Há 18 meses, no dia 25 de janeiro de 2019, às 12 horas e 28 minutos, a lama de rejeitos da Vale alterou os rumos da história de Brumadinho. A cidade, que era conhecida por suas belezas naturais e pelo sorriso contagiante de seus habitantes, recebia turistas do mundo todo, tinha economia diversificada e a riqueza de seu patrimônio cultural era referência e orgulho nacional.
Mas a lama rompeu a barragem e, ferozmente, arrastou casas, pousadas e pontes; contaminou a água, solo e animais; destruiu sonhos, famílias e amores. A Vale interrompeu o rumo daquelas histórias, fechou sorrisos e ceifou vidas.
Com o rompimento da Barragem B-I da Mina de Córrego do Feijão, da mineradora Vale S.A (“Vale”), foram despejados 12,7 milhões de metros cúbicos de rejeito de minério de ferro. Essa lama de rejeitos avançou centenas de quilômetros sobre casas, currais, vegetação, fauna e rios, atravessou mais de 20 municípios e causou 259 mortes.
Parece paradoxal que uma das maiores destruições sociotecnológicos da história do Brasil tenha como responsável uma das mais ricas empresas de mineração do mundo, mas não o é!
A ode ao lucro desenfreado da empresa provocou o desastre e provoca, diariamente, a revolta da população com medidas não satisfatórias de mitigação de seus danos, por exemplo, a não devolução às famílias de suas onze “joias”. Onze joias são onze pessoas que, 18 meses após o desastre, seguem não encontradas em meio à lama de rejeitos. São onze famílias que, há 18 meses, reivindicam da poderosa empresa Vale o encontro de suas joias e a garantia da realização de seus rituais fúnebres.
Definitivamente, os rumos das histórias de Brumadinho foram alterados e, junto à lama, veio a luta. A cidade dos sorrisos contagiantes passou a ser conhecida como a cidade que luta.
Luta pelo reencontro das onze joias, por reparação integral, por justiça pelas vidas que se foram, luta pelas casas destruídas, pela água contaminada e pelos afetos interrompidos; luta pela memória dos sorrisos que se fecharam, pela saúde em meio à poeira da lama de rejeitos que, ainda hoje, domina diversos pontos da cidade, pela saúde mental pós-traumática e pelas crianças que crescem sem pais e mães; luta ainda, para que a vida das pessoas esteja acima do lucro da empresa.
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Em fevereiro de 2019, a cidade que luta e todas as pessoas atingidas pela Vale conquistaram um importante direito, o direito à Assessoria Técnica Independente, que é um instrumento para participação informada das/os atingidas/os no processo judicial que prevê a reparação integral dos danos causados pelo rompimento da barragem.
A assessoria escolhida pela população de Brumadinho foi a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), que entra em campo com profissionais da saúde física e mental, bem como engenheiras/os, agrônomas/os, advogadas/os e assistentes sociais para apoiar, informar e subsidiar com pesquisas e dados as reivindicações por direitos das famílias atingidas pelo desastre.
A assessoria, a partir da compreensão de que o processo de reparação deve trazer para a centralidade os interesses e as percepções das pessoas atingidas, tem o objetivo de fortalecer suas posições, elaborando pesquisas e pareceres técnicos, informando sobre o andamento do processo judicial e contribuindo para que os processos de tomada de decisão da população atingida sejam conscientes e informados.
Brumadinho, a cidade que há 18 meses luta por reparação justa e integral, neste dia 25, mais uma vez, ouvirá emudecida as 259 badaladas do sino que marcaram as pessoas que perderam suas vidas no desastre, lembrará das suas onze joias não encontradas, observará as águas poluídas, respirará a poeira de rejeitos e reivindicará, de punhos erguidos, que o lucro não vale a vida.
Ísis Menezes Táboas, doutora em Direito pela Universidade de Brasília e Coordenadora Geral do Projeto – Brumadinho/R1, Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS).
Edição: Elis Almeida