Os servidores do Estado de Minas Gerais lutaram intensamente contra a reforma da Previdência do governador Romeu Zema (NOVO), que aumentaria suas taxas de contribuição. Mesmo assim, a Lei Complementar 156 foi aprovada e passou a valer a partir de 23 de dezembro de 2020, com alíquotas que variam de 11% a 16% a todos os funcionários públicos mineiros.
A conta bateu forte nos salários recebidos neste ano, chegando a descontar um terço diretamente na fonte. Motivo pelo qual a Associação dos Funcionários Fiscais do Estado de Minas Gerais (Affemg), junto a outras entidades que representam funcionários da magistratura, do Ministério Público, da Defensoria, da Advocacia Geral e os auditores fiscais, entrassem com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.
Desde o início dos anos 2.000, o servidor vem passando por uma avalanche de medidas que agridem direitos conquistados
Nessa ação, as entidades alegam que o Estado de Minas está cometendo “confisco salarial”. “O nosso sistema jurídico contempla uma espécie de proteção sobre o tributo cobrado dos cidadãos. Nenhuma pessoa ou atividade econômica pode ser tributada numa proporção que configure confisco”, explica Maria Aparecida Meloni (Papá), presidenta da Affemg.
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Na entrevista ela também faz análises sobre a campanha pela revogação da Lei Kandir e sobre as renúncias fiscais que o Estado concede a empresas.
Brasil de Fato MG: Papa, o que é a ação em que Affemg e demais entidades alegam o confisco de salário dos servidores de Minas Gerais?
Papá: Nessa ação nós discutimos a contribuição tributária - a contribuição previdenciária é um tributo - e o tamanho dessa contribuição somados aos outros tributos, que todos os cidadãos pagam. No caso dos servidores de Minas, só em impostos descontados diretamente no contracheque, temos o imposto de renda que é 27,5% e a contribuição previdenciária de 16%, o que dá mais de 43% do salário.
BdF MG: Por que o sindicato está alegando confisco dos salários? Com base em qual lei?
O nosso sistema jurídico contempla uma espécie de proteção sobre o tributo cobrado dos cidadãos. Isso é um fundamento constitucional, de que nenhuma pessoa e nenhuma atividade econômica pode ser tributada numa proporção que configure confisco. É o que nós chamamos de “princípio do não confisco”. Tem base legal, é constitucional. Minas Gerais aprovou a segunda pior tabela previdenciária do país, ao aprovar a tabela progressiva que consta na Lei Complementar 156, aprovada o ano passado.
BdF MG: Em que pé está essa Ação Direta de Inconstitucionalidade?
A ação está no Supremo Tribunal Federal. Nós pedimos uma liminar, mas o juiz mandou ouvir as partes. Já foram ouvidos a Assembleia Legislativa de Minas Gerais e também o poder executivo. Nessa escuta, eles não tocaram no assunto do não confisco, mas apenas a questão financeira do Estado.
BdF MG: Como o aumento da alíquota tem afetado o dia a dia do trabalhador?
Desde o início dos anos 2.000, o servidor vem passando por uma avalanche de medidas que agridem direitos conquistados. Esse senso comum de que servidor tem vantagens, não corresponde à realidade. Nós estamos há muito tempo com salários congelados, são poucas categorias que conseguem repor a inflação, um aumento geral para os servidores públicos não acontece há mais de 10 anos. Vez ou outra o governo adota medidas paliativas, como ajuda de custo ou ajuda alimentação, para mitigar a situação, e agora o aumento da alíquota, que representa um corte salarial.
BdF MG: Ao invés do aumento da taxa para os servidores, de quais outras formas o Estado poderia arrecadar?
De muitas maneiras. O Fundo de Previdência dos servidores pode ser encorpado de várias fontes tributárias. Mas em Minas não tem nenhuma iniciativa nesse sentido. O governo não se move nessa direção.
BdF MG: A Affemg e o Sindifisco-MG puxam uma campanha sobre o fim da Lei Kandir. Porque?
Essa campanha tem duas pernas: uma é o ressarcimento, outra é a revogação. Nós queremos o ressarcimento integral das perdas que o Estado de Minas Gerais teve desde o início dessa lei, com esse privilégio tributário, que foi concedido às exportadoras de bens primários e semielaborados.
O ressarcimento foi resolvido mais ou menos em um acordo ridículo, mas que já está sacramentado, e Minas já até recebeu uma parte desse acordo. Mas esse acordo traz uma situação estratégica para nosso estado. Sob a tutela do Supremo Tribunal Federal, a União, os estados e municípios concordaram que a União tinha mesmo uma dívida com os estados - uma compensação pelas perdas decorrentes do privilégio tributário da Lei Kandir. Mesmo que a gente tenha recebido menos de 8% do que foi a perda real, mas vale o reconhecimento de que, sim, houve perda. Existe perda para todos os estados e municípios.
Zema fez um acordo ridículo. Minas Gerais recebeu apenas 8% do que foi a perda real com a lei Kandir
Com base nesse acordo, nós perguntamos: e aí? Vai continuar perdendo para daqui a 20 anos nós estarmos de novo numa luta buscando compensar – miseravelmente – as perdas acumuladas? Então nós queremos a revogação desse privilégio, que o Estado retome a sua competência tributária de cobrar tributos de todas as riquezas de bens primários e semielaborados.
BdF MG: Em 2019 foi aprovada uma lei estadual que obriga o governo estadual a passar um relatório para a ALMG com as renúncias fiscais a empresas e qual montante delas foi concedido. Renúncias são uma caixa preta. Qual está sendo o resultado dessa lei?
O relatório das renúncias fiscais acompanha a proposta de orçamento, em que o governo encaminha e faz o demonstrativo. De fato, isso é importante, é preciso que os contribuintes saibam quanto as grandes empresas ganham, mas esse tema é muito complexo, não só em Minas.
Desde o governo FHC, a União vem estimulando uma política entre os estados apelidada de “guerra fiscal”, com as empresas fazendo leilão para ver qual estado dá mais benefícios. Isso nos coloca numa situação bastante delicada: ou entra no jogo ou está fora, e com isso vem as consequências de desemprego, de não conseguir promover desenvolvimento.
Toda essa questão é muito delicada, necessária de ser debatida com toda franqueza, e nós achamos que deve estar dentro de uma reforma tributária, que é uma pauta do Congresso Nacional. Um tema que a Affemg tem todo interesse em participar e contribuir.
Edição: Elis Almeida