Embora a Assembleia Legislativa de Minas esteja concentrada na reforma previdenciária dos servidores estaduais, há uma proposta na área ambiental com elevado potencial destrutivo e com grandes chances de seguir em frente.
Trata-se do Projeto de Lei (PL) 1.822 de 2020, de autoria do deputado Antonio Carlos Arantes (PSDB). Fruto do lobby da mineração, a intenção da matéria é reduzir a área da Serra da Moeda com vistas a expandir as atividades da Gerdau. Representantes do segmento ambiental protestam. E à reportagem, o Ministério Público estadual também se colocou contra.
Grupo Gerdau fez acordos judiciais em 2009 e 2013 por operar no local sem autorizações dos órgãos ambientais
O autor do PL justifica na matéria que a finalidade é reduzir a área de preservação da serra, que hoje é de 2.372 hectares, para aproximadamente 2.359. Seria reduzido 0,54% do perímetro. Essa parte seria entregue para o Grupo Gerdau minerar. Segundo o parlamentar, a empresa iria recompor futuramente ao terreno da Serra outros cerca de 75 hectares. Ou seja, a área preservada iria aumentar para um pouco mais de 2.435 hectares.
A Serra da Moeda foi tombada pelo ex-governador de Minas, Antonio Anastasia (PSDB), em 2010, após grande pressão de movimentos sociais. Ela abrange cinco municípios.
Serra da Moeda: caixa de água sob o solo
Os efeitos das atividades minerárias não se restringirão ao lugar onde são executadas. As complicações ocorrem no solo e em todo ecossistema terrestre no entorno de onde elas são exercidas.
Segundo estudo do Manuelzão, projeto de conservação ambiental da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), dos 5 bilhões de metros cúbicos exploráveis de água no subterrâneo da região do Quadrilátero Ferrífero (QF) cerca de 1 bilhão se encontra no subsolo da Serra da Moeda.
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A formação geológica da Serra propicia uma retenção maior da água da chuva. Dessa forma, ela consegue ser uma “caixa de água” de baixo da terra. Estão localizadas na área do monumento as nascentes do rio Itabirito, grande afluente do sistema hídrico Bela Fama, onde é captado a água de aproximadamente 60% dos belohorizontinos.
Na Serra, estão as nascentes de três cursos de água integrantes do Rio das Velhas, principal componente do Rio São Francisco. Estão também no patrimônio ambiental 31 córregos e ribeirões, conforme o Manuelzão.
“Depois reclamamos que cada vez mais os rios estão secando. Claro, com projetos iguais a esse que podem acabar com as nascentes. Esse projeto é uma grande infelicidade. A mineração deveria ajudar a preservar o pouco que ainda temos de áreas preservadas”, opinou Marcus Vinícius Polignano, professor da UFMG e coordenador do projeto Manuelzão.
Consequências em cascata
“É preciso sabermos a quantidade de habitats existentes na área. Entender o que está sendo trocado. Precisamos saber o que contém na área a ser suprimida em termos biológicos. O que está lá, tem a mesma biodiversidade da área prometida a ser recomposta?”, comentou Geraldo Fernandes, professor de biologia e pesquisador da UFMG.
Ele explica que é necessário saber também sobre os animais existentes na área e entender se a supressão do local poderia ser negativa a eles. E, para o docente, seria fundamental tentar identificar se o outro terreno a ser recomposto pela empresa à Serra teria as mesmas qualidades naturais do suprimido.
Os efeitos das atividades minerárias não se restringirão ao lugar onde são executadas.
Julio Grilo, ex-superintendente do Ibama e pesquisador, cobrou do autor da proposição estudos para dimensionar a viabilidade técnica e sustentável da proposição. “Temos que estudar qual é o impacto para o lençol freático, impactos sinérgicos, e fazer uma análise de sustentabilidade. Fazer uma alteração em unidade de conservação sem embasamento técnico não dá. Não tenho dúvida de que o projeto deve ser arquivado”, avaliou.
Levando em conta as possíveis consequências em cascata a serem provocadas pelo PL do deputado tucano, a matéria é incompleta. Há menção de estudos, mas não são mostrados. E em nota encaminhada pelo parlamentar à reportagem, tampouco existe referência nesse teor.
