Minas Gerais

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Estado leniente, governo indiferente

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"Foi com leniência, por exemplo, que agiu no caso dos crimes ambientais em Minas Gerais" - Créditos da foto: Nilmar Lage
Romeu Zema empurra o estado para um marasmo vexatório e criminoso

O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) tem posto em prática uma estratégia inovadora de gestão: não fazer. Como ele foi eleito na esteira da crítica da política tradicional e da ineficiência de tudo que leva o selo de “público”, decidiu acelerar sua crença no exercício da função para a qual foi eleito. Trabalha para não fazer, destruiu o que existia, milita ativamente para edificar uma base em que iniciativa privada tenha espaço para crescer no vácuo das políticas interrompidas.

Há um personagem criado pelo escritor norte-americano Herman Melville (1819-1891), autor do clássico Moby Dick, que ficou célebre por sua capacidade de não fazer coisa alguma. Sua frase favorita é: “Eu preferia não fazer”. Empregado de um escritório em Wall Street, o escrivão Bartebly chegou a dar nome a uma síndrome, o Mal de Bartebly, que caracteriza pessoas que abandonam a ação, renegam o passado ativo e fazem tudo para não serem notados. A atitude do personagem pode soar como uma crítica anticapitalista, mas no caso do governador de Minas, talvez seja exatamente o contrário.

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Romeu Zema é um Bartebly arrogante. Além de não fazer, adota o proselitismo da negação. Tem empurrado o estado que governa para um marasmo que seria apenas vexatório se não fosse por vezes criminoso. Sua obsessão pelas contas e pelo pagamento do salário dos servidores, que poderia ser indicativo de preocupação com erário e com a responsabilidade fiscal, na verdade são ativados sempre para apontar o excesso de gastos e o desperdício em investir em políticas públicas.

Foi com leniência, por exemplo, que agiu no caso dos crimes ambientais em Minas Gerais, sem impor sua autoridade nem manifestar sensibilidade às vítimas. O que se viu – e se observa ainda hoje – é uma postura de subserviência aos interesses das mineradoras e de seus negócios, com a consequente manutenção das condições de destruição ambiental que levaram às catástrofes anunciadas. Quando não com o abrandamento da legislação.

Com relação à educação pública, Zema foi um dos primeiros governadores a carimbar a proposta de ensino civil-militar, com a sempre prazerosa atitude de transferir responsabilidades para outra esfera de governo e, no caso, de poder, no sentido estrito da palavra. O militarismo, para ele, caía como uma luva para resolver questões complicadas como a segurança, a desmotivação política dos jovens, o pagamento do piso aos professores e a redução do ensino integral nas escolas estaduais.

Transferência de responsabilidade no combate a pandemia

Outra forma de deixar de fazer sua parte se traduz na repetida tática de sempre passar o problema para frente. Assim, bolsonarista convicto, o governador tem se esmerado em defender as ações federais e dispor seu estado ao papel de cumpridor de expedientes federais. Está sempre aguardando recursos, normativas, repasses, instruções, investimentos, renegociações e outras atividades procrastinatórias. Prefere não fazer.

Nada é tão exemplar dessa postura de fuga de suas atribuições constitucionais do que a atuação de Minas Gerais no combate à pandemia da covid-19. O estado não se preparou para nenhuma das fases do trabalho. Não distribuiu testes suficientes, não fez a vigilância de casos, não estruturou o atendimento terciário especializado, não estabeleceu contatos para prover vacinas em caso de atraso do governo federal. Brigou com municípios de seu território, como Belo Horizonte, e outros estados, como São Paulo, para manter a espinha curvada ao presidente.

Teve em mãos um hospital de campanha doado pela iniciativa privada que foi desmontado sem atender um caso sequer. Não planejou a preparação de recursos humanos necessários, perdendo profissionais esgotados nos hospitais públicos sem que tivesse contingente necessário para substituí-los sem interromper os atendimentos num momento de agravamento da pandemia. Em vez de ampliar leitos hospitalares em unidades públicas, o que se viu foi o fechamento por falta de profissionais habilitados.

