A saída do ex-ministro Nelson Tecih nos traz elementos que confirmam o caos instalado no país. Se alguma dúvida pairava no ar, agora não temos mais: estamos vivendo sob as amarras de um novo governo ditatorial. A presença de um chefe máximo de Estado que coloca à sua vontade acima de tudo e de todos e à custa de tantas vidas não tem outro nome.
Interferir na Polícia Federal para atendimento de anseios pessoais; aprovar uma secretária de cultura que minimiza as mortes da ditadura de 64; romper com o pacto federativo, rechaçar a ciência; não alimentar a população com informações reais e verdadeiras; trocar 10 ministros em 14 meses de gestão (sendo 2 do Ministério da Saúde em plena pandemia); só pode ser ditadura.
O que está por trás da dança das cadeiras do Ministério da Saúde? Por que insistir tanto no uso da cloroquina? Qual a lógica de insistir na falácia economia versus saúde? O governo parece brincar de fazer gestão e se comporta como uma criança pirracenta no playground. Com a saída do ex-ministro Mandetta, a sensação era de trocar os quatro pneus de um carro com ele andando em alta velocidade e de forma desgovernada. Com a saída do ex-ministro Teich com menos de um mês de gestão faltam metáforas capazes de ilustrar o atual cenário que anuncia uma carnificina.
O presidente não quer alguém para a pasta da saúde que trabalhe no enfrentamento a covid-19. Ele busca alguém que fique sob sua tutela, que faça cumprir seus devaneios e que chancele a política da crueldade, do ódio e da perversidade. Pazuello, como ministro da saúde interino, segue cumprindo muito bem esse papel alicerçado por jogo de ilusões e teatralidade. Dando coro ao negacionismo e tentando invisibilizar o grave problema de saúde pública e o aumento da vulnerabilidade de determinados grupos sociais.
Enquanto isso, continuamos à deriva e observando a curva de óbitos e do número de casos de covid-19 crescer para além dos nossos olhos e sem termos um plano de ação concreto. Creio que perdemos também as estimativas reais do pico da curva de contágio. Nenhuma instituição séria, como o Imperial College e a Fiocruz, por mais competente que seja, é capaz de calcular os desfechos desse contexto por não ter como incluir na modelagem estatística a variável de controle “desgoverno Bolsonaro”.
Falta empatia, respeito, seriedade e compromisso. O presidente não é só omisso. Ele consegue aumentar a crise sanitária/humanitária acentuando a crise política no país. Ele contribui para a criação de capital político de outras forças conservadoras, como Moro, Mandetta e Dória, para as próximas eleições. Se é que elas ocorrerão. Aumentando o seu poder devastador sobre a democracia e a construção de uma sociedade mais justa.
Vivemos um período de obscurantismo, marcado por agressões à imprensa, à cultura, à ciência, às Universidades Públicas, ao Sistema Único de Saúde, às instâncias democráticas e aos milhares de brasileiros. Mas em nenhum momento podemos falar de estelionato eleitoral, ele cumpre exatamente o que prometeu ao longo da campanha presidencial: é a favor da tortura, do assassinato, do racismo, da lgbtfobia, da misoginia, do sexismo, do machismo e da opressão dos grupos mais vulneráveis.
Portanto, ser a favor da pandemia é lógico e coerente com o que ele tem se proposto a fazer ao longo de toda sua carreira política. Somos o novo epicentro da pandemia. Para o atual presidente da república nada disso importa.
Danielle Teles da Cruz é professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora, do Conselho Municipal de Saúde e da Frente Municipal Contra a Privatização da Saúde.
Edição: Elis Almeida