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O polêmico debate sobre os carroceiros em BH

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carroceiros, bh
"A luta secular do movimento negro contra a desumanização de nosso povo é, para nós, irredutível" - Créditos da foto: Cadu Passos
O projeto é frágil, o que resultaria na implementação apenas da criminalização

Belo Horizonte atravessa uma polêmica importante e complexa. A proposição de Lei 98/20 intitulada “Carreto do Bem” tem gerado debates acalorados nas redes sociais e nas ruas da cidade. O projeto tramitou na Câmara Municipal desde 2017 e foi aprovado em segundo turno ainda na legislatura passada, em dezembro de 2020. Agora está nas mãos do prefeito Alexandre Kalil, que até essa sexta-feira, dia 22, deve decidir se aprova ou veta a proposição.

Popularmente tratado como a “PL dos carroceiros'' seu objetivo é colocar fim aos veículos de tração animal e, consequentemente, a uma profissão tradicional e que sustenta milhares de famílias na cidade. Estou ao lado daqueles que querem buscar condições de vida dignas aos cavalos e animais, mas sou contrária a uma proposição de lei que criminaliza pessoas trabalhadoras, pobres e, em sua maioria, negras.

Questão ambiental e defesa dos animais precisa se conectar com o combate à desigualdade social

Em primeiro lugar, o argumento que compara, em quaisquer circunstâncias, mulheres e homens escravizados com animais é repudiável. A luta secular do movimento negro contra a desumanização de nosso povo é, para nós, irredutível, e comparar a escravidão dos nossos com a utilização da tração animal é violência racista.

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Já a proposição de lei é extremamente vaga tanto quando trata das possibilidades de transposição dos carroceiros para outras atividades no mercado de trabalho, quanto quando trata sobre a suposta transição para a tração mecânica. Dessa forma, o projeto aborda de forma superficial a realidade política e social da cidade. Mesmo com dez anos de prazo para que a transição ocorra, sem garantia de renda e debate sério com os próprios carroceiros, o que veremos é tão somente a proibição da profissão e a tração animal ser substituída por tração humana.

Um projeto de lei tão frágil como esse, acaba por ser implementado parcialmente, sendo efetivada exclusivamente a parte da criminalização. Já em Belo Horizonte e em outras grandes cidades do país é comum ver jovens, mulheres e homens negros puxando suas carroças no asfalto quente, em pleno sol do meio dia.

Fico me perguntando sobre o sentido de se construir um projeto tão específico contra um setor social. Podemos construir propostas muito mais amplas de defesa dos animais na cidade e outras medidas. Por que não começamos pela proibição da Polícia Militar ter sua cavalaria? Isso não é questionado como exploração animal. Seus cavalos são usados para reprimir famílias acampadas em ações de reintegração de posse, manifestantes, população de rua, ambulantes e trabalhadores em geral. Focar na criminalização dos carroceiros é uma política higienista de cidade.

Kalil deveria vetar esse projeto e construir desde já alternativas de trabalho

A maior parte dos carroceiros transportam entulho, material de construção e restos de podas de árvore. Tendo isso em vista, não é possível ignorar que existe um processo de privatização do resíduo sólido na cidade, o que com certeza coloca também interesses econômicos de grandes empresas em defesa de uma proposição de lei como essa.

Por isso, acredito que Kalil deveria vetar esse projeto e construir desde já alternativas de trabalho em comum acordo com os atuais carroceiros, bem como aprimorar a fiscalização contra os maus tratos, começando pelo cadastro das carroças para que a fiscalização seja possível. A prefeitura deve garantir outras formas de trabalho e renda para aqueles que não desejam exercer essa função, mas tem em suas carroças a única forma de alimentar suas famílias.

O avanço do debate ambiental e a defesa dos animais na opinião pública é fundamental e uma urgência absoluta do nosso momento histórico. Ressalto a importância das parcerias com universidades, equipamentos públicos e a própria prefeitura na luta contra os maus tratos aos animais.

Iza Lourença é vereadora em BH pelo PSOL

Edição: Elis Almeida