Centenas de atingidas e atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana, seguem sem definição sobre o fornecimento de água em suas comunidades. A questão é motivo de repúdio por parte das famílias neste 22 de março, data em que é celebrado o Dia Mundial da Água.
A restituição de água bruta nas áreas atingidas faz parte do acordo de reparação, mas, cinco anos após o crime, as pessoas ainda seguem sem respostas. “Paracatu de Baixo vai ser um distrito praticamente morto, pois sem a água como vamos plantar, cuidar das nossas criações?”, questiona o atingido Jerônimo Batista.
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Jerônimo é membro da comissão de fiscalização do reassentamento de Paracatu de Baixo. Ele relata que, desde o início das conversas com a Fundação Renova – entidade criada pelas mineradoras Vale, Samarco e BHP Billiton para realizar a reparação dos danos – houve a garantia da restituição do acesso à água.
Porém, quando questionada pelos atingidos sobre qual seria o modelo de fornecimento da água para produção hortifrutigranjeira e pecuária, a Fundação afirmou, em ofício, que “o pagamento da compensação financeira pela alegada perda de acesso a fontes de captação de água pelos atingidos [...] está em discussão no âmbito judicial e as manifestações e discussões sobre o tema se darão nos autos”.
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Ou seja, a Renova aguarda decisão judicial, dando a entender que não pretende restituir o direito à água para retomada dos modos de vida das pessoas. O assessor técnico da Cáritas Regional Minas Gerais, Geovane Assis, lembra que “dinheiro acaba, mas as pessoas vão precisar de água sempre. Mesmo com a decisão na Justiça com os valores de compensação não há reparação integral sem que a água seja restituída”.
Geovane afirma ainda que a Renova não comprovou qualquer inviabilidade técnica para garantir o acesso à água.
Reivindicação é antiga
Há mais de três anos, atingidas e atingidos têm cobrado soluções para a disponibilidade de água bruta para as comunidades de Bento Rodrigues, Paracatu de Baixo, Paracatu de Cima, Borba, Campinas, Camargos, Pedras e Ponte do Gama. Diante da falta de soluções, a Cáritas Minas Gerais criou, no final do ano passado, um grupo de base junto às comunidades atingidas.
Na primeira reunião, em outubro de 2020, a Fundação apresentou uma proposta de captação para abastecimento domiciliar que não representa uma solução para o caso, visto que a restituição da água bruta nas comunidades é uma necessidade e também um direito.
Após a segunda reunião, em novembro de 2020, a Fundação afirmou que o sistema para fornecer água bruta nos reassentamentos seria administrado pelo poder público, tentando se eximir das suas responsabilidades dentro do processo de reparação.
Em janeiro, a companhia de saneamento de Mariana se pronunciou informando via ofício que essa não é uma responsabilidade do município. “O SAAE-Mariana é competente apenas para gerir os sistemas de abastecimento de água potável e esgotamento sanitário, não possuindo competência, atribuições e corpo técnico para a gestão de água bruta”, diz o documento.
No encontro mais recente, em 25 de fevereiro de 2021, os atingidos propuseram a construção de ações que promovam avanços no fornecimento e distribuição da água bruta, uma vez que o momento atual das obras nos reassentamentos é o mais propício para instalação do sistema de distribuição.
As comunidades exigem a realização de uma reunião ampliada, ainda sem data prevista, com a participação dos atingidos; da Cáritas Minas Gerais, assessoria técnica independente; Prefeitura de Mariana; Ministério Público de Minas Gerais e Fundação Renova.
Os 43,8 milhões de metros cúbicos de rejeito tóxico despejados ao longo da bacia do rio Doce representam adoecimento e morte para as plantas, animais e pessoas às margens dessas águas que, antes do crime, eram fonte de vida. Estudos contratados pela Cáritas-MG e realizados pela Universidade Federal de Ouro Preto mostram que nas águas do rio Gualaxo do Norte, afluente do rio Doce, há contaminação por diversos metais pesados, como arsênio, chumbo, mercúrio e níquel, além de ferro e manganês.
Falta de água já é sentida na zona rural
Enquanto nos reassentamentos não há qualquer previsão de fornecimento de água bruta, na zona rural as famílias atingidas já sentem na pele a falta de água de qualidade para manter criações e plantações.
Em Ponte do Gama, por exemplo, há um poço artesiano feito em área contaminada com rejeito de mineração e sem análise da qualidade. O fornecimento de água chega por caminhão-pipa.
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“A avaliação que eu faço sobre a reparação do direito à água por parte da Renova é que está péssimo para nós, ainda não resolveu nada sobre o poço. A estrada aqui está péssima. Se continuar chovendo nos próximos dias a gente vai ficar sem água por falta de acesso à comunidade", afirma Maria da Conceição Santos de Paula, atingida de Ponte do Gama.
Em Camargos, existem estudos sobre a viabilidade do fornecimento de água potável feitos pela Renova, mas apesar da promessa da Fundação de garantir uma infraestrutura adequada para o abastecimento, as famílias enfrentam diversos problemas com encanamentos cuja manutenção é realizada de forma improvisada pela própria comunidade. A Renova informou que faria captação em nascentes e perfuração de poços, mas essas obras nunca foram executadas.
Texto da Cáritas MG
Edição: Larissa Costa