A Serra do Caraça é tida pela maioria do povo mineiro como um patrimônio não só de cunho ambiental e histórico, mas um verdadeiro patrimônio sentimental. Além do reconhecimento da importância do Santuário, famoso por sua hospedagem calorosa e suas cachoeiras geladas, a diversidade da fauna e da flora, a magnitude de seus picos imponentes e o mistério de suas cavernas sempre atraíram turistas, alpinistas, espeleólogos e pessoas amantes da natureza, que encontram na região um especial contato com a natureza e com a simpatia do povo de Catas Altas.
Porém a região, como todo o quadrilátero ferrífero, sofre com a chamada maldição dos recursos naturais: por baixo da natureza exuberante, jazidas de minérios, metais e pedras preciosas atraem a ganância de empresas que, capiteneadas pela Vale S.A, extraem de forma predatória nosso subsolo e nossa água, deixando somente um rastro de destruição e pobreza.
Não se trata aqui de apologia um ecologismo poético, ou de se criar uma narrativa anti desenvolvimentista leviana. Estamos falando o óbvio, o que todos que vivem às sombras da mineração vivem todos os dias: de tudo que a atividade mineraria produz, nada fica para os povos que vivem nos territórios explorados.
Uma breve consulta ao IBGE comprova o fato. Mariana, que tem o 35o PIB per capita do estado, ocupa apenas a posição de número 237 em matéria de esgotamento sanitário, 357 quando se trata de índice de mortalidade infantil, dentre os 853 municípios de Minas Gerais. São Gonçalo do Rio Abaixo, o maior PIB per capita de Minas e 5º maior do Brasil (onde se encontra a Mina de Brucutu, a maior mina da Vale S.A no estado), tem IDHM de apenas 0,667 (a média brasileira é de 0,761), e ocupa a incrível e triste primeira posição em Minas Gerais e do Brasil em mortalidade infantil.
Barão de Cocais, onde se as populações de quatro comunidades – Socorro, Piteira, Vila do Gongo e Tabuleiro foram arrancadas de suas casas em meio à madrugada por um alerta de rompimento iminente – há 21 meses, amarga igualmente posição crítica nos índices de desenvolvimento igualmente medíocres (IDHM de 0,613 e posição 282 no ranking de renda entre os municípios mineiros).
Esses exemplos simples – e dolorosos – reforçam a pergunta do título de nosso texto: a quem interessa a mineração na Serra do Caraça?
Há anos a Vale vem tentando ampliar o complexo de Fazendão, em Mariana, estendendo suas cavas de minério de ferro ao longo do pé do Caraça, por onde corre sua linha de trem que interliga suas plantas passando por Santa Bárbara, Barão de Cocais, São Gonçalo do Rio Abaixo e Itabira.
O projeto, fracassado graças à força da mobilização da população do Morro da Água Quente parece retornar por meio de uma prática que está se tornando comum em todo o quadrilátero ferrífero: sempre que alguma tentativa de licenciamento é negada, surgem empresas menores tentando licenciar empreendimentos de menor porte, com o objetivo de fornecer minérios à gigante transnacional.
Tudo indica ser este o caso da Pedreira Um Valemix, que tenta licenciar sua planta de extração no Morro da Boa Vista, em Catas Altas, no coração do Caraça. O empreendimento, que visa arrancar do Caraça 300 mil toneladas de minério de ferro por ano, que já impactava severamente o bairro Vista Alegre com poluição, níveis elevadíssimos de ruídos e explosões diárias, pode comprometer definitivamente o fornecimento de água em Catas Altas, Santa Bárbara e toda a região.
Estranhamente, nem a empresa, nem a prefeitura de Catas Altas se pronunciaram sobre a tentativa de licenciamento. Foi a iniciativa de militantes do Morro da Água Quente e do Fonasc que solicitaram uma audiência pública, fundamental para que a população possa exercer o seu direito de conhecer os impactos e decidir sobre o futuro e a preservação de seu território.
Foram justamente as audiências públicas de dezembro de 2019 e fevereiro deste ano que permitiram que a população tomasse conhecimento dos projetos da Vale e barraram a expansão do projeto Fazendão.
Enquanto esse texto é escrito, mais famílias, agora do distrito de Cocais, estão sendo removidas pela Vale. Conforme matéria veiculada aqui, conforme se observa em todo o quadrilátero ferrífero, a Vale usufruiu mais uma vez do famigerado terrorismo de barragens para desvalorizar imóveis, promover remoções à força, expropriar populações em locais onde a companhia tem planos de expansão.
Seguimos aguardando, dentro dos trâmites legais, a convocação da audiência pública pela prefeitura de Catas Altas para que a população possa se posicionar com relação ao licenciamento da Pedreira Um Valemix. O Caraça é do povo mineiro, o Caraça é do mundo. É chegada a hora da sociedade civil somar forças às entidades e movimentos organizados, aos setores lúcidos do poder judiciário e do executivo e frear essa exploração predatória e sem limites que devasta o estado de Minas Gerais.
Professor do IFMG, dirigente do SINASEFE IFMG e militante da FLAMa- MG
Edição: Elis Almeida