O rompimento da barragem de rejeitos de minérios de Fundão completa cinco anos neste dia 5 de novembro. Ao contrário de comemorar conquistas, nas recentes reuniões, as falas das pessoas atingidas, realizadas em modo virtual devido à Covid-19, expõem a indignação com as propagandas caras da Fundação Renova. Pagas para serem transmitidas em horário nobre na principal rede de televisão.
A Fundação Renova é a responsável pela reparação dos danos e foi criada pelas mineradoras Samarco, Vale e BHP, empresas que provocaram um dos maiores desastres sociotécnicos do Brasil e do mundo. O que resultou na morte de 19 pessoas, um aborto, extensa devastação socioeconômica e ambiental, inúmeras comunidades e municípios atingidos dos estados de Minas Gerais e Espírito Santo.
Durante esses anos, a população atingida vem lutando pela reparação integral, ou seja, que as empresas responsáveis assumam:
1) providências necessárias para a não repetição;
2) medidas de satisfação para preservação e/ou restauração da honra, cultura e memória das pessoas atingidas, incluindo pedido público de desculpas;
3) a restituição do direito lesado, como a moradia, preservação dos modos de vida e acesso à infraestrutura e bens coletivos em condições preexistentes às localidades destruídas;
4) a compensação econômica, ou por outros meios, caso não seja possível a restituição do direito lesado;
5) a reabilitação médica, econômica, social, psíquica, entre outras, dos sujeitos individuais e coletivos lesados;
6) a indenização pelas perdas e danos materiais e imateriais.
O direito à moradia é um direito fundamental, conforme artigo 6º da Constituição Federal de 1988, previsto também na Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU). E este é apenas um dos direitos violados em decorrência do rompimento da barragem de Fundão.
Especificamente em Mariana (MG) os subdistritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo foram destruídos e centenas de famílias destas ou das outras localidades atingidas de Mariana - Camargos, Ponte do Gama, Paracatu de Cima, Borba, Pedras, Campinas - perderam suas moradias e tiveram de ser deslocadas compulsoriamente, principalmente, para a sede urbana do município.
A morosidade na restituição da moradia tem gerado descrédito nas pessoas atingidas
Até o momento, nenhuma casa foi concluída nos reassentamentos coletivos de Bento Rodrigues (terreno “Lavoura”) ou Paracatu de Baixo (terreno “Lucila”). E, em ambos os locais, os acessos são controlados pela Fundação Renova que restringem a entrada, inclusive, dos seus futuros habitantes.
Também como método de esconder os atrasos das obras, a Fundação Renova vem reduzindo cada vez mais a contratação de mão-de-obra das comunidades, em desacordo com diretriz homologada na Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público de Minas Gerais - Comarca de Mariana.
Além dos reassentamentos coletivos, existem as modalidades de reassentamento familiar, por meio da compra assistida de imóveis, e reconstrução. Sendo a reconstrução destinada, principalmente, às famílias das localidades rurais que tiveram imóveis e/ou terrenos com destruição parcial ou total e decidiram pela permanência nas áreas de origem.
São inúmeras manifestações de insatisfação por parte das famílias atingidas com relação a atrasos nos casos de reconstrução e morosidade nas compras assistidas dos imóveis para reassentamento familiar.
De acordo com diretriz homologada na Ação Civil Pública: “para a restituição dos imóveis rurais e urbanos, a Samarco, Vale e BHP Billiton, por meio da Fundação Renova garantirão, exceto quando comprovado ser tecnicamente inviável, ao aderente ao reassentamento coletivo ou familiar, que o novo imóvel guarde características similares ou superiores ao imóvel de origem – situação anterior ao rompimento da Barragem de Fundão – especialmente nos seguintes aspectos e sem prejuízo de outros trazidos por normas técnicas vigentes”. A saber:
“1) topografia e aptidão agrícola ou capacidade de uso da terra, 2) dimensões e testada do imóvel, 3) relações de vizinhança e comunitária, e 4) acesso a fontes de captação e uso de água”. No entanto, a maior parte destes pontos não estão sendo considerados pela Fundação Renova no processo de restituição do direito à moradia.
Diante da ausência de soluções céleres para os reassentamentos coletivos e dos entraves burocráticos criados, impedindo a compra de terrenos em áreas rurais ou distritos, com características mais similares ao modo de morar das áreas de origem, muitas famílias acabam definindo imóveis na sede urbana do município para restituição da moradia, pela modalidade de reassentamento familiar.
Não raro, esses imóveis possuem áreas inferiores e em nada lembram os modos de morar das áreas de origem, onde o contato com a natureza, plantio e criações de animais eram fatores determinantes para o bem viver.
Para aqueles que permaneceram nas localidades rurais a ausência de ações da Fundação Renova no adequado manejo dos rejeitos gera incertezas quanto à contaminação do solo, água e ar; além do não restabelecimento das redes elétrica, de telefonia, rotas de transporte público; além de impactos decorrentes pelo aumento do tráfego de veículos pesados em estradas de terra sem manutenção.
A morosidade na restituição da moradia tem gerado descrédito nas pessoas atingidas enquanto a Fundação Renova gasta tempo e recursos culpabilizando as comunidades e outros agentes envolvidos; adiando propostas e soluções efetivas para os principais problemas; e propagandeando informações sobre a reparação unilateralmente, a despeito do quadro geral de insatisfação.
Para as pessoas atingidas, assistir a propagandas bem produzidas que alardeiam uma imagem distorcida da realidade de descaso com a reparação do seu direito, é revoltante. Após cinco anos, a população atingida de Mariana ainda luta pela reparação integral, pelo direito a contar suas histórias, suas versões dos fatos, e a denunciar a contínua violação de direitos.
Flora Passos, Caromi Oseas e Gladston Figueiredo integram a assessoria técnica da população atingida de Mariana pela Cáritas Brasileira Regional Minas Gerais.
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Edição: Elis Almeida