Minas Gerais

ENTREVISTA

“Em Betim, partidos estão debaixo do guarda-chuva do prefeito”, afirma Maria do Carmo

Pré-candidata do PT à prefeitura da cidade comenta sobre imprensa, violência, propostas de governo e mais

Betim | Brasil de Fato MG |
Maria do Carmo Lara
"A lembrança que existe é a de que eu fiz, de que eu cuidei da cidade." - Reprodução

Passada a série de entrevistas com os principais pré-candidatos de esquerda à prefeitura de Belo Horizonte, ouvimos nesta entrevista a pré-candidata de esquerda à prefeitura de Betim, na Região Metropolitana da Capital, Maria do Carmo Lara.

Maria é psicóloga e professora aposentada da rede estadual de ensino. Foi uma das fundadoras do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-UTE) na cidade.

Foi prefeita de Betim por dois mandatos, um de 1993 a 1996 e outro de 2009 a 2012. Foi três vezes eleita deputada federal, tendo renunciado ao último mandato para assumir como chefe do Executivo de Betim.

Brasil de Fato - Você foi prefeita de Betim por duas vezes. Como essa experiência te ajudaria numa eventual candidatura? Como atrapalharia? Você acredita que deveria ter feito algo e não fez?

Maria do Carmo Lara - Me ajuda porque eu conheço bem Betim. Moro aqui desde os 11 anos, conheço cada local da cidade. Foi no meu primeiro mandato que Betim criou toda a infraestrutura urbana: água, luz, esgoto, asfalto. Ampliamos linhas de ônibus, criamos a rede SUS [Sistema Único de Saúde], a rede de educação, começamos a rede de creche... Então, é uma experiência que está gravada na memória das pessoas. A lembrança que existe é a de que eu fiz, de que eu cuidei da cidade. Além disso, a gente fez um governo com muita participação popular. A população era recebida, ouvida, tinha fórum, plenárias, conselhos.

O que pode atrapalhar é que toda pessoa que já é pública há mais tempo tem rejeição. Isso é natural, então, eu também tenho. Mas nada que não dá para dialogar com a população e explicar.

No meu último mandato, do primeiro ao último dia O Tempo e Super fizeram uma oposição sem respeito, com ódio

O que eu gostaria de ter feito e não fiz... Olha, foram dois mandatos que não foram em seguida. Fiz tudo o que foi possível dentro do orçamento, da receita que a gente tinha. No segundo mandato eu investi mais na escola de tempo integral, tive que melhorar o SUS - porque a cidade tinha crescido e o sistema não melhorava desde a nossa época.

Eu implementei a escola em tempo integral em 37 escolas, e nós temos 70. Isso foi em três anos e meio, mas é claro que eu gostaria que todas as escolas tivessem o tempo integral. Eu gostaria de ter construído o hospital do Teresópolis. A gente tinha o terreno, conseguiu a verba do governo federal, de R$ 79 milhões, fizemos o projeto, e não deu tempo de fazer a licitação porque encerrou o governo. Gostaria muito de ter feito.

Em uma eventual candidatura, você enfrentaria o atual prefeito da cidade, Vittorio Medioli (PSD), dono da Sempre Editora, que comanda os jornais O Tempo e Super Notícia. Como você avalia a cobertura da mídia empresarial da cidade em relação às pré-candidaturas? Acha que será um problema na campanha? E se viesse a ser eleita, como vislumbra essa relação com a mídia?

Não é um problema de agora, é um problema de Betim. O gestor que está à frente do jornal O Tempo e Super, os utiliza para enfraquecer e atrapalhar a vida de quem está gestando a cidade. No meu último mandato, do primeiro ao último dia o jornal fez uma oposição sem respeito, com ódio, inventou muitas coisas. É um pouco o que foi a mídia empresarial com Lula e com a Dilma.

Hoje, eu vejo que com a Lava Jato - que foi criada só para estabelecer esse cenário de anti Lula, antipartido, anti Dilma - e com as revelações do The Intercept, as pessoas também começam a perceber como são esses jornais aqui em Betim.

E é muito interessante que, durante o tempo que eu estava no governo, o jornal saía falando mal. Não falou um evento positivo. Nenhum. É um jornal parcial e é uma oposição da raiva, o que a gente viu a nível nacional. Esses dias o jornal voltou a circular já batendo nas pré-candidaturas. Já pegou um pré-candidato, parece que eu também já entrei. O que eu vejo é que todos os pré-candidatos em Betim, qualquer um que se colocar nesse processo democrático de direito que é uma eleição, que deixa o eleitor escolher, vai enfrentar esse jornal e esse empresário.

