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“Prefeituras vão lidar com crise social muito maior em 2021”, analisa Marília Campos

Prefeita por duas vezes (2005 a 2012), a parlamentar avalia atual gestão e fala da sua pré-candidatura à prefeitura

Contagem | Brasil de Fato MG |
marilia campos do pt
Fui a primeira mulher a governar Contagem. Fui reeleita em função de um reconhecimento do que [a gestão] significou para a cidade - Reprodução

Esta semana, o Brasil de Fato ouviu Marília Campos, a pré-candidata pelo Partido dos Trabalhadores (PT) à prefeitura de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Marília é formada em psicologia, já foi presidenta do Sindicato dos Bancários, vereadora, duas vezes prefeita de Contagem e é, pela terceira vez, deputada estadual.

Na entrevista, ela analisa os seus mandatos anteriores e fala sobre questões importantes para a cidade, como a preservação ambiental, por meio do salvamento da Lagoa Vargem das Flores, e a histórica falta de investimento em políticas destinadas à Cultura.

Brasil de Fato - Você já foi prefeita de Contagem por dois mandatos consecutivos (2005-2012). Como essa experiência te ajudaria numa eventual candidatura, como atrapalharia? Você acredita que deveria ter feito algo e não fez?

Marília Campos - Fui a primeira mulher a governar Contagem. Fui reeleita em função de um reconhecimento do que [a gestão] significou para a cidade.

Nós melhoramos muito a vida do povo, com investimentos em obras de infraestrutura, pavimentação, saneamento; investimentos em habitação popular; saúde, na atenção básica, hospitalar, urgência e emergência; assistência social, implantando o SUAS [Sistema Único de Assistência Social]; e também arrumamos - do ponto de vista administrativo, orçamentário e financeiro - a prefeitura, que era uma prefeitura sem credibilidade, endividada e sem arrecadação. Com as políticas que adotamos, a reerguemos, a capacitamos para disputar projetos de investimentos e possibilidades de financiamentos. De fato, nós conseguimos vários financiamentos.

Marca do governo Alex de Freitas é a distância da população. Prometeu e não cumpriu. Governou a cidade do gabinete

Foi um mandato de muito êxito. E com uma visão de que era muito importante governar com a população. Apostamos na organização popular, desde associações de moradores a colegiados escolares. Criamos e fortalecemos conselhos, governamos com orçamento participativo. A cidade era chamada para definir prioridades para investimentos.

Ou seja, nós apostamos tanto no investimento para melhorar a qualidade de vida, como na democratização da cidade. Na minha opinião, fomos muito bem-sucedidos, e reflexo disso é que depois a cidade me elegeu a deputada mais votada da história de Contagem. Só em Contagem, na primeira eleição, tive 62 mil votos. Apenas a cidade me elegeria.

Faltou liderança política, faltou presença, na pandemia e durante os quatro anos

Poderíamos ter investido mais na Cultura. Na verdade, nós iniciamos o processo de investir na Cultura como política pública, democratizar o acesso, formar talentos, comercializar produtos que eram feitos pelos artistas da cidade em eventos, em todas as modalidades.

Poderíamos ter investido mais no esporte e também numa proposta de desenvolvimento local. Enquanto cidade, a gente usufruía muito do crescimento da economia que acontecia em todo o Brasil. Isso impactava o município na geração de empregos e arrecadação da prefeitura, mas não implementamos uma política de geração de renda. Iniciamos a economia solidária, mas não foi expressivo. Eu, particularmente, investiria mais nessas políticas.

Contagem tem uma cena cultural muito rica. No entanto, sofre com a falta de investimentos no setor e com centros culturais fechados. O Plano Municipal de Cultura estipula que ao menos 1% do orçamento seja destinado à área, o que não ocorreu nos últimos anos. Em 2017, por exemplo, houve apenas 0,13% de repasse. Qual o seu plano de ação para a Cultura? Se você for eleita, caso sua candidatura se oficialize, quanto do orçamento se compromete a aplicar?

Eu não quero me comprometer sobre quanto vai ser o orçamento porque eu não tenho domínio de como está a prefeitura, qual seria a prefeitura que poderíamos herdar, se tem recurso, se tem dívida. Mas estamos elaborando o programa de governo envolvendo os atores de cada política pública e já fiz uma reunião com o segmento cultural.

O meu compromisso é da gente ter, em primeiro lugar, uma estrutura própria para a área cultural. Então não vai ser algo disperso, vai ter estrutura para elaborar e implementar política pública, com capacidade orçamentária e de gestão.

