocupação é a falta de um lugar para fazer a higiene. Apesar de anunciado pias públicas para lavar as mãos, essa medida não é suficiente e não atende a ampla população.
Para alimentar, por exemplo, eles seguem nas filas dos restaurantes populares, onde têm acontecido uma enorme aglomeração de pessoas. Sem orientação, distanciamento devido e sem condições, por exemplo, de fazer a higiene das mãos. Vendo a situação eles mesmos falam com clareza, da ausência de condições mínimas de proteção.
E a gente entende que para o mínimo de proteção o que é urgente é a garantia de um espaço para higiene, mas principalmente para o abrigamento emergencial das pessoas. Tem muitos idosos e doentes crônicos que seguem nas ruas.
Há alguma proposta da pastoral ou da própria população de rua para resolver essa demanda?
Nós estamos em uma luta para conseguir abrir um centro de referência emergencial na cidade, com uma capacidade de atendimento mais ampla. Que forneça, por exemplo, locais para o banho e para lavar as roupas. Isso prezando pelas normas de segurança, proteção e orientação.
Os serviços que tem funcionado não tem capacidade para atender todo mundo, como o Centro Pop, por exemplo. E muitas vezes as pessoas ficam sem nenhuma orientação, até mesmo sobre os benefícios que elas têm direito.
Com relação ao abrigamento, o que a gente sabe é que alguns idosos foram encaminhados para pensões. E sobre os demais usuários que procuram o serviço de acolhimento, o que nós sabemos é que ele também está sendo feito de forma inadequada, com grandes aglomerações, sem condições de manter o distanciamento. A nossa proposta é garantir vagas em pensões ou hotéis pelo menos para os doentes crônicos e idosos.
E para os demais, que a prefeitura libere em caráter de urgência, pelo menos as 600 vagas do bolsa moradia, programa em que as pessoas estão inscritas desde 2018, quem sabe no estilo auxílio pecuniário, como tem sido feito com as famílias das vilas e favelas.
Qual retorno da prefeitura sobre essas demandas? Há algum diálogo?
Desde sempre nós tentamos estreitar esse diálogo com a prefeitura, mas não temos conseguido avançar muito em questões como vagas em pensões, bolsa moradia. Ainda não conseguimos concretamente abrir esse espaço de conversa. A gente sabe que tem alguns serviços sendo mantidos, mas não há avanço na questão mais estrutural.
Qual o tamanho da população de rua hoje, em Belo Horizonte?
Segundo dados do CADÚnico em fevereiro deste ano era em torno de nove mil pessoas. E a gente sabe que BH tem em torno de duas mil vagas no serviço de acolhimento. Então cerca de 7 mil pessoas estão nas ruas.
Nesse cenário de agravamento da crise econômica há uma estimativa de que esse contingente aumente?
Nesse primeiro mês de quarentena, nós já fomos acionados por ex-moradores de rua que não estavam mais conseguindo manter o aluguel. São casos de diaristas e catadores, por exemplo, que com o isolamento perderam sua fonte de renda. A gente sabe que de fato sem renda, infelizmente a tendência das pessoas é perderem as condições de manter o aluguel e ir para a rua.
Quais ações a Pastoral de rua e outras entidades têm promovido para amparar essa população? Quem quiser colaborar com esse trabalho pode buscar informações onde?
Nós que historicamente trabalhamos na perspectiva da conquista de direitos, estamos neste momento focando mais no emergencial. Montamos uma central, com vários grupos e entidades parceiras, para distribuição de cestas básicas, kits de higiene, distribuição de agasalhos e roupas. E temos articulado, enquanto frente, esses projetos mais efetivos na ideia de conseguir abrir um diálogo com a prefeitura.
Quem tiver condições de fazer trabalho voluntário para nos ajudar nessas ações, será muito bem-vindo. Ou também pode fazer doações para produção dos kits e cestas. As entregas podem ser realizadas diretamente no pátio da escola Santo Antônio, na Savassi. Ou via depósito bancário na conta da Pastoral Nacional de Rua.
Tem mais algum ponto que você queira destacar sobre o tema?
Eu queria reforçar a questão do atendimento. Estamos em um momento em que muitos trabalhadores da assistência social estão em férias. E as pessoas não conseguem encontrar orientação. E é urgente pensar a criação de um espaço para atendimento e acolhimento.
E assim, nós não temos como saber quem está ou não infectado. Pode ser que já exista casos, mas não temos como saber. E mesmo que souber, vamos fazer o quê? As pessoas têm nos pedido socorro. Uns estão confiando em Deus de que não vão se contaminar, outros acreditam que são imunes ao vírus, numa tentativa de se anestesiar da realidade e dar conta de seguir a vida, porque se todos tiverem consciência do risco que correm podem entrar em uma situação de desespero.
Edição: Elis Almeida