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Unidades de Saúde, creches e presídios: as parcerias como estratégia de privatização

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Explicação de Paulo Guedes na Rede Globo sobre uma possível diferença entre PPP e privatização não convence  - Créditos da foto: Marcello Casal/Agência BrasiL
Com privatização via PPP´s a precarização de trabalhadores torna-se regra

Esta semana uma grande pressão popular conseguiu fazer com que Bolsonaro suspendesse seu decreto que tinha por objetivo a privatização do SUS.

Após a derrota a Rede Globo concedeu espaço para a explicação de Paulo Guedes sobre uma possível diferença entre parceria com o setor privado e privatização. Efetivamente, o termo parceria é amplamente usado para encobrir a privatização.

E privatização nesse caso é a entrega do serviço público diretamente ao mercado financeiro, diferente das parcerias estabelecidas com Organizações Sociais (OS’) em que esta entrega ao mercado se dá de forma indireta, como o caso dos Hospitais de Campanha no Rio de Janeiro. Na leitura do decreto isto fica claro.

A PPP é um modelo aperfeiçoado de privatização que encarece os custos do serviço público

A conjunção de obras e operação pelo parceiro privado só é possível por um instrumento legal, a lei 11.079/04. Esta lei recebe dois nomes diferentes, por um lado, é conhecida como lei da PPP (Parcerias Público Privadas), mas também pode ser chamada de lei das concessões especiais.

A atual legislação de concessões por sua vez tem sua origem no governo Fernando Henrique Cardoso e faziam parte do programa nacional de desestatização, o qual foi originado no programa nacional de privatização do governo Fernando Collor de Melo. Portanto, a PPP está inserida no projeto neoliberal de transferir os serviços públicos para o mercado por meio de privatizações, sendo apenas um modelo aperfeiçoado de privatização.

A PPP como modelo aperfeiçoado de privatização por meio de concessão pública tem três dimensões que considero importantes para análise.

Em primeiro lugar ela sempre prevê o pagamento de contraprestação mensal por parte do poder público. Significa que durante, pelo menos, 20 anos o poder público terá que remunerar a empresa privada. Esta remuneração é feita com base num valor mínimo estipulado em edital de concessão sobre o qual é acrescido um novo valor calculado com base no desempenho do serviço prestado.

Assim, apesar da justificativa ideológica de remuneração em função do desempenho a empresa sempre irá receber milhões de reais mensais estabelecidos em contrato. Além do mais, quem fiscaliza o cumprimento das metas de desempenho são consultorias especializadas em PPP, em geral multinacionais, que tem interesse em produzir informações favoráveis a esta forma de concessão como a Ernest & Young e a KPMG.

O atual decreto que o povo conseguiu derrubar faz parte de um processo iniciado com o golpe em 2016

O segundo fator fundamental é a constituição de concessionárias (Sociedades de Propósito Específico - SPE) com a função específica de administrar o serviço público na forma de sociedades por ações e a liberdade que elas têm para comercializar suas ações na bolsa de valores. É inegável que o valor de ações de uma empresa está vinculada a sua projeção de lucros. Para isso necessariamente busca reduzir custos e ampliar rendimentos.

A precarização de trabalhadores no serviço público e a utilização de materiais com um menor custo torna-se regra. Não é mais o bem-estar da população o interesse do serviço, mas o bem-estar dos acionistas no mercado financeiro. Quer dizer, o serviço torna-se financeirizado.

Em terceiro lugar está o sistema de financiamento. Em todos os casos de PPP no Brasil os recursos utilizados pela empresa privada para realização das obras são originados em bancos públicos de fomento ao desenvolvimento. Por outro lado, as garantias ofertadas pela empresa privada a estes bancos são as mesmas ofertadas pelo poder público à empresa privada no contrato de concessão. Estas garantias são em geral parte do patrimônio público na forma de ativos financeiros.

Cria-se assim um ciclo no qual todos os riscos e investimentos são realizados pelo poder público com patrimônio público ao mesmo tempo que possibilita um negócio altamente lucrativo para empresa privada sustentado pelo fundo público em contrato de longo prazo. Um exemplo desse modelo é a constituição da PBH – Ativos, empresa de ativos da prefeitura de Belo Horizonte, criada no governo de Marcio Lacerda com a função de ofertar o patrimônio público como garantia para PPPs.

Usando ainda o exemplo de Belo Horizonte o que observamos não é a redução do gasto público por meio das PPPs. Pelo contrário. É possível afirmar que o custo de manutenção de uma criança numa Unidade Municipal de Educação Infantil (UMEI) administrada por uma PPP chaga a ser 62% maior que numa UMEI administrada diretamente pelo poder público.

O resultado disso é a impossibilidade hoje da prefeitura expandir a rede de UMEIS para garantir atendimento universal em tempo integral. Pelo contrário, a prefeitura de Belo Horizonte acabou com o atendimento de tempo integral para poder ampliar o número de crianças atendidas em turno único. Este exemplo aponta para o risco de, ao comprometer recursos públicos a longo prazo em contratos de PPP, o atendimento universal ficar impossibilitado e precarizado.

O atual programa do governo federal de apoio ao estabelecimento de Parcerias Público Privadas é um convenio entre a Caixa Econômica Federal e a CFI (Corporação Financeira Internacional) que faz parte do Programa de Parcerias para Investimento (PPI) que vem coordenando todo o processo de privatização do Estado brasileiro.

A CFI é o braço do Banco Mundial para o desenvolvimento do setor privado e tem entre seus principais objetivos a abertura de mercados por meio de PPPs. O programa visa modelar contratos de PPP para prefeituras em todo território nacional. É assim uma estratégia de enraizamento deste modelo de privatização por meio dos entes federados.

O atual decreto que o povo conseguiu derrubar faz parte de um processo iniciado com o golpe em 2016 que instalou o PPI no governo Temer. É também continuidade de uma série de resoluções do conselho do PPI no governo Bolsonaro emitidas em novembro de 2019.

Além da resolução nº 95 que abriu o processo para privatizar as UBS’s, as resoluções 73, 74 e 77 buscavam fazer o mesmo com a educação infantil, os presídios e as unidades sócio educativas, respectivamente. O que significa transferir todos esses aspectos da vida social aos interesses dos ricos rentistas que podem comprar ações de concessionárias.

Nas mãos de tal tipo de gente o que se pressupõe são postos de saúde e creches que não atendem, e prisões e reformatórios que encarceram em massa a juventude negra da periferia. 

Desta vez ganhamos, mas o projeto de mercantilização da vida através de PPP’s é amplo e retornará. Sigamos em luta, pois ela torna o ar respirável.     

Fábio Garrido é mestre em educação pela UFMG, professor da rede estadual e diretor estadual do Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais (Sind-Ute/MG).

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Edição: Elis Almeida