Minas Gerais

SÉRIE DE ENTREVISTAS

“Temos que ousar, passou da hora de rompermos com a conciliação de classes”

Pré-canditado do PSTU à PBH, Wanderson Rocha defende criação de conselhos populares para decidir prioridades municipais

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |

Ouça o áudio:

“Bolsonaro garantiu um trilhão para bancos e aplicou medidas de apoio aos empresários e pouco se preocupou com os pobres” - Pollyanna Maliniak /ALMG

Wanderson Rocha, do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), é o último pré-candidato à prefeitura de Belo Horizonte ouvido pelo Brasil de Fato. Ele é professor, pedagogo e mestre em sociologia. Foi candidato a deputado estadual e a vereador em Belo Horizonte.

Na entrevista, afirma que é preciso “romper com a barbárie do capitalismo” e que Kalil (PSD) tem gestão centralizadora.

Confira:

Brasil de Fato - Você se lança em uma pré-candidatura à prefeitura em tempos obscuros. Com um governo federal e um governo estadual de linha neoliberal e fundamentalista, como a prefeitura pode ter autonomia para barrar retrocessos?

Wanderson Rocha - O capitalismo, durante essa pandemia e recessão mundial, está ampliando fortemente os elementos de barbárie no mundo. Nem a pandemia, nem a crise econômica são produtos do acaso. É o capitalismo que mata, por meio da covid, principalmente os moradores das periferias, vilas e favelas - uma maioria de negros. É o capitalismo que traz desemprego e fome através das suas crises e é um sistema que não mede esforços pra socorrer os bancos e os grandes empresários.

No Brasil não é diferente. Bolsonaro [sem partido] garantiu um trilhão de reais para os bancos e aplicou medidas de apoio aos empresários e pouco se preocupou com a população mais pobre. O auxílio emergencial demorou a chegar a quem mais precisa, [Bolsonaro] impôs medidas que retiraram direitos dos trabalhadores da iniciativa privada e os servidores públicos tiveram congelamento salarial em suas carreiras. O Bolsonaro optou em aplicar uma política genocida, subestimando a pandemia, além de incentivar a quebra do isolamento social.

Ao lado, temos o governador Zema [Novo], aliado de primeira hora do Bolsonaro. Ele também chegou a defender a quebra do isolamento social e, como consequência, Minas Gerais virou o epicentro da pandemia. Agora o Zema finge combater a pandemia com suas propagandas, e ao mesmo tempo tenta aplicar o ajuste fiscal contra os trabalhadores de serviços públicos ao tentar confiscar os seus direitos previdenciários.

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Em relação ao processo eleitoral, penso que há um esgotamento das eleições no marco do capitalismo. As classes oprimidas já começam a questionar o processo eleitoral, em que sempre escolhem uma representação que ao final acaba reprimindo o povo pobre, seja pelo parlamento ou pelo Executivo. Cresceu o número de eleitores que deixam de votar, que anulam e votam em branco. Nas últimas eleições para prefeito em BH, mais de 740 mil eleitores nem escolheram candidato, nem no primeiro turno e nem no segundo.

O discurso de governar pra todos é uma falácia. Todos os governos, no marco do capitalismo, sem exceção alguma, foram governos a serviço do capital: aplicaram políticas de juros, subsídios aos grandes empresários, e as concessões para a classe trabalhadora foram só pra manter esse sistema de exploração.

Nessa crise sanitária o setor produtivo continuou funcionando, logo, a classe trabalhadora continuou a rotina diária, ônibus lotado, risco de contaminação... No capitalismo não tem saída, é a barbárie contra a classe trabalhadora e o povo pobre.

É por isso que nessas eleições, a nossa candidatura pelo PSTU tem como princípio defender a necessidade de superar o sistema capitalista e construirmos um Brasil e um mundo socialista, pois não é possível fazermos essa mudança por meio de acordos com a burguesia. Não é possível reformar o sistema capitalista de maneira a atender os interesses da classe trabalhadora. Por isso, a libertação da classe trabalhadora de toda forma de exploração e opressão é essencial.

