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Crônica | Roda de carroça!

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Ele voltava para concentração todos os dias com uma pizza que comprava fiado na pizzaria da família da namorada - Créditos da foto: Pixabay
Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pela vida?

Dedão era um daqueles caras grandes e fortes! Era estilo zagueiro de seleção brasileira. E sempre usava isso a seu favor. Como jogador era mediano pra baixo. Perna de pau mesmo! Também conhecido como beque da roça: faz muito gol contra!

Veio do interior da Bahia direto para o interior de São Paulo. Dizem que era “gato”. Na gíria do futebol é jogador com idade adulterada.  Era um mundo novo para ele. Chegando no Vale do Paraíba, ficou na reserva do time e não viajava com o plantel nos jogos do campeonato, ficando com o tempo livre nos fins de semana. Ele aproveitava bem este tempo livre. Ele era pura diversão e adrenalina.

Começou a namorar a filha do maior comerciante da cidade. A menina era filha única, criada com maçã raspada e Danoninho, tida como a mais linda e a mais cobiçada da cidade. Seu Domênico, um típico descendente de italiano do interior paulista, pai dela, não gostou muito.

Dedão e isso, ganhou a confiança da família e já tinha lugar cativo na casa daquela família italiana. Tirava até onda cora jogador, negro e boa pinta. Atributos que não agradavam em nada seu Domênico. Mas não impediu o namoro. Pelo contrário, acabou gostando do Dedão. Com algumas palavras em italiano. Já sabia que o sul da Itália era mais pobre e o norte era mais rico. Que Milão era a cidade da moda. Que Maradona jogou num time da cidade de Nápoles.  

Ele voltava para concentração todos os dias com uma pizza que comprava fiado na pizzaria da família da namorada. Todos os dias, chegava com um sorrisão e me dizia:

- Trouxe quatro refrigerantes em lata e uma “roda de carroça”. 

Isso foi quase um ano. Nossas noites ficaram até mais animadas. Ficávamos esperando ele chegar com a “roda de carroça” e quatro refrigerantes em lata.  Como ele não jogou naquele campeonato, foi vendido para um time do nordeste. Foi embora sem avisar ninguém e nem a namorada. Também nunca deu notícias.  

Passou um mês certinho, aparece na concentração um homem gritando e xingando aos quatro ventos: cadê aquele moleque? Cadê aquela perna de pau? Também palavrões em italiano. Homem estava verde de raiva, mano!

Eu disse a ele que Dedão fora vendido e que não voltava mais. O homem não falou nada. Deu um excesso de fúria e quebrou toda a concentração. Só parou quando a polícia chegou. Ninguém estava entendendo nada. As boas línguas da cidade dizem que ele gostava realmente do Dedão.

Dedão levou alegria para aquela família embotada e fechada em si mesma. Seu Domênico estava até tocando cavaquinho, cantando músicas do Zeca Pagodinho e saltando de paraquedas. Tirou o dinheiro da poupança e resolveu viajar com a família para conhecer o nordeste. Passou a vida toda dentro de uma loja e nunca tinha tirado férias.

Dedão virou um conservador nato para coibir seus instintos. É um pastor fervoroso em uma comunidade pobre do agreste nordestino.

Seu Domênico virou um coroa descolado, militante do meio ambiente e contra a xenofobia. Também criou uma página na internet de namoro para cinquentões adolescentes.

Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pela vida?

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte

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Edição: Elis Almeida