Já passaram mais de quatro meses desde que Minas Gerais decretou situação de emergência em Saúde Pública devido à pandemia causada pelo coronavírus. Em março, os comércios considerados não essenciais foram fechados, novos hábitos de higiene – como uso de máscaras e lavagem correta das mãos – foram divulgados e o isolamento social passou a ser amplamente estimulado.
Na época, ainda não havia mortes confirmadas no estado, embora o número de testagens até hoje seja considerado insuficiente por especialistas. De acordo com o boletim epidemiológico, divulgado na terça (21), pela Secretaria de Estado de Saúde, são 95.566 casos positivos e 2.071 óbitos confirmados. Em 775 municípios mineiros há casos positivos e em 347 deles já ocorreram mortes em decorrência da covid-19.
Enquanto muitos países do mundo conseguiram retomar a dinâmica social após três meses de isolamento, o Brasil vive várias realidades, acumulando no total 2.118.646 casos confirmados e 80.120 pessoas mortas. Em Minas, apesar do secretário de Estado de Saúde, Carlos Eduardo Amaral, afirmar em coletiva de imprensa na segunda (20) que há uma tendência de estabilização da curva de transmissão, especialistas afirmam que ainda não há uma previsão para a volta à normalidade.
:: Leia também: Conselho de Saúde de BH defende que leitos particulares sejam usados pelo SUS ::
Parte dessa insegurança é causada pelo fracasso de Jair Bolsonaro na condução do controle à pandemia, mesma cartilha seguida pelo governador Romeu Zema (Novo) em Minas Gerais. Para o infectologista Dirceu Greco, presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o primeiro erro do governo federal foi não se embasar em evidências, considerando erros e acertos de outros países.
“As medidas [de Bolsonaro] foram completamente irresponsáveis, dizendo que era uma gripe comum. Isso para nós era uma estupidez, mas para a população em geral fica uma contradição, vendo uma pessoa que dirige o país dizendo que está tudo bem e o resto, cientistas e ativistas, dizendo o contrário”, critica.
Em abril, Zema criticou prefeitos que adotaram o isolamento social e orientaram o fechamento dos comércios. Em uma videoconferência com a XP Investimentos, corretora de valores que é referência no mercado financeiro, o governador afirmou que “nessa crise, nós precisamos que o vírus viaje um pouco”. “Zema está no mesmo barco da irresponsabilidade do governo federal”, comenta Dirceu.
Isolamento e desigualdades sociais
Bruno Pedralva, médico de família e comunidade do Sistema Único de Saúde (SUS) de BH, explica que enquanto não há vacina contra o coronavírus e medicação eficaz que auxilie no tratamento da doença, o isolamento social e a diminuição da circulação de pessoas continua sendo a principal forma de prevenir a contaminação.
“Na medida em que aumentou a circulação de pessoas em Belo Horizonte, com a flexibilização do comércio, os casos aumentaram de forma expressiva a ponto de a gente ter atingido, em determinados momentos, 100% de ocupação dos leitos de UTI, apesar de todos os esforços do SUS para ampliação dos leitos”, aponta. Na capital, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) autorizou a abertura gradual das lojas no dia 25 de maio, mas voltou atrás no final de junho, mantendo somente os serviços essenciais abertos.
A pandemia, junto com as medidas de isolamento social, trouxe à tona as desigualdades sociais do país, impactando, sobretudo, a população de baixa renda. Análise do portal Coronavírus-MG afirma que a letalidade da doença é 46% maior entre as pessoas declaradas pretas em relação às brancas em Minas Gerais.
“O vírus não é democrático. Ele chega da mesma forma nas pessoas, mas atinge os mais vulneráveis de forma diferente. A sociedade é um caldeirão, com uma pobreza enorme, preconceito pra todo lado, racismo que tem 500 anos. Nada disso apareceu com a pandemia, mas escancarou”, comenta.
Para o especialista, além das medidas no SUS, o isolamento social só poderia acontecer de maneira eficaz com um suporte social imediato, o que aponta para mais uma falha do governo federal, que tardou ao aprovar o auxílio emergencial de R$ 600. Na época, Jair Bolsonaro defendia o valor de R$ 200, sendo vencido por parlamentares de esquerda.
Em Minas Gerais, entre as medidas tomadas pelo governo está a abertura de leitos, compras de respiradores, aquisição de testes e equipamentos de proteção individual (EPIs), e o pagamento da chamada Bolsa Merenda, cujo valor é de R$ 50 para estudantes da rede estadual inscritos do Cadastro Único (CadÚnico). Informações mais detalhadas foram solicitadas ao governo, que não respondeu até o fechamento desta matéria.
