Wadson Ribeiro, do PCdoB, é mais um dos pré-candidatos de esquerda à prefeitura de Belo Horizonte ouvido pelo Brasil de Fato. A equipe também conversou com o petista Nilmário Miranda (PT) e publicará em breve as reportagens com Áurea Carolina (Psol), Leonardo Péricles (UP) e Wanderson Rocha (PSTU).
Fizemos as mesmas perguntas para os quatro. A pré-candidata e os pré-candidatos falam sobre relacionamento com o governo federal e estadual, sobre como será governar a cidade após uma pandemia, uma possível frente de esquerda para a eleição, avaliam a gestão de Alexandre Kalil (PSD) e mais.
Wadson Ribeiro é formado em administração pública, foi secretário do Ministério do Esporte no governo Lula, presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União da Juventude Socialista (UJS). Foi ouvidor-geral do Estado de Minas Gerais e titular da Secretaria de Desenvolvimento Integrado e Fóruns Regionais, nos anos de 2017 e 2018, e deputado federal em 2015 e 2016.
Brasil de Fato - Você se lança em uma pré-candidatura à prefeitura em tempos obscuros. Com um governo federal e um governo estadual de linha neoliberal e fundamentalista, como a prefeitura pode ter autonomia para barrar retrocessos?
Wadson Ribeiro - O que também me estimulou muito a aceitar esse desafio colocado pelo meu partido, de ser pré-candidato a prefeito, é esse momento que o Brasil vive, de uma crescente onda de fascistização, de perda de direitos, de perseguições às minorias, de tentativa de fechamento do Congresso, do Supremo, de se impor um governo autoritário.
O PCdoB, um partido que vai completar 100 anos em 2022, passou por momentos mais difíceis na história do país, inclusive ditaduras e fascismos. Essa experiência histórica do PCdoB, num momento como esse, é importante e está a serviço da reconquista da plena democracia.
A partir de vitórias em prefeituras importantes como Belo Horizonte, e não apenas vitórias eleitorais, se forma um caminho para a retomada de um Estado democrático de direito, de um Brasil que volte a crescer na economia, a se desenvolver, a gerar políticas públicas que possam combater a miséria e a pobreza. Isso tudo passa pelas eleições municipais, num ambiente desafiador, de um governo de extrema direita no Brasil. Mas o PCdoB, como eu disse, com 100 anos de história, não pode se furtar num momento tão importante da vida política do país.
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E é por isso que vamos disputar a prefeitura de Belo Horizonte, para além das questões concretas do município, também ter como pano de fundo a necessidade de defender a democracia.
A relação entre governos não pode ser pautada por partidos políticos. Passada a eleição, o que se espera do governo do estado é que tenha respeito com a capital. Eu pretendo ter uma relação institucional respeitosa, até porque há muitas políticas públicas no município de Belo Horizonte que são parcerias com o Governo de Minas. É impossível pensar uma capital e o seu funcionamento apartados do governo do estado. Pretendo ter uma relação em que possam prevalecer os interesses da população de Belo Horizonte.
A pandemia veio agora e está aprofundando crises e desigualdades que já existiam, e é provável que os cofres públicos estejam quebrados por algum tempo. Quais ações você pensa para contornar esse cenário que se apresenta?
Isso tem a ver com uma crise mundial do sistema capitalista que, em um momento como esse, aprofunda as desigualdades. A pandemia tem um lado trágico que é a crise sanitária, que já levou mais de 70 mil vidas no Brasil. E tem um outro lado que é a crise econômica, que vai demandar outro modus operandi das prefeituras. É olhar para uma outra cidade, que vai ter índices mais dramáticos na saúde, no desemprego, na miséria. Isso exige políticas públicas que são efetivas.
Em todo o mundo, onde se combateu a pandemia de forma exitosa, o Estado esteve presente com grande recurso público. No Brasil prevaleceu uma lógica do governo federal contrária a isso, que foi não ter o Estado parceiro para o desenvolvimento; no início, foram R$ 200 de auxílio emergencial e foi o Congresso que levou para R$ 600.
Em Belo Horizonte, no pós pandemia, a gente pensa em construir uma política de renda mínima para as pessoas. É inadmissível nessa conjuntura, onde o Brasil vai ter quase 50% da sua população economicamente ativa desempregada, ter um cidadão sem nenhum tipo de renda. Pensamos uma renda para que ele suporte o cenário de dificuldade imposto pela pandemia, o cenário de uma crise severa que desnudou essa tal eficiência do capitalismo.
Assim como é preciso também ter esse recurso aplicado na economia. As famílias não usam essa renda mínima na Disney, na Europa, no Chile, na Argentina. Esse recurso é usado na mercearia local, no açougue local, no comércio local. Ou seja, tem um retorno enorme para a engrenagem econômica do município. Então, vamos ter que pensar políticas de geração de primeiro emprego, políticas específicas de ocupação, trabalho e renda para setores mais vulneráveis da sociedade, como por exemplo as pessoas que já passaram da faixa dos 45 anos.
