Minas Gerais

Esperança

Artigo | Solidariedade - Um novo paradigma

Em meio à dor da pandemia, ações coletivas fazem enxergar o Brasil profundo que ainda existe, o Brasil solidário

Brasil de Fato | Belo Horizonte (MG) |
Voluntários trabalham na montagem das cestas agroecológicas - Laura Murta

S O L I D A R I E D A D E – substantivo feminino que denota caráter, condição ou estado de ser solidário. Em termo jurídico é o compromisso pelo qual as pessoas se responsabilizam umas pelas outras e cada uma delas com todas. 

Solidariedade é como uma segunda pele para quem a vida ensina que é não é possível ir muito adiante em voo solo. No contexto da pandemia de covid-19, solidariedade é palavra de ordem para aqueles que já entenderam que ninguém se salvará sozinho.

Nos últimos 60 dias, desde que o distanciamento social foi implementado, temos assistido inúmeras ações de solidariedade mundo afora. No Brasil, é um Raimundo Nonato, na fila para regularizar o CPF para receber o auxílio-emergencial de R$600, na agência da Receita Federal de Madureira, subúrbio carioca, quem nos alarga a visão: “atrás de mim tem gente com mais dificuldade” e pensando assim, o desempregado dividiu o que pouco que tinha, apenas o suficiente para comprar uma penca de bananas, com outros desempregados que também buscavam, como ele, auxílio, socorro diante de tantas incertezas.

Seu Raimundo, com esse gesto simples, inerente ao seu modo de estar no mundo, nos arrebata o coração, inunda os olhos e faz enxergar o Brasil profundo que ainda existe, o Brasil solidário, irmanado. Onde sempre estiveram, ao lado dos povos, organizações da sociedade civil, igrejas, movimentos populares, com destaque para o Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Sem Terra (MST), vêm Brasil afora, ou melhor, Brasil adentro, tratando de acudir a quem tem fome.  Desde o inicio da pandemia, são mais de 600 toneladas de alimentos entregues a famílias em situação de vulnerabilidade que querem permanecer em casa, mas se veem impossibilitadas porque já estavam sem trabalho antes da pandemia e agora, sem dinheiro, sem perspectivas, sem garantias. E como bem dizia o Betinho: “quem tem fome, tem pressa!”

O que temos assistido hoje é que solidariedade se tornou espaço de consenso conceitual. Progressistas e conservadores a utilizam em suas narrativas e a praticam. Essa onda solidária interrompeu o curso do individualismo que caminha no sentido de isolamento social do sujeito, em que os homens vivem para si, por si, visando ao seu (e unicamente) bem-estar, não se preocupando com a coletividade ou com o senso de sociedade. 

O momento requer ações concretas, sólidas e, portanto, um divisor de águas diante da galopante individualidade neoliberal.

Redes de solidariedade se estabeleceram em todos os cantos desse Brasil continental, em forma de marmitas para pessoas em situação de rua, de doação de alimentos, itens de higiene pessoal, em equipamentos de proteção individual para profissionais de saúde, que estão na linha de frente no combate ao Coronavírus, na forma de compra direta da produção de famílias da agricultura familiar no Norte de Minas Gerais. 

No semiárido mineiro, uma rede aproxima quem produz e não teria como escoar a sua produção a famílias que têm fome: uma Ação de Assistência Social e de Saúde, capitaneada pela Fundação Banco do Brasil, executada pela Cooperativa Grande Sertão, de Montes Claros, e parceiros, dentre eles movimentos sociais do campo e da cidade. 

Essa articulação em rede permite beneficiar 60 famílias produtoras, cinco cooperativas e empreendimentos da economia solidária da mesma região e duas mil famílias, de 20 municípios. Mais de R$ 400 mil investidos na aquisição de 144 toneladas de alimentos agroecológicos, produzidos respeitando homem e natureza.

Cada uma das duas mil famílias selecionadas receberá duas cestas básicas compostas por 11 itens, e com aproximadamente 20 kg, contendo: arroz, feijão, café, açúcar mascavo, óleo de pequi , farinha de mandioca, polvilho, rapadura, queijo ou requeijão, abóbora e frutas da estação. A primeira leva de cestas foi distribuída entre os dias 13 a 15 de maio. Após 15 dias, as famílias receberão uma nova cesta. 

Essa operação estreitou a distância entre Josiane Aparecida Amorim, agricultora familiar na localidade de Abóboras, distrito rural de Montes Claros, e a família de Dona Grécia Helena Cardoso Santos, moradora da Facela, periferia da mesma cidade.


Josiane Amorim, agricultira familiar vendeu 3 toneladas de mexerica pocã / Mariana Dupin

“A gente estava preocupada, sem saber o que fazer com a produção. Quando a fruta amadurece, ela não espera. Como agricultora, a renda vem daquilo que plantamos, colhemos, vendemos, e sem as feiras, estava complicado comercializar a produção”, conta Josiane, que conseguiu vender 3 toneladas de mexerica pocã, produzidas em dois hectares e meio de sua pequena propriedade.

E o que dizer de Dona Grécia, que se acostumando à nova regra de etiqueta social, a necessidade de permanecer de máscara o tempo todo, queria mostrar com o seu sorriso a gratidão pela cesta que ia levar para casa. “Queria muito poder mostrar meu sorriso de gratidão. Levar comida para casa, alimentar meus filhos e netos, é uma alegria sem tamanho”. Dona Grécia e a Josi não sabem, mas estão, assim como todos nós, diante do paradigma da solidariedade, que saibamos fazer a travessia!


Dona Grécia Helena, beneficiária da Ação de Soludariedade e Saúde / Laura Murta

Laura Murta é jornalista voluntária da Ação de Solidariedade e Saúde para enfrentamento à covid-19 no Norte de Minas.

Edição: Joana Tavares