Minas Gerais

DESIGUALDADE

Artigo | Um inimigo mais letal que a COVID-19: a fome está de volta

Já estivemos no mapa da fome no mundo, conhecemos essa peleja, não podemos retroceder

Montes Claros (MG) | Brasil de Fato MG |
senhor segurando um calango, preto e branco, fome
Em 1983, Chico Marcolino mostra calango, único "alimento" que ele e sua família teriam naquele dia. - Delfim Vieira/CPDoc JB/Via Memorial da Democracia

Estamos há mais de 100 dias em distanciamento social em virtude da pandemia do novo coronavírus. Eu costumo usar a comparação de que estamos sob a mesma tempestade, mas não no mesmo barco.  E esse sentimento ganhou mais força após a leitura do estudo feito pela OXFAM, que é uma Organização Não Governamental, que atua em mais de 90 países pelo mundo, entre eles o Brasil, buscando combater desigualdades, fiscalizar e defender direitos humanos; discutir e repensar as cidades, com um olhar especial para as juventudes, gênero e raça, e na promoção da justiça econômica.

Essa organização já havia publicado um estudo importante sobre a desigualdade no mundo. Agora nos apresenta um trabalho sobre o agravamento da fome no mundo. O relatório publicado no dia 9 de julho, aponta que a COVID-19 agravou a crise de fome em pontos críticos e cria novos epicentros em todo o mundo. O mais impactante é que, segundo o estudo, até o final do ano, 12 mil pessoas poderão morrer, por dia, de fome. Estamos diante de um velho inimigo, a fome, que vai matar mais do que o coronavírus.

:: “Quando o vírus chega, ele acentua as desigualdades", analisa diretora da UNE ::

Se trouxermos os dados para a realidade da nossa cidade, veremos que são relevantes e pedem uma atenção especial da Prefeitura.

Em Montes Claros, em 2018, a Secretaria de Desenvolvimento Social, responsável por implementar políticas públicas de assistência social, admitia que a cidade tinha mais de 45 mil famílias na linha pobreza e 16 mil famílias beneficiárias do Bolsa Família. Se somarmos a esses dados o déficit habitacional, que é superior a 15 mil famílias, mais o crescimento do desemprego e da informalidade, ambas em expansão antes da pandemia e agora agravadas, o cenário é terrível.

Outro componente é a estimativa do Ministério Público, que já sugeriu a realização de um censo para sabermos qual a população de rua da cidade. A população em situação de rua cresceu 70% em 2020. A Pastoral da Arquidiocese que acompanha essa população acredita que o número é superior a mil pessoas em Montes Claros. Já a Pastoral da Criança, acompanha 9 mil famílias com crianças de até cinco anos em extrema vulnerabilidade na cidade.

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Nesse apanhado simples, já temos mais de 21,5% da população da cidade, em situação de extrema vulnerabilidade e em risco iminente do vírus da fome. Isso é muito sério! Vai exigir de todos nós, mas em especial dos gestores, a máxima atenção com os mais empobrecidos. O cenário que se desenha, infelizmente é o de terra arrasada.

Cuidar da nossa gente é cuidar da cidade. A cidade somos nós, homens, mulheres, crianças, jovens, idosos. Tenho me dedicado a estudar a nossa cidade e a nossa região e o que vejo é a urgência de termos as pessoas como a centralidade do fazer político. Já estivemos no mapa da fome no mundo, o Brasil, o Norte de Minas e os vales do Jequitinhonha e Mucuri. Conhecemos essa peleja. Não podemos retroceder.

Colocar os mais pobres no orçamento de nossas cidades, reestruturar a cidade a partir da tarefa de salvar a nossa gente da fome e da COVID-19. As pessoas como a obra mais importante de uma administração. O mais simples, o mais importante! Pensem sobre isso!

Leninha é deputada estadual e vice-presidente estadual do PT e presidente da Comissão de Direitos Humanos da ALMG

Edição: Elis Almeida