Belo Horizonte
Ao contrário do governo federal, o prefeito Alexandre Kalil, desde o início da pandemia, segue as orientações científicas formuladas por um comitê formado por infectologistas e representantes da Secretaria Municipal de Saúde. De acordo com o boletim divulgado na terça (21), são 14.089 casos e 378 óbitos confirmados na cidade.
Segundo dados da Prefeitura de Belo Horizonte, desde março já houve ampliação de mais de 532% no número de leitos UTI e enfermaria para tratamento de covid-19. Atualmente, a cidade conta com 1.479 ao todo, sendo 1.087 de enfermaria e 392 de UTI. Apesar dos esforços, que passam também pela distribuição de cestas básicas e outras medidas no âmbito da assistência social, a ocupação dos leitos de UTI chega a 85%, enquanto os de enfermaria atinge 74%.
:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::
O nível de alerta ainda é vermelho, mesmo o índice de transmissão (o chamado Rt) ter chegado a um na última semana, o que significa que o número de infectados transmite a doença para igual número de pessoas. Como a quantidade de casos positivos é alto, a tendência é manter as taxas altas de ocupação dos leitos.
“O que os dados dos últimos sete dias revelam é que houve uma estabilização, contudo, gerando novos casos no nível mais alto de contaminação desde o início da pandemia. Dessa forma, o mais seguro é continuarmos na fase de controle para avaliação ao longo da próxima semana. Nesse período verificaremos se a estabilização do Rt irá refletir em redução na taxa de ocupação dos leitos hospitalares”, disse o secretário Municipal de Saúde Jackson Machado, na última sexta.
Romeu Zema e o coronavírus
Relembre as principais ações do executivo estadual, desde o início da pandemia:
Março
► Secretaria de Estado de Saúde (SES) de Minas Gerais decreta Situação de Emergência em Saúde Pública. No dia 13, em todo o estado eram 378 notificações e 2 casos confirmados.
► Início do isolamento social e fechamento dos comércios, com abertura somente de serviços essenciais ligados a alimentação e saúde.
► Seguindo a cartilha de Jair Bolsonaro, Romeu Zema não assinou a carta formulada pelo Fórum de Governadores, que reiterava a necessidade de isolamento social, posição contrária à do presidente.
Abril
► Até o dia 8 de abril, 612 das 747 cidades com notificações de covid-19 no estado não tinham tido nenhum caso testado.
► Romeu Zema volta a defender a adesão ao Regime de Recuperação Fiscal do governo federal, que prevê privatização das empresas estatais.
► Após se reunir com Bolsonaro, Zema critica prefeitos que optaram pelo fechamento do comércio e passa a defender a abertura. O “vírus precisa viajar um pouco”, disse o governador.
► Entra em vigor o Plano Minas Consciente, com protocolo para abertura do comércio. No dia 30, o número de casos positivos já chegava a 1.827, com 82 mortes confirmadas.
Maio
► O número de notificações chega a 100 mil, somente com 10% dos casos testados. No país, é um dos estados com piores índices de testagem.
► Minas tem a pior taxa de isolamento no Brasil, com apenas 39,2% de adesão, segundo levantamento da In Loco.
► Segundo informações do projeto Coronavírus-MG, governo oculta dados que indicavam uma sobrecarga de 100% a 136% nos leitos UTI em seis das 14 macrorregiões de saúde.
Junho
► Mortes por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) aumentam 884% em relação ao mesmo período do ano passado. Uma minoria é testada.
► Minas Consciente chega a dois meses com a adesão de 165 municípios mineiros. Apesar de governo realizar balanço positivo, Zema se arrepende e orienta prefeitos da macrorregião central a voltarem atrás e abrir somente os serviços essenciais.
► Projetos de Lei da reforma da Previdência, de autoria do executivo estadual, são enviados à Assembleia Legislativa. Sindicatos, movimentos populares e parlamentares afirmam que medida prejudica servidores e desmantela Ipsemg.
► Doença atinge interior do estado, pressionando o sistema de saúde em várias regiões. No dia 30, já eram 45.001 casos confirmados e 965 óbitos confirmados.
Julho
► O número de casos confirmados atinge quase 100 mil pessoas, com mais de 2000 mortes. A expectativa é que haja nas próximas semanas a estabilização dos números casos e óbitos no estado.
► O governador se reúne com empresários para ouvir as demandas, com o objetivo de atualizar os protocolos do Minas Consciente.
► ALMG aprova o pedido de Zema e estende o estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020.
Edição: Elis Almeida