Minas Gerais

PARQUE

Empresa que quer minerar na serra do Rola Moça faz lobby na ALMG há mais de um ano

Pelo projeto MGB extrairia minério da Mina de Casa Grande por seis anos

Belo Horizonte |
Rola Moça
A empresa Mineração Geral do Brasil (MGB) tenta desde o ano passado emplacar um projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a fim de obter para si uma fração da Serra do Rola Moça - Créditos: Reprodução

Conforme apurou a reportagem, a empresa Mineração Geral do Brasil (MGB) tenta desde o ano passado emplacar um projeto de lei na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) a fim de obter para si uma fração da Serra do Rola Moça, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).

Uma das grandes polêmicas é se isso potencializaria ou não o desabastecimento da RMBH, já que parte das nascentes dos rios abastecedores da região localizam-se na serra. 

MGB pleiteia cerca de um hectare do parque do Rola Moça para mineração

O ponto onde a empresa pleiteia a extração mineral já está degradado em razão de uma desastrosa experiência de mineração. A MGB argumenta que ela iria recuperar a área devastada minerando. Especialistas confirmam a viabilidade disso. Porém, questionam se a empresa de fato cumprirá o prometido. 

Desde o primeiro semestre de 2019 a MGB mantém relações com um conjunto de deputados, de acordo com uma fonte que não pôde se identificar. Um documento da empresa de 61 páginas, entregue a deputados e repassado a reportagem, detalha brevemente a intenção da mineradora. 

A proposta

Pelo projeto, ela iria extrair minério da Mina de Casa Grande, localizada na serra, por seis anos. Outros dois seriam necessários para o completo fechamento da mina. O chamado processo de beneficiamento seria à seco. Em outras palavras, não haveria barragens, o que representa menos riscos ambientais e humanos. 

Para que o projeto seja executado, seria necessário além da permissão das autoridades, o acesso à uma porção de terras do Rola Moça, hoje preservado por decreto estadual. A MGB quer a criação de uma lei para diminuir as áreas do Parque Estadual do Rola Moça, criado pelo decreto 39.071 de 1994.  

Juíza anulou em fevereiro de 2019 a anuência do IEF a exploração na área

“Minerar e recuperar a área é possível. Na verdade, a recuperação da área deveria ser uma responsabilidade do governo, que [alega] não ter recursos para fazer isso. Então, deixar a questão para a empesa é a melhor opção nesse caso. Mas o que me preocupa é se ela de fato vai cumprir com a recuperação”, opinou o Hernani Mota de Lima, professor de Engenharia de Minas na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). 

Como explicou, não existe no Brasil uma lei específica que obrigue as mineradoras a pagarem por eventuais acidentes bem como a se responsabilizarem pela área degradada pelas atividades. Existe, portanto, o risco de a degradação no local se intensificar com as operações da MGB e a empresa não cumprir com a promessa. 

Projeto antigo

Como o Brasil de Fato já mostrou, o imbróglio na serra é antigo. Tudo começou quando a empresa Extrativa Paraopeba abandonou a Mina de Casa Branca em 2001, deixando-a completamente devastada. Ela minerava na área desde 1989. Com o abandono, os direitos de exploração minerário foram adquiridos pela MGB.

Em dezembro de 2018, o Instituto Estadual de Florestas (IEF) foi favorável às pretensões da MGB. O MP estadual contestou o fato. Em uma recomendação, os promotores Francisco Chaves Generoso e William Garcia Pinto Coelho solicitaram a anulação da decisão.

O Rola Moça, segundo eles, “consolida Unidade de Conservação de Proteção Integral (UCPI), onde são possíveis apenas ações relacionadas a pesquisas científicas e ao desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de turismo ecológico, não sendo permitidas atividades minerárias ou quaisquer outras que comprometam a integridade dos atributos que justificam a sua proteção”.

Região do Barreiro é toda abastecida pelas nascentes do Rola Moça

Por decisão monocrática, em fevereiro de 2019 a juíza de primeira instância Renata Bomfim Pacheco decidiu anular a anuência do órgão estadual. A magistrada argumentou que sua decisão preveniria o Rola Moça de qualquer dano.

“O princípio da prevenção é balizador no direito ambiental, enfatizando a prioridade que deve ser dada às medidas que previnam (degradações). A finalidade é evitar que o dano chegue a ser produzido”, disse. 

O pedido de permissão de mineração da MGB esteve na pauta do Conselho de Política Ambiental (Copam) este ano. Mas, entidades vinculadas à causa ambiental solicitaram na Justiça de Minas a retirada do projeto. Em 27 de outubro a juíza Cláudia Costa Cruz Teixeira Fontes, da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias de Belo Horizonte, de primeira instância, barrou a análise pelo Copam. O argumento da magistrada foi similar à decisão de 2019. 

