Para quem acha que o presidente é fraco, é bom ficar atento: há bolsonarismo em tudo à sua volta
Não se pode esperar de Jair Messias Bolsonaro que decaia ainda mais em termos éticos. Em matéria de conhecimento e modos, é impossível imaginar um presidente mais ignorante e grosseiro. Sua falta de empatia o carimba como o espécime mais próximo da sociopatia entre todos os líderes de grandes nações. Isso todo mundo sabe e lamenta.
O que nem todos parecem saber, e muito menos lamentar, é que o modo Bolsonaro se tornou a forma por excelência de funcionamento da máquina pública. Quem se alia a um governo que defende a ditadura militar, enaltece torturadores, nomeia racistas e filonazistas, ataca a ciência, invade terras, destrói a natureza e aceita a morte como troco para funcionamento da banca, não pode se julgar muito melhor.
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A recente tentativa do ex-ministro e ex-juiz Moro de se descolar dessa herança maldita para pavimentar seus interesses pessoais é apenas o mais límpido exemplo de contaminação incurável. O ex-paladino que ajudou a eleger e deu sustentação ao monstro, agora o denuncia como se houvesse uma mudança de rota inaceitável. Para isso usa de seus métodos habituais e de seu particular senso de justiça. Começando como dedo-duro inconfiável para se confirmar como vazador contumaz.
Para quem acha que o presidente é fraco e tem sido contido pelas instituições, é bom ficar atento: há bolsonarismo em tudo à sua volta. Na economia, Guedes não é a contraparte racional do projeto liberal, mas a tradução de um projeto mais amplo na linguagem de sinais do chefe. Nenhum direito ao trabalhador, ausência de políticas distributivas consequentes num momento de crise mundial e apoio ao setor financeiro.
Na saúde, depois da demissão do ministro Mandetta no momento mais grave do combate à pandemia, quando as políticas públicas começavam a se desenhar, o bolsonarismo ataca na figura de um titular fraco no Ministério da Saúde. Nelson Teich abre a porta para os militares em funções-chave, é rifado pelo próprio chefe em meio a uma coletiva e age como consultor junto ao setor que deveria liderar.
Ninguém espera dele outra atitude que a de escancarar o isolamento social com uso de planilhas falsamente objetivas e protocolar o uso de medicamentos rejeitados pelas pesquisas. Não chegou lá por outros méritos que a ambição de ocupar um cargo para o qual não está preparado, mas que pode abrir portas para seu futuro empresarial. Pode, é claro, pedir para sair se não concordar com esse roteiro que não foi escrito por ele. Suas opções não são as melhores: ou não vai fazer nada ou vai deixar de fazer qualquer coisa.
Na educação o bolsonarismo vai de vento em popa. A realização do Enem como anunciada é um passo a mais na implantação de uma divisão de classe no sistema educacional brasileiro, transformando a falácia da meritocracia numa constatação da injustiça social. Será um exame que reserva vagas mais cobiçadas para quem tem condição de estudar em casa. Deixa vendida parcela excluída digitalmente e estudantes de escolas públicas. Uma espécie de política de cota às avessas.
O mesmo método pode ser acompanhado em todas as outras áreas, num misto de autoritarismo, violência, preconceito, divisão e militarismo. Agora com a colaboração tempestiva dos próceres do Centrão, que começam a dar as cartas na nomeação de cargos traduzíveis em poder e dinheiro, não necessariamente nessa ordem. Tudo temperado com pitadas de personalidade inspirada no mandatário supremo, que estimula comportamentos de desconfiança em relação à ciência, à cultura e à liberdade de imprensa.
Nada é mais característico desse método que a reunião ministerial que está servindo de sustentação para as denúncias de Moro contra Bolsonaro, sobre a tentativa de influenciar na nomeação do superintendente da Polícia Federal do Rio de Janeiro. O que era para ser uma prova judicial se transformou numa metáfora do governo. O momento em que todos mostram sua pequenez, insignificância, falta de caráter e ausência de espírito público.
Pelo que foi vazado – é bom lembrar que quem assistiu às gravações tinha o dever de esperar o levantamento do sigilo, mas como Moro estava presente e tinha interesse... – a reunião foi um show de horrores. Bate-boca, humilhação, palavrões a rodo, ameaças, declarações antidemocráticas e incitação à ditadura, entre outras atitudes menos cotadas. Um esgoto moral.
Esse é o nível de uma reunião ministerial sob Bolsonaro. É esse tipo de gente que comanda os destinos do país. São pessoas que participam, ou minimamente acompanham tais barbaridades, que inscrevem suas biografias na história como integrantes desse governo. Não adianta depois dizer que tudo tem limite e que não sabia do nível do bando do qual fazia parte. Não existe álibi para falta de caráter e tibieza moral.
Não se trata de fugir dos conflitos, dos confrontos e divergências, mesmo as mais duras. É disso que é feito um governo democrático, sobretudo em meio a crises que vão da saúde à economia. O que parece ser inaceitável é compor um colegiado de ministros que escuta o presidente atacar a democracia, ladeado por generais com brio de soldados rasos, e seguir adiante como se o problema não fosse deles.
Os ministros presentes não devem esperar da história tratamento melhor do que o recebido por Bolsonaro durante a fatídica reunião. São gente desclassificada e covarde, tratada como tal pelo chefe. Pode-se dizer tudo do presidente, mas pelo menos ele é coerente com suas escolhas de auxiliares e respectiva cobrança de lealdade. Ele quer capachos como ministros. E os tem tratado como capachos que são.
Edição: Joana Tavares