O governo do Vittorio Medioli (PSD) pensa no lucro dele como empresário. Não é um governo que pensa nos mais pobres, nos trabalhadores, nos desempregados

Eu espero que o tipo de campanha tenha mudado, que não seja mais do ódio como em 2012. Isso aqui em Betim é muito acirrado por causa do estilo do prefeito de fazer política. Espero que ele tenha sensibilidade, se é que tem, para poder fazer uma política de defesa de projeto. Porque o projeto que ele defende é totalmente diferente do que eu defendo.

Hoje a gente tem uma pequena vantagem, que é a rede social. Já facilita, porque quando só tem um lado dificulta mais ainda.

Como avalia a atuação do atual prefeito, Vitorio Mediolli, em relação ao combate ao coronavírus?  E de modo geral, que balanço faz de seu mandato?

Eu acho até que ele começou bem, quando foi firme em fechar para não deixar [o vírus] avançar. Mas ele flexibilizou num momento delicado, antes do meio da pandemia. As entidades, movimentos e partidos soltaram uma nota para não flexibilizar naquela época e hoje o índice de Betim é alto.

De um modo geral, a primeira coisa é que ele não mora em Betim. Bateu em todo mundo falando que as pessoas não eram daqui e ele é o primeiro a não morar aqui, mas em Belo Horizonte. Segundo ponto é que ele não atende ninguém na cidade - vereador, líder comunitário, movimentos. É um governo para ele mesmo, não é democrático, popular, participativo. Além disso, não investiu na vida, no ser humano.

Fez obras? Sim, fez, algumas. Várias foram de recursos que foram deixados pelo governo Dilma, que ele recuperou, como das creches e unidades de saúde. Porém, fez unidade de saúde, mas não tem médico, não tem remédio, equipamentos de proteção individual (EPI´s), testes. Na última semana várias unidades de saúde já fizeram manifestação, inclusive.

É um governo que pensa no lucro dele como empresário. Não é um governo que pensa nos mais pobres, nos trabalhadores, nos desempregados.

O que acredita que deve ser feito para auxiliar as trabalhadoras e trabalhadores de Betim após a pandemia?

Nós estamos vivendo uma crise sanitária, econômica, social e política. Quem for governar no ano que vem ainda vai pegar uma pandemia, se não existir a vacina. É muito grande o que nós estamos vivendo a nível de Brasil e isso afeta os municípios. Eu fui prefeita de 1993 a 1996, e não tive apoio algum do governo federal. O que nós fizemos foi com o orçamento que a gente tinha. Já quando fui prefeita de 2009 a 2012, tive Lula e Dilma. Aí tivemos PAC, Minha Casa Minha Vida, creches, Institutos Federais, que não foram só para Betim, mas para outros municípios.

No momento, colhemos propostas para o nosso plano de governo em plenárias online, escutando cada regional da cidade e vamos escutar os setores (saúde, educação, meio ambiente, etc.).

Participe e pense na sua vida como era antes, como está agora, só assim vamos reestabelecer a democracia e a cidadania

Hoje nós estudamos vários projetos e vemos duas coisas essenciais: cuidar das pessoas que estão passando fome - porque ela voltou - e o desemprego. Ou seja, precisamos pensar primeiro em matar a fome e paralelamente pensar em geração de renda. Seja com cooperativa, formação ou renda básica.

Eu fiz uma live com o ex-prefeito de Maricá, no Rio de Janeiro, [Washington] Quaquá. Escutei dele a experiência da renda básica. Lá existe uma moeda que se chama cumbuca, e nós estamos nos debruçando nessa experiência para que possamos fazer aqui. É preciso fortalecer o comércio, apoiando os pequenos e médios comerciantes, investindo para que o dinheiro gire e seja gasto na cidade e que assim exista renda para a população que precisa.

Betim tem sido apontada pelo Atlas da Violência como uma das cidades mais violentas, dentre as cidades com mais de 100 mil habitantes. O que pode ser feito para reverter essa situação?

No segundo mandato, tivemos experiência da educação em tempo integral, que chamamos de Escola da Gente. Existiam 12 mil crianças e adolescentes que ficavam o dia todo na escola: uma parte em sala de aula e outra em clubes, fazendo esportes, judô, taekwondo, música. Naquela época a violência começou a diminuir. E o prefeito que veio depois de mim e o atual não continuaram a educação integral.