As análises do Copam e do IEF versam a respeito da permissão para minerar; o lobby na Assembleia refere-se ao acesso à parte da serra.

No documento obtido pela reportagem, a mineradora apresentou às autoridades desde 2015 oito estudos de alternativas de escoamento do minério. Todos rejeitados. Esse ponto é também polêmico porque além de a empresa requerer uma área do parque para minerar o escoamento da produção passaria na serra, fato que poderia degradar ainda mais a unidade de conservação. 

Em 2018, o Conselho Consultivo do Parque do Rola Moça aceitou uma nova proposta de escoamento do material. Conforme essa última alternativa, a área do Rola Moça a ser suprimida seria de 0,8 hectares. Isso equivale menos de 1% do tamanho total do parque, que é de 4 mil hectares. Segundo a empresa, ela iria devolver outros 300 hectares como compensação. Porém, no documento ela não aponta quais seriam essas áreas. 

Movimentações da empresa não pararam por aí  

Em março deste ano, a MGB atestou à Agência Nacional de Mineração (ANM) a não estabilidade de uma de suas barragens na Mina de Casa Branca, em Brumadinho. Essa estrutura está dentro de uma área que pertence à empresa e é próxima ao Rola Moça.

Paralelamente, a mineradora entrou com uma ação na Justiça Federal solicitando autorização para descaracterizar esse seu barramento. Ou seja, desmontar a estrutura de rejeitos. A Justiça concedeu o pedido.

Na Secretaria de Meio Ambiente de Minas (Semad), o licenciamento em tramitação, o mesmo que o Copam iria analisar, diz respeito às atividades minerárias, não à descaracterização de barragens, como visto.

Mas, a MGB utilizou a decisão da Justiça Federal no Copam, pretendendo conseguir a licença para minerar. Do ponto de vista jurídico isso não poderia ter ocorrido porque o desmonte das barragens não tem relação com o licenciamento.

Falta de água 

A maior de todas as polêmicas relacionadas ao projeto da mineradora diz respeito à possibilidade de a empresa degradar ainda mais a área e não a recuperar, o que consequentemente pode atingir as nascentes de água. A proteção das bacias dos cursos d'água Taboão, Rola-Moça, Barreirinho, Barreiro, Mutuca e Catarina, as quais ajudam a abastecer a capital e região, é o sentido de ser da unidade de conservação. A região do Barreiro, por exemplo, é toda abastecida pelas nascentes do Rola Moça.

“O estudo hidrogeológico aponta distância de mais de 30 metros do fundo da cava final (onde poderá se dar a extração) e o lençol freático. Portanto, a cava não interfere nos aquíferos”, diz a empresa do documento. 

Para o professor Hernani, da Ufop, é urgente a recuperação da área uma vez que ela apresenta uma erosão muito grande. “E com o tempo essa erosão tende a piorar ainda mais, o que pode gerar mais complicações, até mesmo para as nascentes”, diz. O docente enfatiza a necessidade de a proposta da MGB cumprir todos os requisitos ambientais para ser executada. 

No documento, a mineradora também apresenta 25 propostas de programas ambientais. Entre eles estão o controle de águas. A questão que fica é se de fato a empresa se empenhará em realizá-los, visto que não há nada obrigando-a. 

A reportagem não conseguiu entrar em contato com a empresa pelos telefones encontrados na internet. Também não conseguimos encontrar e-mails.

“A recuperação é a melhor solução para aquela área. vMas tem que ter fiscalização. O parque dos Mangabeiras, por exemplo, era área de mineração. Veja hoje como ele é”, acrescentou Robeto Galery, professor do departamento de Engenheira de Minas da UFMG. 

Para alcançar seus objetivos a mineradora até o momento: pediu licença em órgãos ambientais, mas o Copam não pôde analisar este ano porque a Justiça mineira barrou; usou uma decisão da Justiça Federal para pressionar a análise do Copam; faz lobby na Assembleia de Minas para reduzir a área do Rola Moça e assim executar a mineração pretendida. 

Outo lobby: Herculano Mineração em Serro

Em audiência pública na Assembleia Legislativa no dia (1) de dezembro, a prefeitura de Serro, na região Central, foi criticada por supostos favorecimentos à Herculano Mineração, empresa que tenta realizar atividades na cidade. 

Integrantes do Conselho Municipal de Desenvolvimento do Meio Ambiente (Codema) do município acusaram o Executivo local de impedir a participação popular das reuniões do órgão destinadas a decidir sobre a solicitação da Herculano. 

Marcelo Machado, um dos conselheiros do Codema disse na reunião que o presidente do Conselho, Carlos Dumont, “vem se posicionando como representante da empresa no Conselho”. Irregularidades técnicas foram apontadas pelos conselheiros. Eles também acusaram o prefeito da cidade, Guilherme Neves, de indicar o próprio irmão para controlar o Codema. 

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Edição: Elis Almeida