A situação das unidades prisionais de Minas Gerais está cada vez mais preocupante em relação à propagação do coronavírus. Até às 10h de quinta (9), segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), são três mortes confirmadas: uma no Ceresp Gameleira, em Belo Horizonte; outra no Presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves; e a terceira no Presídio Floramar, em Divinópolis. Além disso, segundo a Sejusp, há uma morte em investigação no presídio de Manhumirim.
“Os presos estão muito doentes. A gente sabe que o número oficial não é verdadeiro. E a gente tem muito medo. O preso não tem imunidade, porque a alimentação que é oferecida pra ele é de péssima qualidade. Eles morrem de doenças simples”, desabafa Maria Teresa dos Santos, presidenta da Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, de Minas Gerais, e coordenadora da Rede Estadual Pelo Desencarceramento.
Segundo Maria Teresa, somente em Manhumirim há 164 detentos doentes em um total de 200 presos. Ao todo, a Sejusp afirma que em Minas Gerais são 344 detentos testaram positivo para covid-19, mas 338 cumprem quarentena dentro das unidades prisionais, sendo acompanhados pelas equipes de saúde.
No entanto, como aponta o advogado Fábio Piló, ex-presidente da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais, a subnotificação é uma realidade concreta. “A testagem dentro do sistema prisional é praticamente nula. Temos testagem onde a mídia escancarara a realidade, como é o caso do presídio Inspetor José Martinho Drumond, em Ribeirão das Neves, em Manhumirim, onde tem a unidade praticamente inteira infectada pela covid-19”, ressalta.
Em nota, a Sejusp afirma que as alas onde os detentos que testaram positivo foram isoladas, desinfectadas e todos servidores e demais detentos do local usam máscaras de forma preventiva. A população carcerária em Minas Gerais atinge 60 mil pessoas.
Medidas de prevenção
Desde março, a Sejusp e o Departamento Penitenciário Minas Gerais (Depen) colocam algumas medidas em prática que visam proteger detentos e servidores da contaminação por covid-19. Entre elas, a criação de 30 unidades de referência, que funcionam como porta de entrada para novos presos e a suspensão de visitas para diminuir a circulação de pessoas externas.
Além disso, é realizada a limpeza geral e desinfecção de ambientes e a utilização de máscaras e equipamentos de proteção individual, que é obrigatória para servidores, mas os presos usam quando estão com algum sintoma suspeito ou quando pertencem a alas ou pavilhões em que houve algum detento com teste positivo.
Essas medidas, segundo Fábio, seguem sendo insuficientes na contenção do vírus dentro do sistema prisional. “O que o Depen vem pecando se refere à questão de higiene, principalmente nas grandes unidades. Higiene nas celas, higiene no contato dos agentes penitenciários com os detentos, na ausência de EPIs para detentos e para um número significativo dos policiais penais”, afirma.
Para ele, ainda há um problema grave envolvendo as transferências de presos entre as unidades do estado, o que dificulta a prevenção. “Essas transferências em plena pandemia são um absurdo. Entendo que as transferências, neste momento, deveriam se dar somente em casos extremos e não por simples vontade do chefe do Depen em retirar os detentos de localidades próximas a seus familiares, onde eles têm vínculo afetivo, para alocá-los em unidades prisionais bem distantes”, critica.
Fábio conta que mais de mil detentos foram transferidos da Região Metropolitana de Belo Horizonte para Uberlândia, Uberaba, Montes Claros, Francisco Sá, Três Corações e outras unidades. “A maioria deles vai ficar sem visita. E a intenção da Secretaria é essa mesma: afastar o preso dos seus familiares, acabar as visitas nas unidades, porque a visita é que traz as informações das violações de direitos que os presos sofrem. Quanto menos visita, menos reclamação eles vão receber”, afirma Maria Teresa.
Inclusive, a unidade prisional de Formiga recebeu, recentemente, dezenas de presos do complexo penitenciário Nelson Hungria, em Contagem, gerando um conflito entre os executivos municipal e estadual. “Ao mesmo tempo em que a Secretaria de Saúde de Minas Gerais declara que a penitenciária é um surto de covid-19, concomitantemente, vem dezenas de presos pra nossa penitenciária. É um contrassenso muito grande que não deve ser usado como artifício político”, critica o prefeito de Formiga, Eugênio Vilela, em vídeo divulgado nas redes sociais.
Comunicação com as famílias
Há quase quatro meses sem visitas, Maria Teresa relata que a comunicação entre o sistema prisional e as famílias há muito tem sido um grande problema. Segundo ela, os grupos de WhatsApp criados pelo Depen-MG para emitir comunicados é de “uma voz só”.
“Os familiares ficam desesperados, porque não podem perguntar e nem mandar mensagens. Nós, familiares, só tomamos conhecimento que há presos doentes através das secretarias municipais de saúde”, denuncia. Os contato com os detentos podem ser realizados por meio de cartas, ligações telefônicas e videoconferências.
Prisão domiciliar
Em março, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu uma recomendação a tribunais e magistrados para conceder prisão domiciliar aos presos de regime aberto e semiaberto, e a presos do regime fechado que possuem comorbidades. No entanto, segundo o advogado Fábio Piló, alguns magistrados insistem em contrariar essas orientações.
“Tivemos detentos que tiveram a prisão domiciliar negada e vieram a óbito em Ribeirão das Neves. É uma situação muito complicada. Não tem nem como estimar quantos são os detentos infectados e que já vieram a óbito em razão da covid-19 em todo o estado”, aponta.
Edição: Antônia Sampaio