Em São Joaquim de Bicas, Região Metropolitana de Belo Horizonte, moradores do residencial Fhemig, conjunto de mais de 50 domicílios rurais, enfrentam há um ano e meio dificuldades de acesso à água. Eles foram atingidos pela lama da Barragem B1, da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho. O rejeito contaminou a bacia do rio Paraopebas, que passa a 250 metros da comunidade.
O rio, que servia para pesca e uso recreativo de crianças e adolescente, ficou inutilizado. Além disso, por recomendação da própria Vale S/A, mineradora responsável pelo rejeito, o uso de cisternas que abasteciam o local foi suspenso. Segundo a comunidade, o trabalho, o convívio, a higiene e alimentação foram prejudicados a partir de então. Alguns adolescentes desenvolveram quadros de depressão e houve até uma tentativa de suicídio.
Em maio de 2019, uma decisão da Vara Cível, Criminal e da Infância e Juventude da Comarca de Brumadinho determinou que a empresa fornecesse água potável às famílias para consumo doméstico e produção, além de disponibilizar equipe para acolher e dar resposta às demandas das famílias.
Contudo, os moradores se queixam da dificuldade de terem suas solicitações atendidas. Há reclamações de fornecimento insuficiente, demora nos atendimentos, imprevisibilidade, complicações para fazer os pedidos e falta de respostas ágeis da empresa. Quantidades de água que dariam apenas para uma semana chegam a demorar até 13 dias.
Produtores que vivem da criação de animais denunciam irregularidade no fornecimento de água há um ano e meio
“Hoje, se a gente não ligar, a gente fica sem água. A maioria aqui é de agricultores, mexem com criações, tem gente que vende galinha, tem produtor de leite, queijo. Teve gente aqui que perdeu galinha, cavalo, por causa da Vale. As criações precisam de água”, relata a moradora Dinalva Barbosa Leal.
Há pouco tempo, ela contraiu a covid-19, doença do novo coronavírus e teve que guardar a quarentena em casa. “Teve um funcionário da Vale que ficou com medo de mim, chegou a comentar que eu iria contaminá-los, sendo que eles é que vêm aqui sem máscara”, recorda.
De acordo com a Associação Estadual de Defesa Ambiental e Social (AEDAS), entidade que presta assessoria aos atingidos, esse mesmo problema aparece em outras localidades, nos municípios de Brumadinho, Betim, Igarapé, Juatuba e Mario Campos, embora a situação de São Joaquim de Bicas seja a mais grave no momento.
“Em muitos lugares, o caminhão não vai ao local com regularidade. Com essa situação do coronavírus, todas a organizações de saúde têm recomendado a higienização e, num momento tão delicado como esse, falta água para as famílias”, acrescenta Vanderlei Martini, coordenador da AEDAS no médio Paraopeba.
A qualidade da água fornecida também é questionada pelos atingidos. “Nós ainda não temos uma prova concreta de que essa água realmente pode ser consumida. A gente toma banho, o corpo fica todo “pinicando”, meus filhos sentem coceira no corpo. O próprio veterinário da empresa falou comigo para não usar essa água para dar às galinhas antes de evaporar o cloro, pois a galinha morre”, denuncia Dinalva.
Vencendo pelo cansaço
Os atingidos acreditam que o custo para atender adequadamente às suas reivindicações é pequeno para a mineradora, mas são grandes os obstáculos para defenderem suas demandas. Um morador que não quis se identificar, dizendo temer represálias, identifica um tratamento diferenciado por parte da polícia com relação à mineradora.
“A gente vai registrar boletim de ocorrência contra a Vale e não consegue. Mas, quando param e cercam caminhões aqui, pedindo água, vêm viaturas, os policiais super grosseiros, e morador tem que engolir seco porque precisa de água!”, lamentou.
De acordo com a Defensoria Pública de Minas Gerais, que acompanha o caso, o órgão foi acionado pelas assessorias técnicas, a fim de encaminhar reclamações dos moradores à mineradora. Houve, porém, restrições colocadas pela própria Vale ao atendimento das demandas.
“A Vale exigiu procuração específica de cada um dos indivíduos mais cópia do documento de identidade. Isso não é necessário, já que as assessorias atuam como assistentes técnicas da Defensoria no processo. Além disso, trata-se de um obstáculo intransponível no período de pandemia. Quantas pessoas têm um smartphone com conexão à internet, que permita tirar foto, digitalizar os documentos, em qualidade boa para ser enviada à Vale?”, questiona a defensora Carolina Morishita.
Segundo Carolina, isso acaba funcionando como mais uma estratégia para minar o acesso das pessoas mais vulnerabilizadas, desarticulando as comunidades e fazendo os atingidos perderem a confiança nas instituições de Justiça e na assessoria. “Quanto mais obstáculos colocam, mais fica parecendo que esses mecanismos não são suficientes e as pessoas mais tendem a desistir e a quererem sair dali, a irem para outro lugar”, avalia.
Outro lado
A reportagem fez contato com a assessoria da empresa, mas, até o fechamento da edição, ainda não havia recebido resposta.
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Edição: Elis Almeida