Grupo Gerdau
Percebe-se que o PL foi elaborado sob medida para o Grupo Gerdau. O caso revela que o setor minerário ainda é forte no parlamento mineiro, apesar das recentes tragédias. Para se ter uma noção disso, qualquer cidadão pode apresentar um projeto de lei, desde que 10 mil eleitores assinem. À empresa, bastou ser próxima de um deputado para conseguir um projeto em seu benefício.
“Esse projeto já é de interesse da Gerdau há muitos anos. Ano passado ela tentou fazer movimentações em Itabirito e em Moeda (cidades abrangidas pela Serra da Moeda). A serra comporta várias cavernas, vários marcos da história de Minas; por exemplo, foi a passagem dos bandeirantes”, afirma Luiz Paulo Siqueira, integrante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM). Ele chama atenção para o fato de o município de Moeda depender das receitas do ecoturismo na Serra.
Projeto pretende alargar área de mineração da Gerdau, a Mina de Várzea do Lopes que já foi alvo de embates jurídicos
Atuantes há quase 120 anos na mineração e siderurgia, o grupo Gerdau surgiu no sul do Brasil; boa parte de suas operações atualmente estão em território mineiro. Uma delas se encontra na Mina de Várzea do Lopes, local de exploração mineral da empresa próximo à Serra da Moeda. O projeto em questão pretende reduzir o espaço do monumento para alargar o dessa Mina, que já foi alvo de embates jurídicos.
Conforme o Ministério Público de Minas, em 2009 a Gerdau estaria operando nesse local sem as devidas autorizações dos órgãos ambientais. Diante disso, o MP firmou com a companhia um acordo para ela atuar conforme os parâmetros legais. Em 2013, foi assinado mais um pacto com o objetivo de a Gerdau se comprometer a preservar outro espaço onde havia iniciado nova operação.
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Chama atenção em ambas as situações a necessidade de o órgão estadual ter de intervir para que a empresa faça o básico, respeitar a lei. A autarquia afirmou à reportagem que a Gerdau não cumpriu todos os acordos firmados. Mas não disse quais.
Ministério Público se posiciona contrário
Do ponto de vista jurídico o projeto de lei do parlamentar não possui embasamento. Em razão de a Serra da Moeda abrigar nascentes em toda sua extensão, a princípio, existe um risco de as atividades da Gerdau prejudicá-las. A Lei estadual 10.793 de 1992, que trata da proteção de mananciais destinados ao abastecimento público no estado, proíbe indústrias poluentes, metalúrgicas e siderúrgicas, entre outras, de atuarem perto de nascentes.
Por sua vez, a Lei da Mata Atlântica, bioma onde está inserida a Serra, veda a supressão de vegetação primária ou nos estágios avançados e médio de regeneração quando os vegetais protegem as nascentes de água. Entre os argumentos para o tombamento de Moeda foi justamente a conservação da vegetação, cujo resultado, consequentemente, é a proteção dos mananciais. Por se tratar de uma prática severamente corrosiva, a mineração, em tese, não poderia sequer aproximar-se da Serra.
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Henrique Mourão, advogado ambiental e presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB-Minas, também vê empecilhos jurídicos para a matéria ser aprovada. Segundo ele, é possível o tombamento ser desfeito por uma lei estadual. Contudo, deve-se justificar essa medida e suas implicações. Como visto, não existem essas justificações técnicas até o momento.
“O que vemos na maioria dos casos é que a atividade econômica beneficia um setor de maneira privilegiada. E, nesse caso, isso ocorreria em cima de um patrimônio que hoje é público e deixaria de ser. Além disso, essa compensação de área é incerta. É uma cláusula futura. E se a empresa tiver alguma dificuldade econômica? Ela vai recompor?”, questionou Henrique.
Serra abrange cinco municípios e possui em seu subsolo 1 bilhão de metros cúbicos exploráveis de água
O Ministério Público posicionou-se contrário ao projeto de lei. “O Ministério Público entende que a alteração dos limites da Serra trará graves perdas ao meio ambiente natural e cultural, com danos ao ambiente dos campos rupestres ferruginosos, à preservação do patrimônio paisagístico também aos vestígios arqueológicos remanescentes, conforme laudos técnicos elaborados a pedido do Ministério Público”.