Precisamos continuar a educação integral, trabalhar o esporte com escolinhas nas regiões, trabalhar a cultura. A gente tinha um centro popular de cultura em cada região da cidade. Fecharam todos. É necessário fortificar a rede SUAS [Sistema Único de Assistência Social], que também não tem atendimento. Todas essas políticas públicas acabaram, estão inexistentes na cidade.

É muito importante a população não ficar desanimada. O que foi feito na época da Lava Jato é para as pessoas ficarem desesperançadas com a política

Nós vamos trabalhar a adolescência através da cultura, do esporte, do lazer e da geração de renda, com escola profissionalizante para o jovem aprender uma profissão. Já tivemos essa experiência em Betim, nos meus mandatos e em outro mandato que o PT teve aqui. Com essas ações a gente diminui a violência.

Inclusive, a gente tinha o CONSEP, Conselho de Segurança Pública, que reunia todo o secretariado, mais a polícia civil e militar e guarda municipal em uma reunião mensal comigo. A gente discutia as ações, os lugares com mais violência e o que a gente deveria fazer. A polícia, na época, reconheceu que o programa de educação integral ajudava muito.

Para além da violência, quais são as maiores urgências de Betim e como saná-las?

Tristemente, Betim tem uma outra violência, que é o feminicídio. Somos uma das cidades de Minas mais violentas para as mulheres.

Com a escola em tempo integral, já ajudamos as mulheres porque as crianças ficam todo o dia na escola e elas podem trabalhar. Mas, paralelo a isso, precisamos fazer ações de geração de renda especialmente para as mulheres, assim como pensamos na formação de grupos de mulheres divididos por região, para discutir os seus direitos.

A outra questão urgente é retomar nossa rede de saúde. A rede física existe, mas necessitamos resgatar os trabalhos - é preciso ter médicos, remédios, exames, cirurgias. Precisamos resgatar a agilidade.

Isso são as urgências para além da geração de renda que, como falei, é fundamental após a pandemia.

Há uma possibilidade de se constituir uma frente eleitoral de esquerda para disputar as eleições na cidade?

A gente até tentou, mas os partidos aqui estão muito debaixo do guarda-chuva do prefeito. O PCdoB, por exemplo, está com ele desde a outra vez [eleição passada]. Tem secretários no governo e vai apoiar o prefeito de novo nesta eleição.

O PCdoB, em Betim, perdeu toda a sua linha histórica e de luta, que tem o PCdoB nacional. Também conversamos com o Psol e eles resolveram lançar uma companheira candidata. Com isso, não temos outros partidos de esquerda. Os que poderiam ser de esquerda, em Betim, não têm esse viés.

Qual o impacto terá nessas eleições, e em particular em Betim, o “antipetismo” que nos últimos anos foi plantado no Brasil?

Isso foi para justificar o golpe, para que eles pudessem tomar o poder. Foi feita toda uma construção pela mídia e por uma parte das instituições jurídicas. Em Betim a gente vivenciou, proporcionalmente, a mesma questão nas eleições de 2012. E criou-se esse ódio, essa raiva, como se todo o problema fosse o PT.

Hoje a população já faz comparação. Que tinha remédio na minha época de prefeita, que tinha exame, etc.

Aqui em Betim, o PT sempre foi oposição, não se curvou a esse governo nem ao gestor. E a população está sentindo agora que a vida piorou. Tem gente passando fome, coisa que na época do Lula e da Dilma não acontecia. Aí a gente consegue dialogar.

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É lógico que existem aqueles que são ideológicos, e esses não querem conversar. Mas a população que precisa da saúde, da educação, que precisa cuidar da sua vida, da renda, essa população sabe o que foi o mandato do PT na cidade. E sabe quem é Maria do Carmo, que governou a cidade duas vezes. Sabem que moro no mesmo endereço, que não mudei daqui nem como deputada e nem como prefeita e que mesmo sem mandato continuo participando das atividades da cidade. O povo percebe a diferença.

É muito importante a população não ficar desanimada. O que foi feito na época da Lava Jato é para as pessoas ficarem desesperançadas com a política. E quando ficamos desesperançados, nós que somos trabalhadores e trabalhadoras, damos mais chance para os empresários poderosos assumirem os espaços. E quando eles estão lá, não cuidam da vida de quem precisa.

É isso que eles querem e que a mídia empresarial quer. Eles não querem que a população vote, que a população participe, que a população tenha consciência.

Então, eu peço aqui. Participe, veja, olhe, acompanhe as pré-candidaturas. Pense na sua vida, como era com um projeto, como está agora, como era com outro projeto. Só assim é possível reestabelecer a democracia.

Edição: Elis Almeida