Já a atuação na prefeitura seguirá três orientações: a defesa do socialismo - a prefeitura será o marco da resistência e do enfrentamento e oposição ao governo Bolsonaro e à sua política genocida, ultraliberal e de ataque às liberdades democráticas; a prefeitura se apoiará na luta dos trabalhadores - será uma trincheira de incentivo de organização da classe trabalhadora, seja da iniciativa privada ou do setor público.

Não será uma prefeitura para governar para todos, já que não se pode governar junto com os interesses dos bancos, das grandes empresas; a prefeitura vai estimular a criação de conselhos populares nos bairros - para isso será organizado um congresso para implementação do conselho, que será um espaço de independência de classe, da Câmara Municipal e das diversas instituições da cidade, onde se reunirão as diversas organizações, lideranças comunitárias, sindicais e do movimento estudantil, que teriam uma função política pra definir as principais ações a serem desempenhadas pela Prefeitura de BH.

A pandemia veio agora e está aprofundando crises e desigualdades que já existiam, e é provável que os cofres públicos estejam quebrados por algum tempo. Quais ações você pensa para contornar esse cenário que se apresenta?

Como eu disse, o capitalismo está levando o mundo de volta à barbárie. É desemprego massivo, salários miseráveis sem nenhum vínculo trabalhista. Estamos em uma situação que não dá pra dizer que logo a pandemia vai acabar e a economia vai se recuperar rapidamente. Devemos entender que não falta dinheiro. Para ter dinheiro para quem mais precisa, temos que acabar com privilégios dos ricos. Não teremos solução se continuarmos utilizando essa lógica atual.

As grandes empresas recebem incentivos fiscais e mesmo assim estão demitindo. A Mannesmann, por exemplo, tende a demitir 30% dos trabalhadores em agosto. É preciso impedir que os recursos públicos continuem sendo utilizados pra socorrer os bancos, porque não dá mais pra repassar a conta da crise para os trabalhadores.

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É preciso garantir também emprego e renda. A gente precisa ter uma ousadia e parar de pagar a dívida inteira e externa do país, a ousadia para taxar grandes fortunas, garantir créditos e estrutura financeira paras pequenas empresas e ajudar financeiramente os autônomos e desempregados. Aí a gente propõe uma renda de pelo menos um salário mínimo e meio.

Para se ter uma ideia, em 2019 a Prefeitura de Belo Horizonte encerrou o ano com uma arrecadação de mais de R$ 11 bilhões, com um superávit de R$ 109 milhões. Enquanto isso, [a PBH] ampliou a entrega dos recursos públicos para as empresas terceirizadas. As experiências de terceirização na Prefeitura já vêm de governos anteriores: já tivemos a terceirização da coleta de lixo, da educação, saúde - que beneficiou o Odebrecht -, e agora no governo Kalil temos a MGS, que recebe dinheiro público e paga péssimos salários aos trabalhadores e não garante condições dignas de trabalho.

O governo Zema já sinalizou várias privatizações e uma delas é a da Copasa. Um dos maiores lucros da companhia advém de BH e o atual prefeito já afirmou que irá retirar a capital da Copasa se ela for privatizada. Como você vê a privatização e o que você faria nesse caso?

Somos contra a privatização. É uma forma de liquidar o patrimônio público.

Na prefeitura, a gente pode fazer de tudo para envolver a cidade e até a Região Metropolitana na defesa da Copasa, ampliando toda a discussão. Tem uma pesquisa em que mais de 80% dos mineiros que foram entrevistados se posicionaram contra as privatizações. Sabemos que as privatizações da Cemig e da Copasa vão ter como consequências contas mais caras e queda na qualidade do serviço.

A prefeitura, se for o caso, pode criar uma empresa pública para fazer o saneamento da água, que pode até ser em consórcio com a Região Metropolitana, mas a gente também precisa fazer o debate de que a Copasa tem que atuar mais como uma empresa estatal de caráter social. O valor da conta de água é um absurdo mesmo em comunidades mais pobres.