Em segundo lugar, o acesso ao orçamento vai ser democratizado. A gente pretende democratizar por meio dos editais e discutir as regras com os setores culturais, assim como quais são as modalidades e programas que pretendemos aprofundar.

Estamos estimulando a auto-organização popular para que possamos colher frutos se ganharmos

Também é importante investirmos na formação para que as pessoas se capacitem para disputar esses editais. E pretendemos utilizar a Fundação de Ensino de Contagem [Funec], que é de ensino médio integrado, para que ela possa nos auxiliar.

Desejamos, obviamente, descentralizar a cultura. Porque cada território é uma realidade, tem uma vocação diferente em termos de expressão cultural. Nessa visão de governar junto com a população, queremos chamar os agentes culturais de cada território para definir quais serão as ações.

E nós pretendemos nos aproximar muito da juventude e queremos que ela se aproxime da gente na construção, ou reconstrução, da cidade. E a Cultura certamente é muito importante para isso.

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Você é uma grande defensora da preservação da Lagoa de Vargem das Flores. Como irá lidar, se eleita, com o Projeto de Lei 09/2019, de Parcelamento, Ocupação e Uso do Solo, de autoria de Alex de Freitas (sem partido), que foi aprovado sem discussão com a população e que abre precedentes para o desmatamento e a seca da lagoa?

Iremos fazer a revisão do Plano Diretor, chamar uma conferência municipal para discutir a política urbana.

Depois que o Plano Diretor e a Lei de Uso e Ocupação do Solo foram aprovados, muitos empreendimentos já foram aceitos. Vamos ter que realizar o levantamento disso tudo, porém, no que for possível, iremos preservar a Vargem das Flores.

Nós lutamos também para que, uma vez que a Vargem das Flores é de interesse da Região Metropolitana, que o Plano de Desenvolvimento Metropolitano - que já existe no estado e é coordenado pela Agência Metropolitana - coloque a Vargem das Flores como área de interesse metropolitano. Aí não vai ser apenas uma questão do município preservá-la, como da RMBH toda.

Outra questão importante é que temos muitos loteamentos clandestinos na região. É preciso intensificar a fiscalização dessa área para evitar ações que fazem verdadeiros estragos na preservação.

Como avalia a atuação do atual prefeito, Alex de Freitas (sem partido), em relação ao combate ao coronavírus?  E de modo geral, que balanço faz de seu mandato?

A marca desse governo é a distância da população. Também não tem cuidado com os detalhes, com as pequenas coisas que mais incomodam a população.

Um prefeito que não pode andar pelas ruas, não pode conversar com o povo, porque perdeu credibilidade em função de atitudes e posicionamentos que contrariam os seus compromissos de campanha.

Ele prometeu e não cumpriu. Governou a cidade do gabinete.

Poderíamos ter investido mais na cultura, esporte e desenvolvimento local

Na pandemia, Contagem teve um nível de letalidade muito grande e não sabemos as razões, se em função do atendimento hospitalar, da saúde. Não foi uma prefeitura presente. Nem com campanhas, fiscalização. Simplesmente seguia o que estava acontecendo em BH. Então, o que aconteceu aqui foi ‘por consequência’, não por direcionamento do governo municipal.

Eu diria que faltou liderança política. Faltou presença, na pandemia, e durante os quatro anos [de administração].

O que acredita que deve ser feito para auxiliar as trabalhadoras e trabalhadores de Contagem após a pandemia?

Deveria ter tido uma renda complementar e uma conscientização maior para a população.

Se eu ganhar as eleições, vamos ter que discutir de imediato como que vai ser a nossa postura em relação às escolas. Esse ano, por exemplo, eu defendo que não tem condição de voltar. Também temos que discutir nossa postura na saúde e na assistência social, no sentido de amparar.

Eu acho que no ano que vem vamos viver um momento de proliferação menor do vírus, mas com uma crise social maior. O auxílio emergencial vai no máximo até dezembro, e no ano que vem as pessoas vão estar sem emprego e sem auxílio. Ou seja, as prefeituras vão lidar com essa crise social de uma forma muito maior do que lidaram esse ano.

Agora, falando de um contexto mais amplo e não necessariamente pós pandemia. Ao seu ver, quais são as maiores urgências de Contagem e qual as suas propostas para saná-las?

