As famílias camponesas brasileiras enfrentam diversos desafios para viabilizar o desenvolvimento e permanência no meio rural. Dentre eles esta a busca de instrumentos que amenizem as diferenças de renda e acesso à políticas de crédito. Nessa perspectiva, tecnologias sociais, embasadas em cooperação e ajuda mútua, reduzem a distância entre o conhecimento técnico adquirido em universidades e a realidade da vida no campo.
É o caso da família da produtora Maria de Fátima. Com a ajuda da Rede de Articulação Agroecológica de Lavras, ela construiu um biodigestor de baixo custo para a propriedade da família. O equipamento funciona a partir do reaproveitamento do esterco bovino, que gera gás de cozinha e adubo líquido para plantas (biofertilizante).
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A Rede de Articulação Agroecológica de Lavras é composta por grupos diversos que atuam no campo e na cidade: entre os integrantes, estão a Associação de Camponesas e Camponeses Agroecológicos de Lavras (ACCAL), núcleos de estudos da Universidade Federal de Lavras (Yebá, NEAs e NEMAAF), o Sindicato de Técnicos-Administrativos da UFLA (Sindufla), além de membros da comunidade agricultora, a partir do “Horta Pronobis”.
Para o estudante e bolsista do projeto, Emanuel Siqueira, essa articulação agroecológica de diversos setores da cidade “foi essencial a medida que conquistou, nos últimos anos, tanto a aproximação de agricultores em transição agroecológica, quanto de pessoas da academia e da sociedade civil interessadas em apoiar o desenvolvimento da produção agroecológica lavrense”.
Ele explica que a elaboração desse tipo de iniciativa a um baixo custo financeiro só foi possível graças aos agentes envolvidos, além da rede de articulação citada. É revelado que ainda houve o fomento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) ao projeto “Articulando grupos, agricultores e experiências para o fortalecimento da agroecologia e mercados institucionais no sul de Minas”, que recebeu subsídios por lei de incentivo federal de fomento ao desenvolvimento agroecológico.
O projeto é uma iniciativa da Rede de Articulação Agroecológica de Lavras
A execução foi feita em mutirão e ministrada em forma de curso por dois camponeses certificados pelo Plano Nacional de Habitação Rural (PNHR) da cidade de Divino. Os 24 participantes, além de ajudarem na construção, também puderam aprender a parte teórica envolvida nesse tipo de construção.
Segundo apurado pela reportagem, os materiais para realizar o projeto da família lavrense custaram R$2,3 mil. Já quanto são contabilizados os valores relacionados a serviço, alimentação e transporte – que variam de acordo com a região – no caso de Lavras, o total investido chegou a R$4,850 mil.
Benefícios são percebidos
Hoje, quase um ano depois da construção do biodigestor, o sistema de fermentação segue em processo de consolidação. Segundo a produtora Maria de Fátima, “o biogás e biofertilizante ainda estão sendo incorporados às atividades da propriedade, mas os benefícios já se apresentam através da redução das contas e do uso do biofertilizante na melhoria da qualidade do solo”. Para ela, o biodigestor “é um sistema maravilhoso e uma economia muito grande”.
O biogás produzido pelo biodigestor supre 70% da necessidade da família na utilização do gás de cozinha – caminhando para 100% quando o biodigestor atingir sua carga máxima.
Maria de Fátima, Leandro e os filhos produzem diversas hortaliças em sistema orgânico e agroecológico numa propriedade localizada na comunidade Fonseca, na zona rural de Lavras. A produção da família é distribuída em cestas semanais (CSA Horta Pronobis), delivery e merenda escolar, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
O bolsista Emanuel reforça que vários fatores influenciam na capacidade de fermentação do tanque, desde a água, qualidade do esterco, clima e até a vedação. “Os ajustes técnicos para manutenção são fundamentais e garantem maior eficiência no processo”, afirma. “Além disso, a diversidade de atividades desenvolvidas pela família na transição agroecológica gera períodos com consumo de gás bastante variável”, completa.
A propriedade da família é a unidade referência desta tecnologia em Lavras e região. A partir da realização do curso e construção, duas fichas agroecológicas sobre o biodigestor foram produzidas pelos Núcleos de Agroecologia, que serão publicadas posteriormente.
Afinal, o que é um biodigestor?
Atualmente, existem diversos modelos de biodigestores adaptáveis para diferentes situações no campo ou na cidade. No entanto, o princípio básico para todos é o mesmo: a digestão anaeróbia, ou biodigestão, que é um processo microbiológico, no qual a matéria orgânica é degradada na ausência de oxigênio e representa uma possibilidade potencial de diminuir a carga orgânica dos dejetos, resultando no biogás.
O agrônomo Gil Oliveira Lara acompanhou a construção do biodigestor da família da produtora. Ele conta os benefícios socioambientais do projeto: “o uso de resíduos, no caso desse biodigestor, o esterco de animais, é importante para que a energia que foi gerada pelos animais permaneça dentro do próprio sistema. Além do biogás, o biofertilizante também é produzido e volta para a lavoura, pastagem ou horta e realimenta o sistema. Assim a quantidade de energia que precisaria ser comprada é substancialmente reduzida”.
Ele ainda cita que pesquisas indicam a possibilidade de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em relação aos combustíveis fósseis pela utilização dos recursos disponíveis localmente e que seriam descartados ou compostados – como fazia a família lavrense antes da construção do biodigestor sertanejo.
O passo-a-passo
As orientações sobre como construir um biodigestor estão enumeradas em uma cartilha. O link está disponível aqui.
*Essa matéria foi publicada originalmente no portal Notícias Gerais: noticiasgerais.net.
Edição: Elis Almeida