A partir desta quinta (16), o Brasil de Fato inicia uma série de entrevistas com pré-candidatos de esquerda à prefeitura de Belo Horizonte. São eles Áurea Carolina (PSOL), Leonardo Péricles (UP), Nilmário Miranda (PT) e Wadson Ribeiro (PCdoB).
Fizemos as mesmas perguntas aos quatro. Abaixo, eles falam sobre relacionamento com o governo federal e estadual, sobre como será governar a cidade após uma pandemia, uma possível frente de esquerda para a eleição e avaliam a gestão de Alexandre Kalil (PSD).
Nilmário Miranda é jornalista, foi deputado estadual, federal, secretário de Direitos Humanos no governo Lula, se candidatou ao governo de Minas Gerais em 2002 e agora é o pré-candidato do Partido dos Trabalhadores. Confira:
Brasil de Fato - Você se lança em uma pré-candidatura à prefeitura em tempos obscuros. Com um governo federal e um governo estadual de linha neoliberal, como a prefeitura pode ter autonomia para barrar retrocessos?
Nilmário Miranda - A prefeitura de Belo Horizonte tem um legado, que vem dos governos do PT, desde o governo do Patrus, que criou estruturas de governança boas para a cidade. Por exemplo, 35% do orçamento vai para folha de pagamento, 30% é para educação há décadas, 15% para saúde, e desde esses governos o município começou a ter uma boa estrutura administrativa também. Então, a cidade funciona, até mesmo quando tem prefeitos fracos.
Agora, é claro, o Brasil é federativo, então tem que ter uma participação do Estado, e sobretudo da União, o que afeta o país inteiro. A relação com o governo estadual acredito que tem que ser uma relação institucional. Belo Horizonte é a capital do estado e deve ser respeitada.
Nós somos oposição a esse governo e vamos fazer uma oposição séria às políticas dele, e ele tem que cumprir suas obrigações com a capital, independente de qual partido esteja à frente da administração. Retaliações a uma prefeitura só prejudicam o povo, principalmente os mais pobres.
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A pandemia veio agora e está aprofundando crises e desigualdades que já existiam, e é provável que os cofres públicos estejam quebrados por algum tempo. Quais ações você pensa para contornar esse cenário que se apresenta?
O PT nasceu para representar os trabalhadores em qualquer circunstância, inclusive nessa, que é trágica, de informalidade, de desemprego altíssimo. Isso já vinha acontecendo deste o golpe liderado pelo Temer, com as reformas neoliberais – que foram apoiadas por Bolsonaro [enquanto deputado].
Nós temos que ter um olhar especial para as periferias, onde as pessoas estão sofrendo mais com a pandemia. Lá as pessoas não têm como fazer isolamento social. E aqui pararam os projetos de moradia popular. Muitos projetos de distribuição da renda, do poder e do saber foram interrompidos nos últimos anos. Nós vamos governar para todos, mas seguramente priorizando os mais pobres.
Por isso que nós governamos a cidade por 16 anos. Fizemos política habitacional, política de contenção de encostas, de levar as grandes mudanças culturais, educacionais e de saúde para toda a população. Depois de teto de gastos, golpe e ascensão do neofascismo, muita coisa foi perdida, mas vamos resgatar essas políticas, dentro de todos os limites e possibilidades.
As pessoas que têm renda alta precisam menos do Estado do que o povo pobre, ainda mais em momentos de crise. Nós nascemos para fazer isso e será o que vamos retomar em Belo Horizonte.
O governo Zema já sinalizou várias privatizações e uma delas é a da Copasa. Um dos maiores lucros da companhia advém de BH e o atual prefeito já afirmou que irá retirar a capital da Copasa se ela for privatizada. Como você vê a privatização e o que você faria nesse caso?
Privatização de Cemig e Copasa não possui significado nenhum, não tem importância nenhuma econômica ou financeira para o Estado. É puro preconceito ideológico contra empresas públicas, independente do mal que isso possa causar. Nós somos contra e vamos tentar impedir que aconteça. A assembleia [Legislativa de Minas Gerais/ALMG] deve resistir.
Para privatizar tem que haver um referendo popular, e temos que fazer uma campanha dura contra esse governo ultra neoliberal, que quer passar a boiada num momento desse de pandemia. É absurdo. Os candidatos devem se opor a isso, independente do partido. Historicamente, nós do PT somos contra e vamos continuar batendo nisso.
Existe a possibilidade de se construir uma frente de esquerda para disputar essa eleição? E após a eleição?
