Bixa Travesty, documentário com a rapper Linn da Quebrada, é um filme brasileiro que desde a sua estreia, em 2018, recebeu mais de 30 prêmios no país e no exterior.
Foi considerado melhor documentário no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na Alemanha; melhor direção no Festival Internacional de Cinema de Cartagena, na Colômbia; melhor direção também no Festival Cheries, na França, entre muitos outros reconhecimentos pelo mundo.
Para além de seu sucesso, infelizmente ganhou manchetes ao ser criticado pelo atual presidente da Petrobras, Castello Branco, em afirmação de que a estatal não iria mais “patrocinar filmes de qualidade sofrível” como o longa, em setembro deste ano. No entanto, o documentário não só não foi patrocinado pela empresa, como deveria ter recebido dela um prêmio de R$ 200 mil que não foi pago.
Se o filme chamasse outra coisa não estaria sendo atacado
O Brasil de Fato conversou com um dos diretores do Bixa Travesty, Kiko Goifman, que divide o posto com Claudia Priscila. Ele fala da perseguição do governo Bolsonaro à arte e à diversidade e que está encaminhando medidas judiciais para cobrar ressarcimento.
Brasil de Fato - Como está a situação com a Petrobrás agora, já um tempo depois do presidente ter classificado Bixa Travesty como um filme “sofrível”?
Nós estamos judicializando. Provavelmente vamos entrar com dois tipos de ação, uma civil e uma criminal. Porque você não pode sair por aí falando essas coisas. Esse governo costuma falar muita coisa sem a menor base, o menor sentido. Dessa vez, que seja responsabilizado por isso.
Como a equipe recebeu o comentário do Castello Branco na época? Curioso é que o filme nem chegou a ser patrocinado pela Petrobras, né?
Quando lemos isso, obviamente nos sentimos ofendidos. E sim, a Petrobras não deu um real para a confecção do filme. Inclusive negou um prêmio que ganhamos e isso virou batalha judicial.
Em vários dos maiores festivais do país, a Petrobras reparte prêmios entre R$ 200 mil e R$ 100 mil. Nós ganhamos o de melhor filme escolhido pelo público no Festival de Brasília. O valor do prêmio era destinado para a distribuição do filme, não para produção. Durante alguns meses, isso estava até publicado na página da Petrobras - ou seja, eles utilizaram nosso filme para marketing.
Qualquer país tem cuidado com a cinematografia. Aqui é um descaso
Num certo momento, recebi um telefonema falando que houve uma mudança de orientação e que não iriam mais pagar o dinheiro. Acionamos a Justiça e conseguimos chegar a um acordo de receber uma parte dessa verba, desde que não colocássemos o nome e nem a logomarca da Petrobras no filme.
E a que você atribui essa repulsa?
Eles têm medo do “Bixa Travesty”. Todo mundo já sabe que temos um governo racista, homofóbico e transfóbico. Imagina o que é para esse governo um filme chamado Bixa Travesty!
Em governos anteriores poderíamos até ser convidados para fazer uma sessão para o presidente ou presidenta, mas, nesse [governo], somos massacrados. Sendo que estamos o tempo todo representando o Brasil, sendo que para fazer um filme desse temos aportes financeiros internacionais que usamos dentro do Brasil, sendo que a indústria cinematográfica representa uma quantidade imensa de pessoas. É uma aberração a gente ser perseguido numa situação como essa, e em um momento que emprego é fundamental no país.
Você acha que o Castello Branco assistiu ao Bixa Travesty?
Não. E eu acho que se o filme chamasse outra coisa, tipo “Os caminhos de Linn da Quebrada”, não estaria sendo atacado. Tem um filme lindo chamado “Tinta Bruta'', que ganhou um prêmio com a gente e é sobre um relacionamento gay em Porto Alegre. Eles receberam o prêmio porque o filme se chama “Tinta Bruta”, com logo e tudo… Entende?
O Fernando Meireles comentou uma vez que ele [Castello Branco] com certeza não viu o “Bixa Travesty”. Porque é um filme delicado, sensível, que trata de um assunto pouco falado e traz uma série de reflexões.
Todo mundo já sabe que temos um governo racista, homofóbico e transfóbico
Mas acontece que a família Bolsonaro tem uma forma tosca de lidar com o mundo, com a arte, com a cultura.
Qualquer país, inclusive os EUA, que o presidente adora admirar, tem todo um cuidado com a própria cinematografia. Foi ela que instaurou no mundo o American Way Of Life. O que acontece aqui é um descaso, é uma associação completamente infeliz de que a cultura é coisa da esquerda.
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Edição: Elis Almeida