A pandemia do novo coronavírus paralisou várias atividades, dentre elas as reuniões do Conselho Municipal do Desenvolvimento do Meio Ambiente (Codema) da cidade histórica Serro (MG). Mas, segundo fontes ouvidas pela reportagem, o presidente do órgão propôs que os conselheiros assinem um documento que, na prática, visa liberar o projeto de exploração de minério de ferro da empresa Herculano em plena crise sanitária.
O objetivo do presidente do Codema Serro, Carlos da Silveira Dumont, seria cancelar uma decisão da ex-presidenta, Vanessa de Fátima Terrade, que há um ano invalidou a Carta de Conformidade dada à mineradora. O Codema Serro tem a função de analisar se os impactos do projeto estão de acordo com as leis municipais. O documento que está sendo elaborado pelo atual presidente do conselho deve ser entregue à prefeitura.
Decidir sem a população
Juliana Deprá, do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e moradora do Serro, relata que a manobra está sendo vista com indignação pela população serrana. “A gente está passando por um momento preocupante no município, de avanço disparado da contaminação do coronavírus. No município vizinho, em Conceição do Mato Dentro, a Anglo American não parou suas atividades. Os casos estão aumentando justamente por conta da mineração”, avalia.
Além disso, a declaração ser emitida sem reunião presencial retira dos moradores a possibilidade de se manifestarem. “Fazer essa manobra num momento em que a população está impedida de participar desse processo, por conta do isolamento social, é um ato covarde e desrespeitoso”, afirma Juliana.
O conselheiro Marcelo Mesquita Machado aponta ainda outras irregularidades do processo. Um relatório entregue por ele ao presidente do Codema e à prefeitura na última semana mostra que a mineradora Herculano estaria escondendo os impactos nas águas do município.
O estudo técnico feito pela professora de Engenharia Geológica da Universidade Federal do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) Alessandra Mendes Carvalho Vasconcelos, mostra que nascentes, aquífero e consequentemente o abastecimento de água na região podem diminuir e serem contaminados pela mineração. Somando-se a isso a escassez de água no Vale do Jequitinhonha, onde o Serro está situado.
“Nós temos a confirmação de que a empresa apresentou para o Codema um documento com mentiras e manipulação de dados para esconder uma não conformidade com o Plano Diretor vigente. O Codema tinha no mínimo que verificar”, indigna-se o conselheiro Marcelo.
Caso a Carta de Conformidade seja dada pelo conselho à Herculano Mineração, o trâmite fica nas mãos da prefeitura, que pode ou não assinar a Declaração de Conformidade para o empreendimento.
Histórico
A mineradora Herculano tenta obter a aprovação do Codema Serro desde 2018 e o processo já passou por audiências públicas, decisões judiciais e diversos protestos por parte da população. Em reunião de 17 de abril de 2019, o conselho votou favorável e declarou que o “Projeto Serro” estava de acordo com a lei municipal, sob questionamentos e, na opinião de alguns conselheiros, infringindo o próprio Plano Diretor da cidade, que declara a área como Zona de Manancial Hídrico.
O presidente do conselho à época, Paulo Sérgio Torres Procópio, renunciou ao cargo e foi substituído pela vice-presidenta, Vanessa de Fátima Terrade. Um mês depois, Vanessa anulou a decisão de 17 de abril com base em irregularidades ocorridas na reunião, e assim anulou também a aprovação ao projeto minerário.
O atual presidente do Codema Serro, Carlos da Silveira Dumont, tenta agora reverter o quadro e considerar novamente válida a reunião de 17 de abril de 2019.
Edição: Joana Tavares