É bom lembrar que existe uma frente desde que houve o golpe, e sobretudo agora com esse governo antidemocrático e perverso. Sobre a frente eleitoral de esquerda, bom, desde que existem dois turnos nas eleições, as esquerdas lançam no primeiro turno suas identidades. O Lula estava preso, existia um golpe no país, e as esquerdas preferiram lançar candidaturas próprias. Desde de 1989 tem sido assim, uma união no segundo turno.
Agora tudo se agravou porque temos um governo neofascista e porque não pode fazer coligação para vereador. Minha primeira prioridade foi conversar com cada partido. Eu já conversei com quatro, e conversas estão marcadas com os demais. Nós vamos falar com todos. Além de rearticular força, é prioridade elaborar um programa ousado, e quem governou a cidade por 16 anos tem saber e quadros pra poder fazer uma proposta ousada, fortemente social, inclusive na Cultura.
Eu estou priorizando esse contato, agora, vai depender de todos. Se não der no primeiro turno, depois de fazermos o possível, temos um compromisso no segundo turno. Não podemos criar um mito de que ter várias candidaturas de esquerda é sinônimo de desastre e não existe certeza alguma sobre quem vai estar num possível segundo turno. Aqui, o PT foi o último a lançar candidatura e só tem candidatura de frente de esquerda onde o PT abriu mão: em Belém, Campina Grande, Porto Alegre, Passo Fundo. Há também uma possibilidade em Florianópolis.
A esquerda é muito subrepresentada na Câmara Municipal e é desejo nosso que todos os partidos elejam vereadores. Nós temos aliança na Câmara dos Vereadores, na ALMG, na Câmara dos Deputados e no Senado. Em nenhum momento, mesmo onde há disputa eleitoral, isso diminui. Seria bom se a gente fizesse uma frente eleitoral agora, mas se não tiver, respeitamos os partidos que não queiram fazê-la no primeiro turno.
Qual o impacto da pandemia na campanha eleitoral? Como pretende ou está contornando as consequências de não poder realizar atividades presenciais?
Todo o Brasil, e Belo Horizonte também, tem que responder à pandemia de maneira adequada, mantendo o isolamento social, a quarentena, o respeito à ciência na condução da batalha contra o coronavírus e nós cumprimos isso.
Ao seu ver, quais são as maiores urgências de Belo Horizonte e quais são as suas principais propostas para saná-las?
Nós aprendemos com a história, depois da ditadura principalmente, que os direitos não chegam até as pessoas de cima para baixo, eles são conquistados. Por isso estabelecemos o orçamento participativo e inúmeras formas de participação popular. Precisamos resgatar a construção de políticas públicas com a participação popular, isso é fundamental.
Na época das enchentes, por exemplo, nós criamos administrações regionais descentralizando o poder, e os administradores regionais eram conhecidos da rua deles, na região deles, todo mundo sabia o nome dos administradores. Mas isso foi esvaziado, houve uma centralização do poder, o que é muito ruim, ainda mais em uma cidade com tanta desigualdade.
Nós não vamos conseguir fazer nada do que falei anteriormente se não construirmos uma fortíssima participação popular. Só avançamos no Brasil quando houve isso, e é por esse motivo que as primeiras providências de todo governo que nos sucede é esvaziar as formas de participação popular.
Também não tem política de juventude na cidade. O CJR [Centro de Referência da Juventude] funciona abaixo do seu potencial, e houve um esvaziamento dos centros culturais de periferia, mostrando a diminuição da importância da cultura. A cultura é também fundamental para Belo Horizonte, inclusive para a economia.
Qual sua avaliação do governo Kalil?
Eu, agora, estou licenciando do Conselho Estadual de Direitos Humanos, do qual eu sou presidente e represento o Sindicato dos Jornalistas. O conselho fez uma nota apoiando a prefeitura quando o Executivo municipal estava enfrentando o governo federal na proposta irresponsável de abertura de tudo, num "morra quem morrer". Ficamos surpresos, decepcionados e frustrados quando a PBH reabriu a cidade prematuramente, cedendo à pressão de setores de empresários que não priorizam o direito à vida. Deu no que deu.
Belo Horizonte, que podia já estar reabrindo toda sua economia, teve que voltar a fechar. Isso mostrou a limitação do Kalil. É ruim fechar, mas a experiência mundial é que quanto mais você trabalha seriamente, tendo a ciência à frente, nas políticas de isolamento, de testagem e de fortalecimento do SUS, você reabre mais cedo. Isso mostrou que nós não vamos fazer nenhum combate ao atual governo só por motivos eleitorais, mas sim porque a gente pode fazer muito mais do que o governo Kalil.
Temos possibilidades enormes de fazer muito mais e melhor.
Edição: Elis Almeida