Há genocidas-sêniores, que se orgulham do desprezo com a vida, e os mirins, que preferem não fazer

Na argumentação dos Bartebly de todos os setores, os problemas são sempre transferíveis para as contingências externas, das quais não se tem domínio. Os leitos fecharam por que não havia profissionais, que foram se desligando por vários motivos compreensíveis e, principalmente, identificáveis com grande antecedência. Em vez de se preparar para essa necessidade previsível, lavam-se as mãos, publicando um edital inócuo de convocação de médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos e auxiliares indisponíveis pela incúria do próprio setor. De um lado, os massacrou; de outro, não foi capaz de prepará-los.

O mesmo tratamento se viu no trato com a condução de uma política estadual de consenso para os protocolos de fechamento de atividades econômicas e de flexibilização. O Minas Consciente não obteve assentimento de todos os municípios (sinal de pouca credibilidade e apoio do Estado às necessidades dos municípios), não apresentou contrapartidas do governo central para evitar colapsos regionais, coordenando consórcios e oferecendo recursos para áreas em risco. E, principalmente, não foi capaz de manter rigor técnico de seu ordenamento. Encaçapou as pressões e voltou atrás em momentos perigosos, como no começo deste ano, quando amenizou a onda vermelha da restrição para o pálido rosa da advertência.

Falta de empenho

Mas nada é mais exemplar da paralisação anestesiante do Estado que perda de oportunidade de fazer parte do esforço mundial para a produção de uma vacina eficaz. Minas Gerais teve a oportunidade de estabelecer acordo com a chinesa Sinopharm, por meio da Fundação Ezequiel Dias, para fabricação do imunizante. Por falta de empenho, perdeu a chance de exercer o mesmo papel que as congêneres Fiocruz e Instituto Butantan junto a outros laboratórios e centros de estudos estrangeiros.

Publicidade mentirosa afirma controle da doença e preparo para vacinação

A Funed é um dos orgulhos da saúde pública mineira e brasileira, com equipe competente, estrutura de produção moderna, experiência em análises sofisticadas e produção de medicamentos e vacinas, como a da meningite. No entanto, a condução das negociações por parte do executivo estadual, que remontam a julho de 2020, não seguiram adiante por uma série de fatores pouco nobres, entre eles gafes diplomáticas e informações inexatas. Mas, de acordo com relato dos técnicos chineses, o que mais transpareceu foi a falta de iniciativa e interesse. Mais uma manifestação do bartlebiano, “prefiro não fazer”.

Não se trata apenas de deixar de participar da fabricação de mais um imunizante, mas da retirada humilhante no momento mais dramático e importante da saúde pública em mais de 100 anos. Oportunidade que foi rapidamente aproveitada por outros países da região, como a Argentina e o Peru. O governo de Minas Gerais desprezou a história da Funed, se retirou do esforço mundial para oferecer mais uma alternativa de vacina, atrasou a perspectiva de imunização universal no Brasil (com impactos na economia) e reiterou a política tacanha do governo federal em tratar com desdém países com os quais não se alinha ideologicamente.

Zema vai ser cobrado pela história

Enquanto isso, dispara publicidade com mentiras, anunciando que tem o melhor sistema de controle da doença, que está preparado para vacinação, que montou a maior operação da história. Tem tudo para vacinar (o que o excelente programa estadual de imunização sempre teve), menos a vacina. E também não possui um planejamento transparente e bem comunicado: ninguém sabe quando será imunizado.

Como um aprendiz em busca de aprovação, o governador se apressa em dizer que fez sua parte e espera o agradecimento do governo federal na forma do repasse de vacinas, o que não é mais do que a obrigação mal cumprida pelo Ministério da Saúde. São imunizantes que poderiam ter sido produzidos no seu próprio estado, para bem do país e de toda a humanidade. Há genocidas-sêniores, que se orgulham do desprezo com a vida, com a ciência e com os sentimentos humanos. E os mirins, que preferem não fazer. Ambos envergonham a humanidade.

Edição: Elis Almeida