O governo Zema já sinalizou várias privatizações e uma delas é a da Copasa. Um dos maiores lucros da companhia advém de BH e o atual prefeito já afirmou que irá retirar a capital da Copasa se ela for privatizada. Como você vê a privatização e o que você faria nesse caso?
Eu sou contra a privatização. As empresas públicas precisam estar a serviço de um projeto de desenvolvimento do Estado. A Cemig, a Copasa, a Codemig. Elas têm que ser instrumentos para o desenvolvimento econômico de Minas Gerais, para o desenvolvimento tecnológico, para que a gente tenha um salto e Minas passe a ser um estado exportador não de produtos primários, mas produtos com maior valor agregado - algo que só é possível com grandes investimentos em ciência e tecnologia e modernização da nossa indústria.
As empresas públicas têm esse sentido estratégico para o Estado, além de prestar o serviço.
O caminho que o Zema adota para Minas é errado. Um caminho de políticas ultra neoliberais, achando que o tamanho do Estado é o que impede o seu desenvolvimento, é uma grande miopia política de empresário, de quem vem com essa iniciativa privada e não tem nenhum tipo de vocação pública, não conhece o funcionamento da máquina pública.
Sobretudo, num período pós pandemia, o que as pessoas vão precisar é de mais Estado: mais política pública, mais rede de proteção social, um SUS mais fortalecido, de um sistema único de seguridade social fortalecido. Então, eu sou radicalmente contra as privatizações. Ele [governo Zema], a partir de privatizações e reforma da Previdência, está querendo fazer com que o setor mais vulnerável pague a conta do estado.
Existe a possibilidade de se construir uma frente de esquerda para disputar essa eleição? E após a eleição?
O raciocínio do PCdoB hoje é que precisa ser construída uma frente política ampla no Brasil. Uma frente ampla de esquerda não é ampla - ou é de esquerda, ou é ampla. O golpe contra a Dilma, depois o governo Temer e a eleição do Bolsonaro impuseram muitas dificuldades às esquerdas, em parte pela campanha das classes dominantes de desconstrução dos governos de Lula e de Dilma. Em certa medida, isso isolou nosso campo político.
O PCdoB, PT, Psol tiveram uma derrota muito significativa. Nós acreditamos que para reverter essa situação - para derrotar o governo Bolsonaro, porque nós não podemos deixar esse governo chegar ao final, já que ele é o mensageiro da morte -, a esquerda somente não dá conta. É preciso dialogar com setores mais amplos da sociedade, que mesmo discordando da esquerda como na economia, por exemplo, podem ter ganhos pela democracia.
A democracia é a questão central no Brasil de hoje. Se acontecer uma ruptura democrática como Bolsonaro pretende, nós podemos viver uma outra noite de 21 anos, como na ditadura passada. Não poderia acontecer nada pior no Brasil do que um governo com características fascistas como as de Bolsonaro.
Por outro lado, temos uma eleição municipal pela frente, em que não está amadurecida a ideia de frente ampla. Aqui, em BH, o Kalil é atacado pela extrema direita bolsonarista em relação ao isolamento social, por exemplo. Por outro lado, não dá para dizer que o Kalil é um homem progressista, de esquerda. Aliás, ele criticava tanto a política e é agora do PSD, partido do Gilberto Kassab, partido que indicou o Ministério das Comunicações, o chamado ‘centrão’. Olha como é a contradição da política.
Eu tendo a crer que, nesta eleição, com o fim da coligação e com a necessidade de os partidos terem candidatos a prefeito, essa frente política (que a esquerda tem que ter e que tem que ampliar para outros setores comprometidos com os direitos e o desenvolvimento do país), provavelmente se dará no segundo turno.
Depois de um longo ciclo como esse em que o PT dirigiu o Brasil por 15 anos e foi a força principal da esquerda, e depois de tudo o que ocorreu após o impeachment, é natural que novas lideranças se coloquem nessa disputa eleitoral, no sentido de cada partido apresentar o seu programa para a sociedade e discutir um lugar político nessa conjuntura que o Brasil foi inserido.
Qual o impacto da pandemia na campanha eleitoral? Como pretende ou está contornando as consequências de não poder realizar atividades presenciais?
A primeira dificuldade é o sofrimento das pessoas que perderam seus familiares. Toda essa apreensão, porque foram quatro meses em que as pessoas mudaram completamente as suas rotinas. Isso em si já cria um clima muito ruim para campanha, porque as preocupações são outras.
A outra é a limitação física. É uma campanha que nós temos que respeitar as orientações e determinações das autoridades sanitárias. Não dá para fazer aquilo que não é permitido, igual o Bolsonaro faz, esses atos irresponsáveis que colocam a saúde em risco.
Por outro lado, vamos ter que achar formas criativas de fazer campanha à distância. Plataformas, reuniões remotas, plenárias virtuais, lives, atividades de rua que evitem aglomerações de pessoas, talvez carros a céu aberto com candidatos falando suas propostas. Enfim, vamos achar formas alternativas porque, de fato, é uma realidade nova. No Brasil nós temos muito calor humano, né? A gente gosta de abraçar, estar junto, fazer plenária, tomar caldo, canjiquinha (risos). E isso está inviabilizado por hora.
