Apesar de ser maioria do eleitorado brasileiro – 52,5%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – as mulheres ainda são minoria absoluta tanto nos executivos quanto nos legislativos municipais. Apesar de avanços conquistados, inclusive na legislação eleitoral, ainda é pequeno o número de candidaturas femininas.
Das 33 cidades mineiras com mais de 100 mil habitantes, em 21 delas há candidaturas femininas
No Brasil, por exemplo, 33,15% das candidaturas para prefeita, vice-prefeita e vereadoras são lideradas por mulheres, o que não foge do estabelecido pela Lei nº 9.504/1997 que determina que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo.
Em Minas Gerais, conforme estatísticas do TSE, são ao todo 26.301 mulheres candidatas, o que equivale a 32,83% do total. As candidaturas masculinas atingem 67,17%, ou seja, 53.807 homens que irão pleitear vaga nas prefeituras e câmaras municipais do estado.
Desigualdade está na sociedade
A advogada Samara Castro, membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, ressalta que a participação reduzida das mulheres na política eleitoral reflete as desigualdades sociais que existem entre homens e mulheres na sociedade.
“As mulheres, muitas vezes não veem o espaço da política como um espaço para elas. E isso tem a ver muito com questões burocráticas, com a falta de incentivo e de sustento para que essas mulheres se viabilizem como candidatas. Lembrando que, diferentemente dos homens, as mulheres têm muitas outras tarefas, como o trabalho, a casa, os filhos, isso vai cada vez mais afastando elas desses espaços de liderança, de exposição que é a política”, analisa.
As mulheres, muitas vezes não veem o espaço da política como um espaço para elas
Essa dimensão da sobrecarga de trabalho das mulheres, que ainda são as principais responsáveis pelos serviços domésticos, pelo cuidado das crianças e dos idosos, é reforçada por Daniela Rezende, doutora em Ciência Política e professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa. “Essa sobrecarga acaba impedindo que as mulheres disponham de tempo e recursos para poder participar da política institucional”, ressalta.
Além disso, a pesquisadora afirma que desde pequenas, as crianças são socializadas a partir de “papeis tradicionais de gênero”, ou seja, meninas são ensinadas a serem mais recatadas e meigas, enquanto meninos são estimulados a terem mais autoconfiança e serem determinados.
“Essa socialização de gênero acaba convergindo com o imaginário de que a política é um espaço predominantemente masculino. Isso tem a ver com quando a gente olha para quem ocupa os cargos na política institucional a maioria são homens brancos, de meia idade. A gente tende a ver a política como um espaço masculino, que não é permeável à entrada das mulheres”, analisa Daniela.
Legislação
Desde os anos 1990, a legislação eleitoral passou por algumas mudanças que visaram aumentar a participação política das mulheres, como a cota de gênero – que estabelece mínimo de 30% e máximo de 70% para candidaturas de cada sexo, como já citado – e a destinação de verbas do Fundo Partidário para as mulheres, que deve seguir a porcentagem das candidaturas.
No entanto, segundo Daniela, a legislação eleitoral brasileira não é favorável à participação de minorias. Para ela, os partidos ainda são organizações muito masculinas, sendo que as mulheres são sub-representadas também nos espaços de decisão intrapartidários.
No Brasil, as mulheres ainda são minoria entre as pessoas filiadas. Segundo o TSE, no país, são 16.499.493 pessoas filiadas a partidos políticos, sendo 7.476.783, ou seja, 45,3% do sexo feminino.
Mulheres são 45,3% do total de filiados a partidos políticos
Outro aspecto que Daniela levanta trata-se da violência contra as mulheres na política institucional. Aquelas que ocupam os espaços lidam com silenciamento e desrespeito por parte de colegas.
“Mais recentemente a gente teve o assassinato da vereadora Marielle Franco, e já tivemos um assassinato de uma candidata no Rio de Janeiro neste ano. O assassinato da Marielle é um recado, de que aquele não seria um espaço para as mulheres. Temos um quadro grave e preocupante no Brasil, que certamente está relacionado com a crise da democracia que nós estamos vivenciando”, avalia.
Mais mudanças
No início deste mês de setembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski determinou que a cota financeira para candidaturas de pessoas negras seja aplicada nas eleições deste ano.
Isso significa que os partidos políticos devem usar de forma proporcional o dinheiro do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral para as campanhas de negros e negras. A interpretação do ministro é que as cotas já devem valer também para a distribuição de tempo na TV.
Nas eleições deste ano, apenas 20 mulheres negras disputarão as prefeituras das 26 capitais brasileiras. Do total de candidatos aos executivos e legislativos municipais que se autodeclaram pretos em Minas Gerais, 35,33% são mulheres. Dos pardos, são 31,67% de candidaturas femininas. Considerando somente as mulheres que lideram as chapas para as prefeituras, são 23 mulheres pretas e 83 que se autodeclaram pardas.
Do ponto de vista das iniciativas na legislação eleitoral, Samara Castro avalia que ainda são muitas mudanças necessárias para diminuir a sub-representação das mulheres na política. Ela cita a reserva de vagas nas casas legislativas, na direção partidária, punições para casos de candidaturas laranjas e aprofundamento das políticas de distribuição das verbas do Fundo Partidário e do Fundo Eleitoral.
“Medidas de incentivo são superimportantes, mas elas não avançam se a gente tiver uma conscientização das pessoas sobre a necessidade de termos mais mulheres nos espaços de poder. Vale a gente refletir outras medidas mais radicais que pudessem contribuir para uma diversidade maior”, aponta.
Basta votar em mulher?
As consequências da sub-representação das mulheres são nítidas quando se analisa as casas legislativas no Brasil. Pela primeira vez na história da democracia brasileira, em 2018 a Câmara dos Deputados ultrapassou os 10% e chegou a 15% de representação feminina.
No entanto, na avaliação da professora Daniela Rezende, o aumento do número de deputadas federais não reflete em mais leis que visam reduzir as desigualdades entre homens e mulheres no país.
Não adianta só a presença de mulheres, é preciso mulheres que defendem os direitos das mulheres
“Teóricas feministas já apontavam para isso, como a Anne Phillips, que é uma autora que pesquisa representação política de mulheres, já falava que não adianta só a presença de mulheres, porque a política também se faz com ideias. Então, o melhor dos mundos é aquele que a gente tem a presença de mulheres que defendem os direitos das mulheres e a igualdade de gênero”, explica.
Segundo essa linha de pensamento, na opinião de Samara, a sub-representação gera um círculo vicioso, pois as mulheres estão afastadas da política e, esse fato, implica em uma vida política e em projetos de leis que “não são espelhos das necessidades das mulheres”. “Esse ciclo precisa ser quebrado por novas lideranças femininas”, completa.
Minas terá 286 mulheres concorrendo às prefeituras
Em Minas Gerais, somente 286 mulheres irão concorrer às prefeituras neste ano. O número de candidatos homens, ao executivo, é de 2.475. Das 33 cidades mineiras com mais de 100 mil habitantes, em 21 delas há candidaturas femininas.
Considerando os partidos de esquerda e centro-esquerda, ao todo são nove do PT (Betim, Contagem, Divinópolis, Juiz de Fora, Montes Claros, Patos de Minas, Sabará, Santa Luzia e Uberaba); sete do PSOL (Belo Horizonte, Betim, Contagem, Juiz de Fora, Montes Claros, Uberaba e Varginha); duas do PSTU (Juiz de Fora e Uberaba); duas do PSB (Governador Valadares e Lavras); uma do PDT (Conselheiro Lafaiete); e uma do PCO (Belo Horizonte).
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Edição: Elis Almeida