Ainda conforme o órgão, a matéria do parlamentar atinge a Reserva Biológica Campos Rupestres de Moeda Sul, próxima à Serra da Moeda e criada pelo decreto 10/2008, do município de Moeda. Logo, o projeto invade competências.
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Politicamente a proposição pode avançar. Isso porque, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia de Minas, deputado Dalmo Ribeiro, é da mesma sigla do autor da proposição, o PSDB. Eles integram o mesmo bloco político, a base de Zema. Também compõe tal grupo o deputado Noraldino Júnior (PSC). Ele preside a comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, onde após a CCJ o projeto irá tramitar. Nos colegiados são os presidentes que comandam a pauta de análise.
Recentemente, a Assembleia Legislativa de Minas detectou que 1.319 votos a favor do projeto na página da ALMG podem ser frutos de robôs. Ambientalistas desconfiaram do vertiginoso aumento no número de supostos cidadãos favoráveis à matéria. Depois de identificar a fraude, o parlamento tenta investigar sua origem. Hoje, 3.799 pessoas são contra. Aqueles a favor são 406.
Outro lado
O argumento mais forte da empresa e do deputado Antonio Carlos Arantes é o fator econômico. De acordo com a Gerdau, a ampliação de suas atividades “permitirá a extensão da vida útil da mina em aproximadamente 10 anos, contribuindo também para a manutenção direta e indireta de 5 mil empregos, na manutenção de um plano de investimentos econômicos e sociais em Minas e a possibilita de utilização de recursos naturais com equilíbrio, evitando-se novos impactos ambientais que seriam gerados a partir da abertura de uma nova mina”.
“A Gerdau ressalta que tem convicção que o plano de continuidade das operações da Mina de Várzea do Lopes é uma solução equilibrada e sustentável para a manutenção de empregos, investimentos sociais e a proteção ambiental”. Segundo a empresa ainda, ela não se alinhou ao parlamentar na elaboração desse projeto e muito menos tem aliança com outros parlamentares.
É bom deixar claro que esta não é uma ação para aumentar a produção anual de minério, mas, tão somente, prolongar a vida útil da mina por mais 10 anos.
Ao ser questionada se há estudos bem como se esses poderiam ser compartilhados, a resposta foi: “A empresa desenvolveu estudos completos e complexos na região para comprovar a melhoria da qualidade ambiental da área e que suas operações não impactam as nascentes do lado oeste da Serra da Moeda. Todos os estudos foram protocolados nos órgãos competentes”. Na próxima semana, a Gerdau se comprometeu a disponibilizar um representante para conversar com a reportagem.
“Buscando a manutenção de quase 5 mil empregos diretos e indiretos, fui convocado por lideranças, incluindo prefeitos, vereadores, empresários e associações de classe a ser representante de causa na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Sendo assim, neste ano de 2020, em que muitos empregos se encontram em risco por conta da crise sanitária vigente, apresentei o Projeto de Lei (PL) 1822/2020, elaborado com a ajuda da consultoria do meu mandato e da Assembleia Legislativa; projeto este que atende a premissas do meu trabalho parlamentar.
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É bom deixar claro que esta não é uma ação para aumentar a produção anual de minério, mas, tão somente, prolongar a vida útil da mina por mais 10 anos. A manutenção dessa operação, segundo a Gerdau, garantirá investimentos de R$ 500 milhões de reais na região nos próximos 10 anos”, afirmou em nota o deputado Arantes.
Não é a primeira vez que os deputados na Assembleia tentam protagonizar a destruição ambiental. Em 2017 foi aprovado um projeto que continha uma emenda para diminuir o parque Estadual de Arêdes. Esse dispositivo foi inserido às pressas no projeto, o qual tratava de outro tema, pelo deputado do MDB, João Magalhães. Curiosamente, ao redor de Arêdes havia até 2018 a intenção de se implementar dois projetos minerários. Um tempo depois, a justiça suprimiu o artigo do projeto.
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Edição: Elis Almeida