Na área da saúde, temos um represamento muito grande das consultas especializadas e cirurgias eletivas. É muito importante ter um diagnóstico de quais são as especialidades que estão nessa situação para organizar o atendimento.

Na educação, a grande demanda para acesso é na educação infantil. Teremos que planejar a construção de mais escolas. Quando falo isso, é claro que estou dizendo que o município não pode agir sozinho, porque dependemos também de apoio do governo federal - lembrando que existe a Emenda Constitucional 95, que coloca teto para o gasto público. Mas, obtendo mais recursos, iremos investir na construção destes equipamentos para garantir mais vagas.

Na moradia temos uma grande demanda, não só das pessoas que estão em áreas de risco e sofrem com enchentes, como existe um déficit habitacional extenso. Para atender essa política, são necessários programas como os que funcionavam muito bem no passado, tipo o Minha Casa Minha Vida.

Iremos fazer a revisão do Plano Diretor, chamar uma conferência municipal para no que for possível, preservar a Vargem das Flores

Os recursos que a prefeitura tem hoje não são suficientes para fazer grandes investimentos de saneamento, habitação, grandes obras de pavimentação e infraestrutura. Isso tudo é financiamento federal. Então, no caso de um governo, iremos disputar esses financiamentos porque necessitamos sanar esses problemas.

É preciso melhorar muito a gestão, modernizá-la. Embora Contagem seja a terceira maior arrecadação do estado, é uma prefeitura que não está informatizada e não é modernizada no sentido de, por exemplo, agilizar a liberação de alvarás para instalação de empreendimentos.

São necessários, ainda, investimentos para que a cidade seja suficientemente atrativa para empresas. Para que elas queiram vir para cá e possam trazer mais empregos e mais renda para a população.

Há uma possibilidade de se constituir uma frente eleitoral de esquerda para disputar as eleições na cidade?

Aqui é muito difícil. Hoje, temos PT e PCdoB. Eu acho muito difícil a frente de esquerda atualmente porque os partidos, em função da ausência de coligação proporcional, estão mais preocupados em lançar candidaturas majoritárias. Em poucos lugares estão se organizando frentes e acredito que em função dessa realidade.

Aqui, se a gente puder falar em frente de centro-esquerda, poderíamos ter o PT, o PCdob, o PDT. Mas o PDT na cidade é completamente comprometido com o governo [Alex de Freitas]. Não dá. O PSB está com a gente, e o Psol não quis discutir. Está lançando candidatura própria.

Hoje, os interesses de construção partidária colocam a perspectiva de frente em terceiro plano, tanto que em BH e em outras cidades as frentes não estão se consolidando.

Qual impacto terá nessas eleições, e em particular em Contagem, o “antipetismo” que nos últimos anos foi plantado no Brasil?

Existe uma rejeição ao PT, só que ela já estabilizou. Meus adversários falam que o antipetismo não vai me eleger, mas eu tenho 23% de rejeição. Hoje, o legado que eu tenho é maior do que a rejeição ao PT. No meu caso, em Contagem, é dessa forma.

Mas nos outros casos, a nível nacional, acho que o antipetismo atingiu o teto. Tem uma rejeição, mas ela não cresce mais. Vai contar muito o perfil e o histórico de cada liderança. Se a liderança tiver credibilidade, essa questão do antipetismo fica secundária.

Eu sou uma pessoa que tem lado, compromisso com a democracia, direitos e com a soberania nacional

No mais, eu sou uma pessoa que tem lado, sempre mostro quais são os meus posicionamentos. São os posicionamentos do meu conteúdo, das minhas bandeiras, do compromisso com a democracia, com direitos da população, com a soberania nacional. Mas, a minha disputa em Contagem é muito focada no projeto de cidade que queremos construir.

Estamos em um processo de campanha e o que vai valer muito vai ser a capacidade de fazer campanha virtual. Nós já estamos fazendo reuniões por segmentos - cultura, esporte, educação, saúde, lazer - e estamos organizando muito a cidade. Acho que tudo isso será muito positivo no caso de um futuro governo.

A democracia, o diálogo, só são possíveis se existem cidadãos e cidadãs organizados na cidade. Então, estamos estimulando a auto-organização popular para que possamos, inclusive, colher frutos se ganharmos.

Essa eleição vai ser marcada por redes virtuais, mas com certeza eu não vou abrir mão do carro de som. Tão logo eu possa desfilar pelas ruas, meu megafone vai estar junto comigo.

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Edição: Elis Almeida