A cultura de massa transforma sonhos em consumo
A indústria cultural, isto é, as criações artísticas para apreciação estética ou embutidas na produção industrial, nas formas de designer e de propaganda, induzem ao consumo de bens e serviços. As contas bancárias nunca foram tão dinâmicas: tudo que entra sai.
O pequeno-burguês do passado era freado pela preocupação de economizar, melhor dizendo, poupar. O tipo “pão-duro”, “mão-de-vaca” já não existe mais. O que o movia era a moral e a religião que viam o gastador como perdulário. Na atualidade ainda há os ferrolhos inibidores da gastança, mas satisfazer os desejos supera as limitações.
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Na atual fase do capitalismo a ordem de importância é, em primeiro lugar o lucro; em segundo o consumo e sem cessar, o dinheiro. Seria absurdo sabermos que alguém ainda enterra tesouros. Raros são os que fazem aplicações a longo prazo.
Em 2020, menos de 1% dos brasileiros tinham investimentos em ações. A primeira ambição é a de consumir. A cultura de massa é dirigida no sentido de transformar os desejos em sonhos e estes em práticas de consumo. Por isso, em 2020, o endividamento chegou a 67% da população ativa, na forma de cartão de crédito, financiamento de veículos e empréstimos consignados.
Além de lucro, remuneração por serviços e benefícios previdenciários, há uma infinidade de outros meios de adquirir o dinheiro, como: sonegação de tributos, desvio de dízimos, contrabando, furto, roubo, tráfico de drogas e suborno de autoridades. A obtenção de dinheiro gerou uma guerra generalizada, sem trégua e sem fim.
Tudo é muito rápido, frágil e passageiro. Os objetos produzidos pela indústria têm pouco tempo de vida útil. Quando não se tornam obsoletos, perdem o valor estético e são substituídos. A dinâmica é descartar e comprar. Como tudo dura pouco, inclusive as uniões amorosas, os indivíduos vivem angustiados de tanto ver o fim das coisas e a obrigação de recomeçar. É como rolar ladeira abaixo e tentar subir de novo, como no castigo de Sísifo.
A nova mentalidade pequeno-burguesa despreza o passado e as tradições; não se preocupa com o futuro e perde o interesse pela família. A cultura de massas condiciona o indivíduo a não ser triste, nem nas salas de velórios; obriga-o a ter sucesso pessoal e profissional em modelo perfeito de comportamento.
A obrigação de ser feliz leva o indivíduo a criar fantasias quando as coisas não vão conforme deseja. Faz tudo para encobrir os infortúnios; angústia e depressão que muitas vezes o conduz aos crimes. A peça teatral “Quem tem medo de Virgínia Woolf” reproduzida em filme com o mesmo título, em 1966, trata com propriedade essa questão.
Um professor em uma universidade americana se casa com a filha do reitor, pensando se dar bem. Este casal recebe em visita outro professor novato e sua mulher. Os quatro começam a beber e conversar, e assim, passam toda a noite, em completa embriaguez. Aquela postura de homens sérios e politicamente corretos, em suas profissões na universidade, cede lugar a baixarias e mentiras. Cada um querendo se colocar acima do outro, mas o resultado é que os quatro figurantes acabam se rebaixando.
Obrigação de ser feliz leva o indivíduo a criar fantasias quando as coisas não vão conforme deseja
Como diz Edgar Morin: “A felicidade é a religião do indivíduo moderno. Essa religião não tem sacerdotes. Funciona industrialmente”. Constitui o que é a ideologia da cultura de massas; a ideologia da felicidade. A mídia, de um modo geral, disponibiliza farta reprodução artística que contempla o herói, indivíduo vencedor. Leva o espectador a se colocar no lugar do herói e, como ele, se sentir feliz.
Há, na atualidade, uma tentativa de reforçar o individualismo e negar a alteridade e o espírito coletivo. Baseiam-se em falsa premissa de Rebert Spencer que via nos animais a sobrevivência dos mais aptos e pensava que entre os humanos deveria ser a mesma coisa. Nietzsche afirmava que a democracia é a muleta dos fracos. Atribuir importância à individualidade; às qualidades e originalidade de uma pessoa é salutar. Mas desejar a morte, discriminar, alimentar preconceitos contra os outros, para se sentir feliz é pobreza mental, característica do individualismo do novo pequeno-burguês.
Este tipo social encontra apoio nos discursos perversos de Trump e Bolsonaro. Quer que o covid-19, sem combate vacinal, elimine os idosos e portadores de outras doenças. É condição utópica de que sem esses “entulhos” humanos, podem se sentir felizes.
Antônio de Paiva Moura é docente aposentado do curso de bacharelado em História do Centro Universitário de Belo Horizonte (Unibh) e mestre em história pela PUC-RS
Edição: Elis Almeida