Existe a possibilidade de se construir uma frente de esquerda para disputar essa eleição?

Nós defendemos que hoje é preciso uma grande unidade para lutar contra os ataques que a classe trabalhadora vem sofrendo, como reforma da Previdência, trabalhista, e o sucateamento dos serviços públicos.

Porém, quando se fala em frente, também é preciso ter um programa, e ele não pode ser da defesa de uma política e ação que estejam a serviço do capitalismo. Não se pode mais ter a ilusão de que dá para resolver os problemas do povo trabalhador dentro de um projeto de conciliação de classes. É preciso romper com isso.

A frente que está se constituindo em BH aparenta uma roupagem nova, mas o programa está no marco da conciliação de classes. Mesmo assim, tende a não se concretizar, porque a gente tem percebido a preocupação com o cálculo eleitoral para garantir vereadores na Câmara Municipal. Alguns tendem até a apoiar a reeleição do Kalil, já que estavam dentro do próprio governo dele.

:: Leia também a entrevista com Nilmário Miranda (PT): “Seria bom uma frente eleitoral de esquerda agora, mas se não tiver, respeitamos” ::

Existe uma compreensão diferente do que seria uma frente, e todas tendem a resultar numa conciliação de classes, seja frente ampla de esquerda ou frente ampla com partidos que não são de esquerda.

Não dá pra romantizar o sistema capitalista porque ele é cruel com os trabalhadores. E esses partidos, aonde governaram e aonde atuaram no parlamento, contribuíram sobremaneira com a lógica do sistema capitalista.

Recentemente, partidos que vêm fazendo esse chamado apoiaram a legislação da [PEC] chamada Orçamento de Guerra, que deu mais dinheiro aos banqueiros; votaram a favor da privatização da água; entregaram a base espacial de Alcântara para os Estados Unidos e, com isso, abriu-se a possibilidade de expulsão das comunidades quilombolas de lá; votaram a favor do Pacote Anticrime do Bolsonaro, legitimando o genocídio da juventude negra; criaram em seus governos a lei antiterror, que criminaliza pesadamente os movimentos sociais; entregaram a renda do petróleo para as grandes multinacionais, como aconteceu com o Leilão de Libra.

Nessa pandemia, tivemos até o absurdo de governadores que são desse campo considerando trabalho doméstico como serviço essencial. Por isso não podemos abrir mão de um programa socialista.

Qual o impacto da pandemia na campanha eleitoral? Como pretende ou está contornando as consequências de não poder realizar atividades presenciais?

Nós do PSTU somos parte da luta dos trabalhadores, dos movimentos de moradia, ocupações urbanas, da luta dos servidores públicos, da luta contra o racismo, contra a LGBTfobia, o machismo, contra os ataques do governo Bolsonaro, Zema e Kalil.

Infelizmente, a quarentena não é para todos. O setor produtivo seguiu funcionando aqui na cidade e é lógico que faremos, para além desse histórico que temos, reuniões virtuais com a participação de vários segmentos da sociedade.

Ao seu ver, quais são as maiores urgências de Belo Horizonte e quais são as suas principais propostas para saná-las?

Vamos precisar de um plano de obras públicas e, para darmos conta disso, é preciso nos apoiar nos movimentos sociais da cidade e incentivar a formação de conselhos populares fortes por bairros, locais e por ramos de atividades. É uma forma de dar poder ao povo pobre e trabalhador.

Inicialmente, vamos discutir moradia, transporte, emprego e renda, saúde e trabalhar no sentido da universalização da educação infantil e enfrentar a terceirização dos serviços dentro da prefeitura.

Há uma necessidade de resgatar as áreas e imóveis abandonados na cidade, que não cumprem uma função social para a moradia popular. Então, ter regularização e urbanização das ocupações urbanas, e para isso a gente tem ciência que terá que enfrentar a especulação imobiliária.

