Não adianta ficar perguntando sobre o Queiroz, a afirmação inequívoca é que o presidente é corrupto
Há uma diferença entre a pergunta que não quer calar e as perguntas retóricas. As primeiras têm como objetivo trazer a verdade à luz, depois que um véu de sombras, censura e interesses interditam a liberdade de expressão. É a tarefa do jornalismo. Já as questões retóricas não exigem respostas, já que existem apenas para evidenciar uma realidade já sabida de todos. Neste caso, as perguntas existem para afirmar certezas, não para afastar as dúvidas.
É o caso da indagação sobre os depósitos de Queiroz na conta de Michele Bolsonaro: o dinheiro está lá porque faz parte do esquema das rachadinhas. Essa resposta todo mundo sabe. Ou seja, a afirmação inequívoca é de que o presidente é corrupto. Assim, a função da imprensa não deveria ser repetir o já sabido, mas escarafunchar os pântanos desse processo. O que os jornalões preferem não fazer até mesmo porque sabem onde isso vai dar.
Toda o carnaval feito pela imprensa familiar, por parlamentares ciosos de sua independência de fancaria e por alguns paladinos da liberdade é, na verdade, um álibi para a responsabilidade que carregam as costas. Foi a imprensa monopolista que ajudou a colocar Bolsonaro no poder.
São os políticos conservadores, entre eles Maia e Alcolumbre, que sustentam o projeto em curso de destituição de direitos e apoio aos interesses capital. Magistrados e outros potentados sustentam a máquina de destruição da democracia com seu comportamento tíbio, que enche a boca para falar em Estado de Direito enquanto viabiliza a afronta à Constituição e age de forma partidária.
Foram eles que ajudaram a remover os obstáculos que aparentemente dificultavam a ascensão do pior candidato possível à presidência, mesmo sabendo disso. Fiavam-se na tradição de cobrar a fatura depois, deixando alguns anéis reacionários no campo dos costumes e da pauta anticivilizatória enquanto manejavam os dedos ativos da economia.
Quando se depararam com a grosseria e a falta de modos – além da falta de reconhecimento – resolveram chutar a escada que eles mesmos colocaram na janela do poder. Só que agora é tarde demais.
Jornalistas do Globo, da Globo e da Folha podem posar de independentes e provocar o presidente para receber deles a promessa de porrada. Na verdade, é tudo o que querem: transformar crimes maiores (a corrupção inquestionável, o atraso moral e a estrutura miliciana) em afronta à imprensa livre, para então derramar sua indignação.
Não se indignam com promessas de ditadura, exemplos de racismo, atos de entreguismo, destruição das florestas e descalabro administrativo. Bolsonaro não deve cair por ter cometido crimes, mas por tratar mal seus sequazes.
Políticos da extrema direita ao centrão, que são maioria em atividade, mostram suas garrinhas na defesa de valores fiscalistas e liberais, mas não são capazes de avançar igualmente contra ações criminosas explícitas do presidente e de seu time. Maia não desengaveta pedidos de impeachment já protocolados, embora tenha defendido o instrumento no caso de Dilma, mas só é capaz de mostrar autonomia de verdade quando os assuntos são impostos e defesa de regras de contenção de gastos. Ele teme mais o teto de gastos que a ditadura.
Os parlamentares que comemoraram a aprovação do Fundeb, por exemplo, engolem um ministro inepto e comprometido com o ensino religioso – ao arrepio da lei. Ou, o que é pior, um ministério sem ao menos ministro responsável, como o da saúde. Com a pandemia em curso, o Congresso vê dezenas de milhares de mortes evitáveis – em alguns casos com nítido viés genocida, como no caso das populações indígenas – e é incapaz de pôr em ação mecanismos legais que dispõe para proteger a sociedade.
Imprensa comercial, Justiça e sistema político conservador são setores que ajudaram a eleger e dão sustentação Bolsonaro
No Judiciário, o discurso exacerbado de alguns magistrados parece ser apenas o álibi para as ações de preservação das ilegalidades que tomam conta do cenário nacional. Mais uma vez, toma-se o secundário pelo fundamental, deixando que as instituições se dissolvam na palavra fácil do beletrismo inócuo da defesa do Estado de Direito. O aparelhamento do setor por um grupo de arrivistas submissos, que disputam o butim da vaga ainda preenchida no STF, em troca de ações sabujas é um triste sucedâneo da nova ética. Nem mesmo a derrocada de Moro, que seguiu essa cartilha indigna, serve de alerta aos vorazes carreiristas.
A imprensa tradicional não responde às denúncias contra si, como a relação milionária com doleiros e lavagem de dinheiro. E ainda é capaz de editoriais canalhas que envergonham até seus empregados. Acha que cumpre seu papel por que pergunta sobre o extrato de Michele.
A Justiça não dá conta de seus partidarismos, como a blindagem de procuradores e operações ilegais, que ganham apenas um puxão de orelhas constrangido. E ainda é capaz de proteger descaradamente políticos como Aécio e Serra. Acha que faz seu dever de casa com discursos iluministas.
Os parlamentares não atuam com responsabilidade, passando por cima de crimes do presidente para manter o poder de barganha. E ainda ensaiam golpe para permitir a reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado. E julgam atuantes quando derrubam algum veto no varejo depois de ajudar a passar a boiada.
Imprensa comercial, Justiça e sistema político conservador são setores que ajudaram a eleger Bolsonaro. Que lhe dão sustentação por atos, obras e omissões. E que agora aprenderam que o caminho para ir limpando as marcas do crime é mostrar espanto com o rumo que as coisas vão tomando. Como se não tivessem nada com isso.
Não adianta ficar perguntando sobre o Queiroz. É melhor olhar no espelho.
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Edição: Elis Almeida