Ao seu ver, quais são as maiores urgências de Belo Horizonte e quais são as suas principais propostas para saná-las?
São três eixos importantes. O primeiro é a geração de trabalho e renda. O desemprego no Brasil é alto, a pandemia intensificou isso e agora temos uma população mais empobrecida. Belo Horizonte precisa dar resposta, então queremos gerar postos de trabalho e gerar um programa de renda mínima, como eu falei, para que as pessoas tenham dignidade e para que esse recurso volte para a economia do município e a aqueça.
Vamos pensar iniciativas de primeiro emprego, no artesanato, nos arranjos produtivos locais, na atração de indústrias de ponta como as ligadas à nova revolução tecnológica 4.0, como as de química fina, pensar em áreas que possam explorar a inteligência que Belo Horizonte tem a partir da UFMG, do BH-TEC, dos instrumentos de pesquisa e de fomento à pesquisa.
É tratar de forma integrada: atrair indústrias da nova tecnologia, renda mínima promovida pela prefeitura e iniciativas que possam auxiliar a geração de empregos de forma criativa, especialmente apostando na micro e pequena empresa, que é a que mais gera postos de trabalho e a que menos demite em períodos de crise. Em Belo Horizonte esse setor está sofrendo, foi o primeiro a fechar as portas, vai ser o último a sair e não teve apoio do governo federal, do estadual e nem do municipal. Está pagando IPTU, internet, luz, telefone, vai quebrar e vai gerar desemprego.
O segundo ponto é a mobilidade. Belo Horizonte é uma cidade que está parada, tem uma quantidade de veículos muito grande. O metrô não se expandiu desde a sua construção. Encaramos a mobilidade pelo viés da macroeconomia, que é mais difícil por causa do governo Bolsonaro, que não faz nenhum investimento. Se tivesse esse incentivo, seria importante a implantação do metrô. Como o cenário econômico não está dado no Brasil, é preciso tratar do que está ao alcance.
Queremos fazer um estudo sobre a redução da tarifa e sobre transporte gratuito aos domingos, para que o trabalhador tenha acesso à cidade, vá aos espaços públicos, nos parques. Uma família com quatro pessoas, para ir de um bairro a outro, muitas vezes gasta mais de R$ 30. Para isso, nem que tenhamos que rediscutir os contratos da BHTrans, algo que se falou que ia mexer, mas não mexeu em nada. Em tempos de pandemia e você vê menos ônibus e ônibus mais lotados.
BH não aumentou 1 km em ciclovias e ciclo faixas em quatro anos. Precisamos estimular transporte coletivo, a bicicleta, entrar em maior integração e do financiamento do transporte metropolitano.
O terceiro é a educação. O PCdoB está administrando o governo do Maranhão, que hoje tem o maior piso salarial de professor do Brasil, R$ 6.300. Precisamos discutir a valorização do professor e dos trabalhadores da educação, além da universalização do acesso à educação infantil, especialmente de 0 a 2 anos. Nós defendemos as creches integrais e também algumas em período noturno para que as chefes de família, que são principalmente as mulheres, tenham onde deixar seus filhos e possam se inserir no mercado de trabalho.
Faça uma breve avaliação do governo Kalil.
O governo Kalil é ruim para Belo Horizonte. É abaixo da média dos grandes prefeitos que Belo Horizonte teve nos últimos 15 anos e que alinharam boas gestões, como Patrus Ananias, Célio de Castro, Pimentel, Márcio Lacerda (mesmo com as muitas polêmicas). Esse conjunto de prefeitos teve um desempenho muito superior ao que o Kalil tem e tiveram mais realizações na cidade e maior papel na política nacional. Belo Horizonte era vista com mais respeito.
Kalil é uma gestão muito limitada. Ele disse na campanha que Belo Horizonte não precisava de nenhuma obra, mas estava enganado. As enchentes demonstram que Belo Horizonte precisa de muita obra estrutural, que a questão da moradia é muito grave, com encostas, moradias irregulares.
Se falou muito em BHTrans também. Belo Horizonte tem um transporte caro, que não é totalmente interligado no metropolitano, que é inseguro. Ele falava "vou abrir a caixa da BHTrans", mas nada foi feito.
O Kalil fez um teatro político para ganhar a eleição e vestiu o personagem da não-política. Estava em alta em 2016 e 2018 desconstruir a política, era o ambiente do lavajatismo, da criminalização da política. Nessa leva se elege o Kalil, o Dória... Em 2018 isso fica ainda mais evidente com a eleição do Bolsonaro, de governadores, senadores e deputados sem nenhuma trajetória na vida pública, que caíram de paraquedas em eleições ganhas por fake news, por WhatsApp e redes sociais.
O Kalil faz parte desse contexto. Eu sei valorizar o que é bom. Eu valorizo a postura de combate à pandemia que ele adota, é positiva. As críticas em relação a postura dele na pandemia são conservadoras, mas, a gestão dele é muito aquém do que Belo Horizonte precisa, sem nenhuma marca. Não fez grandes obras de infraestrutura, não realizou grandes obras sociais. É um governo abaixo da média, que não mostrou a que veio.
Edição: Elis Almeida