“Um rapaz de muita fibra e energia, que vê na arte mais do que uma oportunidade de trabalho. A arte é visceral, ela gira tudo na minha vida”. Essa é a autodescrição do multiartista La Cruz, que mistura militância, releituras, cartazes e muita ousadia.
Passear pelo trabalho de La Cruz pode ser uma diversão, de Beyonce a Elis
Rafael La Cruz é nascido em Belo Horizonte (MG), mas criado e crescido na cidade ao lado: Contagem (MG), no bairro Jardim Industrial. Foi lá que passou pelo processo de se identificar como artista. “Sempre me subestimei muito no sentido de me chamar de ‘artista’. Pessoas mais próximas diziam que eu tinha um grande futuro, mas o fato de ser um artista negro gera uma série de implicações bem materiais. São poucos recursos e trabalho em dobro para conseguir reconhecimento”, relata.
Hoje com 29 anos, quase formado no curso de Conservação e Restauração de Bens Culturais Móveis na UFMG, integra o movimento Levante Popular da Juventude. Seu trabalho passa pela pintura, desenho, animação, audiovisual e literatura. Profissionalmente, atua como ilustrador e quadrinista.
De documentário a Jabuti
Passear pelo trabalho de La Cruz pode ser uma diversão, de Beyonce a Elis. Publicado neste ano, a coletânea de tirinhas “Quadrinhos Viáveis” traz uma série de trechos de músicas brasileiras ilustradas, em um livro leve e delicioso. O perfil do artista nas redes sociais tem também inúmeras releituras de cartazes de filmes brasileiros, como O Homem que Virou Suco e Bacurau.
A outra viagem possível pelos seus trabalhos é no bonde da reflexão. A desigualdade racial é um recorrente ângulo de vista, mas está longe de ser o único tema. As ilustrações e quadrinhos vão do trabalho precário à maternidade solo, do andar de ônibus à solidão.
Trabalhos passam por pintura, desenho, animação, audiovisual e literatura
“Enquanto a gente tiver essa sociedade, vamos precisar ter afirmações políticas como ‘artista negro’, ‘artista mulher’, ‘artista LGBT’. Mas existe aí uma linha tênue perigosa de achar que por sermos artistas negros só pautaremos a racialidade, o que não é verdade. O artista negro não tem somente a cor de pele, ele tem muito mais para ser dito”, argumenta La Cruz.
E é nessa variedade, porém com um forte posicionamento, que o ilustrador tem se firmado. Já se experimentou nos vídeos de animação, com o curta “O Sorrido de Frida Kahlo” e o vídeo que comemorou os 20 anos do livro “O Encontro Marcado”, este último exibido na Rede Minas. Ilustrou capa e o interior de dezenas de livros e entre eles os pôsteres da coleção “Mulherio das Letras”, da editora Venas Abiertas, que é finalista no Prêmio Jabuti deste ano.
“Não sou um artista isolado”
Uma recente ação que não pode deixar despercebida foi a sua participação no livro “Ócios do Ofício”, lançado em plena pandemia por 40 artistas. Um financiamento coletivo angariou os fundos para a publicação, que se destinou a gerar renda aos profissionais da arte que passaram por maus bocados.
Para La Cruz, essa experiência exemplifica a sua concepção de arte. “João das Neves sempre falava que a arte por natureza é visceral e transgressora. Eu completo que nela existe algo de coletivo. Não sou um artista isolado. Estamos no mesmo bojo, somos artistas e trabalhadores, muitas vezes também precarizados”, reflete.
Ansiosos?
Agora, La Cruz está prestes a lançar suas primeiras graphic novels (novelas gráficas) “Comigo Ninguém Pode”, uma narrativa visceral negra e LGBT, e “Legacy”, e tem mais um documentário no forno. Os trabalhos do artista estão no Instagram @lacruz.ilustrador e no seu novo site, recém-lançado, www.lacruzilustrador.wordpress.com.
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Edição: Elis Almeida