Médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, trabalhadores de serviços gerais e diversos outros profissionais que estão na linha de frente no combate à covid-19 sofrem com medo, estresse e com falta de equipamentos de proteção. Apesar das medidas adotadas pelo governo estadual, situação da saúde é tensa e pode piorar.
Em entrevista ao Brasil de Fato MG, Lourdes Machado, integrante da mesa diretora do Conselho Estadual de Saúde (CES) e presidenta do Conselho Regional de Psicologia (CRP), comenta a realidade dos trabalhadores da rede do Sistema Único de Saúde (SUS) e avalia ações do governo estadual e federal no âmbito da saúde pública.
Brasil de Fato MG – Quais os principais desafios que os profissionais de saúde de Minas Gerais tem passado?
Lourdes Machado – Neste momento específico de pandemia, a gente tem percebido o sofrimento dos profissionais que estão atuando na linha de frente. É o sofrimento versus a pandemia, porque é necessária uma adaptação a esse estresse. Existe também um medo sobre a possibilidade de levar a contaminação para dentro de casa, para os filhos, para os pais idosos.
E em relação a esses profissionais, muitas vezes não há muito que fazer, pois os serviços de saúde são considerados essenciais. E essa pessoa tem que sair de casa, muitas vezes pegar um transporte público pra chegar ao local de trabalho. E quando chega ao local trabalho, há falta de equipamentos de proteção individual (EPI). E não estou falando só de médicos e enfermeiros, mas de outros profissionais como o pessoal da radiologia, da fisioterapia, da psicologia, da recepção, da limpeza, da portaria...
Esses profissionais estão convivendo diariamente com o estresse e com a insegurança em relação ao próprio corpo, porque os relatos é que faltam equipamentos básicos, como máscara, avental e álcool em gel. Além disso, não temos testagem. Existe uma previsão do Conselho Nacional de Saúde que entre 4% e 12% dos profissionais de saúde vão ficar contaminados, caso não haja a regularização dos EPIs. É uma questão muito séria.
Nesta semana, Romeu Zema (Novo) lançou o “programa Protege Minas”, que visa suprir a necessidade de EPIs para os profissionais. De forma geral, qual é sua avaliação das medidas realizadas pelo governo estadual?
Nós fizemos uma reunião no Conselho para debater duas medidas em Minas, e, de fato, vimos que elas demonstram certo desconhecimento do que é o SUS. Uma delas é o deslocamento de recursos para privilegiar uma categoria, que são os médicos da Fhemig [Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais]. O governo lançou um aditivo para os médicos e, é importante dizer, que nós não somos contra esse aumento, mas questionamos o porquê de ele ter sido concedido a uma única categoria, já que são várias categorias que estão na linha de frente.
Quando o governo quebra a isonomia [salarial], ele reafirma um modelo de saúde que é “médico centrado”. E nós já avançamos muito. Nós mudamos a concepção de saúde que não é somente a ausência de doença, mas um completo estado de bem estar. É preciso que se reconheça um trabalho em rede e multiprofissional.
Outro ponto é relativo à exigência de EPI. Pela terceira vez, o Conselho Estadual de Saúde solicitou participar do Coes (Centro de Operações de Emergência em Saúde Pública), que foi criado para discutir a pandemia e as ações de combate a pandemia em Minas. Ou seja, as coisas estão sendo encaminhadas de uma forma somente governamental, sem participação popular. É importante que a sociedade participe e o Conselho Estadual é quem a representa.
O governador também anunciou que está disponível a plataforma do “Minas Consciente”, com os protocolos para a retomada das atividades econômicas nas cidades. Qual será o impacto desse programa na saúde em Minas?
Nós vamos fazer uma plenária do Conselho para conversar sobre isso. A gente entende que há uma diferença grande entre o isolamento e o distanciamento social. Neste momento, temos profissionais que conseguem realizar suas funções pelo teletrabalho, mas em muitas situações não permitem o atendimento online. Nesse caso, a gente prefere dizer para seguir os protocolos sanitários e orientações da Organização Mundial de Saúde.
Em alguns municípios, o comércio está voltando, alguns com normas mais rígidas de segurança, por exemplo, Belo Horizonte que obriga o uso de máscara. A gente vai ter que voltar de maneira gradual, segura. A nossa curva, graças ao isolamento foi achatada, por isso que o tempo dela está demorando mais. Precisamos pensar que a decisão não é mais individual. Se eu resolvo sair na rua sem máscara, eu não estou prejudicando só a mim, mas também as pessoas que estão por perto.
As decisões são coletivas. E precisamos tentar, na medida do possível, manter o isolamento.
Desde o início, o presidente Jair Bolsonaro negligenciou a pandemia e o ministro da saúde saiu do governo. Qual sua avaliação das ações no âmbito federal?
A gente esta vendo uma política que privilegia a economia em detrimento da saúde e da vida das pessoas. Ao invés de termos um governante que informa a população, o nosso cenário é confuso, as orientações são ambíguas, colocando de um lado a saúde e de outro a economia. O nosso papel é dizer que nossas orientações devem respeitar as orientações da OMS.
Em relação às medidas do governo federal, é importante esclarecer sobre a portaria 639, porque ela é muito controversa [emitida pelo Ministério da Saúde, em março, prevendo o cadastramento das 14 profissões da área da saúde – serviço social; biologia; biomedicina; educação física; enfermagem; farmácia; fisioterapia e terapia ocupacional; fonoaudiologia; medicina; medicina veterinária; nutrição; odontologia; psicologia e técnicos em radiologia – para atuar no enfrentamento à covid-19].
Quando ela foi publicada, tivemos muitas ligações em diversos conselhos. Em um primeiro momento, a portaria chega dizendo que seria um cadastro obrigatório e que as pessoas teriam que trabalhar querendo ou não. A última informação que temos, porque as coisas no governo mudam da noite para o dia, é que não é um trabalho obrigatório.
O profissional vai realizar o cadastramento e vai escolher se quer ou não ser convocado. Se sim, o profissional vai fazer uma capacitação e entrar para um banco de dados do Ministério da Saúde. Se necessário, esse profissional será chamado para atuar perto do seu local de moradia. O trabalho não será voluntario, mas remunerado pelo próprio Ministério. Caso o profissional tenha outro trabalho, deverá ser realizado um acordo. Mas até agora não houve nenhuma sinalização sobre essa portaria com o novo ministro.
Nessa situação de pandemia e instabilidade do governo federal, o SUS se destaca. Qual a lição que fica para nós?
O SUS é um sistema que está em todos os lugares. Onde existe um sistema universal, a resposta para a situação da pandemia é mais satisfatória. Há uns três anos, lutamos muito contra a Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos na saúde, assistência e educação por 20 anos. Neste momento, é muito importante nosso SUS e é muito importante a gente ter ações de promoção e prevenção.
Precisamos dizer sobre conquistas que nós tivemos no SUS, algumas que não são reconhecidas pelo governo, mas hoje fica visível a importância delas. A gente tem que defender o SUS, porque o acompanhamento integral à população só é possível com o SUS.
Edição: Elis Almeida