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Crônica | Seu Machado

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rádio de pilha
Na orelha, um radinho de pilha escutando o programa A Hora do Coroa. - Foto: scanrail / 123rf
Era um quarto com uma cortina velha e surrada do Atlético Mineiro que separava os cômodos

Machado está cansado e triste. Sentado à porta do seu biambo mal-acabado e sem pintar, sempre aconchegante como uma cadeira no reino dos céus.  À volta muitas crianças, cachorros e gatos. O quintal era coletivo. O sorriso era farto.

Na orelha, um radinho de pilha escutando o programa A Hora do Coroa.

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Ele tinha perdido a mulher de 50 anos de casados para o coronavírus. Seu sofrimento era atroz. Mas o jeitão de sambista de raiz e de bolero das antigas, disfarçava sua tristeza profunda.

O país escancara sua mais cruel face da desigualdade e do racismo. Seu Machado faz parte dela. Mas os seus sambas e o tamborim sempre o ajudaram a esquecer tal realidade do contrário. 

Naquela tarde, cheguei com o botijão de gás nas costas. Meio sem graça de incomodar. Sabia da perda de dona Carolina, a Galega, como ele carinhosamente chamava sua mulher. 

Ele, muito educado, pediu para instalar o botijão na sua pequena cozinha. Era um quarto com uma cortina velha e surrada do Atlético Mineiro que separava os cômodos. Instalei o botijão e já estava indo embora. Quando ouvi: 

- Ô mininu, chega aqui! vou te mostrar um negócio.  Sei que você arranha um violão também, né?

- Sabe que, no tempo da onça, eu ganhei este violão! Pode levantar o colchão está debaixo da cama. A cama estava tão velha que era escorada por tijolos e o violão estava embrulhado num papelão. Para meu espanto não era um violão comum, era uma relíquia com assinatura do grande violinista João Pernambuco. Meu Deus! Meu Padim Cicero, e agora? Na maior simplicidade ele falou:

- Leva procê! Fica em troca do botijão, irmão!

- Não. Pelo amor de Deus!

- Não tenho talento para tocar neste violão.

- Tive uma ideia: vamos construir um projeto aqui na quebrada para ensinar violão para a meninada, o que você acha?

- Genial!

- Beleza. Tá fechado.

- Quem sabe aqui não tem algum João Pernambucano, né?

- Não vai embora sem comer a dobradinha que vou cozinhar!

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Elis Almeida