Um projeto de Lei que está em tramitação há quatro anos pode ser votado nesta terça-feira (15), em segundo turno na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte. O projeto prevê a substituição dos cavalos por veículos motorizados para o transporte de cargas na cidade. A votação vem mobilizando, de um lado, defensores dos trabalhadores carroceiros e, de outro, defensores dos direitos animais.
O assunto foi discutido na tarde dessa segunda-feira (14) pelos vereadores, mas, devido ao esvaziamento do quórum, a votação em segundo turno foi transferida para esta terça. O projeto de lei instituirá o Programa de Redução Gradativa do Número de Veículos de Tração Animal e Tração Humana, com prazo de quatro e cinco anos para que a circulação em áreas públicas passe a ser proibida. Segundo o PL, todos os carroceiros seriam cadastrados pela Prefeitura para outros trabalhos.
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Na sessão desta segunda, os vereadores Preto (DEM), Arnaldo Godoy (PT), Pedro Patrus (PT), Bella Gonçalves (Psol), Cida Falabella (Psol), Gilson Reis (PCdoB) e Pedro Bueno (Cidadania), entre outros, se pronunciaram pela priorização dos direitos dos trabalhadores carroceiros. Fora da Câmara, carroceiros e defensores dos direitos animais se manifestavam.
22 entidades assinam carta a favor dos carroceiros
Em defesa de seu modo de vida, os carroceiros e carroceiras de Belo Horizonte lançaram uma carta onde explicam sua posição. Segundo a Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos de Belo Horizonte e Região Metropolitana, autora da carta, a proibição das carroças afetaria a vida de cerca de 10 mil famílias de BH e entorno. Eles e elas afirmam que se reconhecem como Comunidade Tradicional e requerem a proteção da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho.
A carta afirma ainda que os maus tratos, alegados pelos defensores dos animais, não é uma prática no modo de vida dos carroceiros. “Os cavalos não são objetos, mas sim companheiros de trabalho dos carroceiros, tem nome, história e fazem parte da família e da comunidade carroceira. A tentativa de trocar cavalos por motos demonstra o desconhecimento da relação que existe entre carroceiros e seus companheiros animais”, escrevem.
Segundo a associação, os carroceiros participam, desde 2017, de discussões com a Prefeitura de Belo Horizonte para regulamentar o trabalho e os critérios de cuidado com os cavalos. Além da associação, a carta é assinada por 22 entidades, como grupos de pesquisa acadêmica, de agroecologia e movimentos populares. A carta está na íntegra abaixo.
Defensores dos direitos animais protestam
Por outro lado, movimentos pelos direitos animais pedem a “libertação” dos cavalos e alegam que os animais passam por abandono e maus tratos. Nota do Movimento Mineiro pelos Direitos Animais (MMDA), no Facebook, argumenta que o possível desemprego dos carroceiros não justifica a continuação da prática na cidade.
“A miséria não justifica a crueldade. Não deve ser cultura nem tradição o que envolve tortura”, diz a nota. “Os custos são elevadíssimos para manter um animal desse, de grande porte, em condições de bem-estar, totalmente incompatível com a condição social dos cidadãos que colocam esses animais nessas condições deploráveis, situação que se repete em toda Belo Horizonte”.
Aqui, a carta da associação de carroceiros na íntegra:
PELOS DIREITOS DE CARROCEIROS/AS E CAVALOS!
O PL 142/2017, que pretende criminalizar o modo de vida dos carroceiros e das carroceiras na cidade de Belo Horizonte vai novamente a votação em segundo turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH). Usando o argumento de defesa dos direitos animais, o PL visa substituir os cavalos por motos adaptadas.
Nós, carroceiros e carroceiras de Belo Horizonte e Região Metropolitana, repudiamos tal projeto pelos seguintes motivos:
• a proibição das carroças afetaria a vida de cerca de 10 mil de famílias não só de Belo Horizonte como também da região metropolitana, cujo sustento se baseia no trabalho na carroça;
• desde os anos de 1990 foi construída em Belo Horizonte uma política de limpeza urbana que sempre tratou os carroceiros e carroceiros como verdadeiros agentes ambientais, responsáveis pela destinação correta de milhares de toneladas de resíduos da cidade;
• os cavalos não são objetos, mas sim companheiros de trabalho dos carroceiros, tem nome, história e fazem parte da família e da comunidade carroceira. A tentativa de trocar cavalos por motos demonstra o desconhecimento da relação que existe entre carroceiros e seus companheiros animais;
• os casos de maus tratos aos animais não fazem parte do modo de vida carroceiro e são veementemente repudiados pelos mesmos. Os carroceiros e carroceira inclusive participaram, desde 2017, de várias discussões junto à Prefeitura, buscando regulamentar o trabalho e os critérios de cuidado com os cavalos;
• a cidade de Belo Horizonte foi construída com a participação ativa dos carroceiros e carroceiras, constituindo um patrimônio histórico e cultural da cidade.
• o projeto fere os artigos 215 e 216 da Constituição Federal que prevê que o Estado deve garantir o direito a manifestação da diversidade de todos os grupos que compõem o país.
Por fim, ressaltamos ainda que nós, carroceiros e carroceiras, nos reconhecemos como Comunidade Tradicional, com modos de vida próprio e cujo direito está garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário.
Além disso, o Decreto 6040/2007 e a Lei 21147/2014, que criaram, respectivamente, as Políticas Nacional e Estadual de Povos e Comunidades Tradicionais, também garantem o direito dos carroceiros a manter seu modo de vida. Assim, qualquer tipo de ação, seja do setor público ou privado que comprometa o modo de vida dos carroceiros e carroceiras caracteriza uma clara violação a convenção e legislação citadas. Desta forma, pedimos aos vereadores e vereadores de Belo Horizonte que garantam os direitos humanos e animais, arquivando de vez o perverso PL142/17 e atuando para que as condições de vida dos carroceiros e seus companheiros animais sejam plenamente asseguradas.
A Cidade é Nossa Roça! Nossa Luta é Na Carroça!
Belo Horizonte, 12 de dezembro de 2020
ACCBM – Associação dos Carroceiros e Carroceiras Unidos de Belo Horizonte e Região Metropolitana
Assinam em apoio:
- Comissão Estadual para o Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – CEPCT-MG
- Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial – CONEPIR/MG
- Cáritas Brasileira - Regional Minas Gerais
- Fórum Político Interrreligioso – Belo Horizonte – MG
- FONSANPOTMA – Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos Tradicionais de Matriz Africana
- Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental – Arquidiocese de Belo Horizonte
- Kaipora – Laboratório de Estudos Bioculturais – UEMG
- Projeto Mapeamento de Povos e Comunidades Tradicionais de Minas Gerais – UFMG
- LEAEH – Laboratório de Educação Ambiental e Ecologia Humana - UNIMONTES
- GESTA – Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais - UFMG
- GEPTT – Grupo de Estudos e Pesquisas em Trabalho e Tecnologias -CEFET – MG
- NIISA – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental - UNIMONTES
- MUTIRÓ – Núcleo de Estudos em Agroecologia – CEFET-MG/UEMG
- Associação dos Carroceiros de Contagem
- Articulação Embaúba – Parteira, Raizeiras e Benzedeiras da RMBH
- MTD - Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos
- CEDEFES – Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva
- MLB - Movimento de Luta de nos Bairros, Vilas e Favelas
- AMAU - Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana
- Coletivo de Agroecologia do Aglomerado Cabana - Comissão Pastoral da Terra – MG
- RENAP - Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares
Edição: Elis Almeida