:: Leia também a entrevista com Wadson Ribeiro (PCdoB): “Kalil tem gestão limitada e Zema adota caminho errado”, analisa Wadson Ribeiro ::

Em relação ao transporte, é um escândalo o que acontece em BH. Temos um problema enorme com as empresas de ônibus. Não prestam um bom serviço e os consórcios ganham muito. Durante a pandemia já foram socorridos pelo governo Kalil e tiveram um adiantamento de mais de R$ 44 milhões, enquanto os trabalhadores convivem com ônibus lotados e risco alto de contaminação pelo vírus e os motoristas exercendo dupla função.

Esse será um tema que vai ser discutido nos conselhos populares, onde os contratos vão ser auditados para fazermos o cancelamento e a estatização. Não pode se pensar em lucratividade quando se pensa em implementação de políticas públicas.

Faça uma breve avaliação do governo Kalil.

O Kalil se enfrentou com a política genocida de Bolsonaro ao se apoiar numa equipe de especialistas, porém o setor produtivo da cidade funcionou. Empresas como Vallourec continuam funcionando. Já temos uma pandemia dentro da Mannesmann, com mais de 200 casos [de covid-19].

O Kalil faz uma gestão centralizadora, age como se fosse dono da cidade. É um governo marcado pela truculência e violência contra os trabalhadores. Manteve a estrutura da velha política, com o controle da Câmara Municipal por meio do toma-lá-dá-cá, segue governando para os ricos e com políticas limitadas para quem mais precisa.

O povo pobre teve cesta básica, mas não tem dinheiro para o gás, para cozinhar, não tem ajuda para o aluguel, para pagar as contas de água, de luz. É preciso que a prefeitura vá além. É preciso complementar o valor do auxílio emergencial, que já tem até o prazo para acabar.

No início da gestão, Kalil utilizou da repressão para tirar violentamente os camelôs do centro e não apresentou uma política viável pra subsistência desses trabalhadores.

Manteve um discurso de enfrentamento das empresas de ônibus, mas cedeu às pressões. As empresas devem milhares de reais de multa e nada é feito.

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Não teve uma política de moradia. Atualmente, fica em silêncio diante da ameaça de despejo de ocupações urbanas, como a Professor Fábio Alves, em que 700 famílias podem ficar sem casa na pandemia. Tem também as ocupações Carolina de Jesus, Vicentão e Casa Invisível, todas ameaçadas de despejo. A prefeitura precisa atuar urgentemente e chamar o governo Zema pra instalar uma mediação e resolver essa situação gravíssima.

Nas enchentes de 2020, as periferias não tiveram prioridade alguma. Temos desabrigados até hoje e ano passado tivemos mortes por conta das chuvas. Ele cedeu à base cristã ao manter uma ingerência em cima do Conselho Municipal de Educação sobre uma regulamentação do ensino fundamental. Com os servidores, impôs projetos que retiraram direitos. Na educação também fechou o atendimento dos berçários e das turmas de tempo integral, impactando a vida das mulheres, principalmente as que precisavam se organizar para trabalhar.

Tivemos uma greve da educação infantil e ele compactuou com a violência praticada pela Polícia Militar, que jogou bombas nas professoras.

Agora ele tenta confiscar o salário dos servidores com o aumento da alíquota previdenciária e cortou o vale alimentação dos trabalhadores e também dos terceirizados. Recentemente, de forma unilateral, cancelou o contrato de professores, em plena pandemia, causando um impacto drástico nas suas rendas.

Para concluir, defendemos uma quarentena geral, e uma renda e estabilidade no emprego pra que isso possa acontecer, de fato. A nossa cidade precisa de uma experiência em que os de baixo governem e as decisões sejam tomadas em redes de conselhos populares.

Precisamos construir um outro tipo de governo, dos trabalhadores, junto de outros setores oprimidos. Temos que ousar, passou da hora de rompermos com a conciliação de classes.

Edição: Elis Almeida e Antônia Sampaio