Zema está entrando para a história pelas cartas que não assina
O governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) é um cara morno. Desses que Deus, como está no livro do Apocalipse, promete vomitar no Juízo Final. Para Deus e os homens, não há nada pior que pessoas que não são quentes nem frias. Num tempo de tanta polarização, divisão, conflagração e disputa, o governador prefere não ter lado. Como se isso fosse possível. Ele participa de reuniões com seus pares e depois se nega a seguir a decisão da maioria. Ou, o que é pior, não tem força pessoal para romper com o consenso e defender sua posição de forma altiva. Prefere ser morno, sem sal, sem graça e sem coragem. Está entrando para a história pelas cartas que não assina.
A gravidade da situação social, política e sanitária brasileira tem criado vários momentos de busca de união de forças em diferentes setores da sociedade e do Estado brasileiro. No caso dos governadores, levou a criação de um fórum que tem se reunido para tratar de assuntos comuns, o que é uma característica salutar do federalismo, sobretudo no que diz respeito à relação com o governo federal na divisão de tarefas e recursos públicos. Zema tem participado dessas reuniões e, invariavelmente, não firma seu nome ou a posição de Minas ao final dos trabalhos.
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O mais recente negaceio do governante se deu no dia 29, quando se recusou a assinar o documento de seus colegas de outros estados, que repudiava as agressões e a produção de fake news pelo governo federal. A carta teve a chancela de 16 governadores, inclusive de bolsonaristas-raiz (como o governador goiano Ronaldo Caiado), algo que o morno Zema sequer alcança. Ele prefere ser quase bolsonarista (não por convicção, mas por medo) e acaba se afirmando como quase governador. Um atributo dos mornos de alma.
A carta traz denúncias graves, como a tentativa de criação de clima para motins nas polícias militares, acentuando o risco de instabilidade institucional nos estados. O caso da morte de um policial em Salvador, depois de um surto psicótico, teve seu alcance deturpado pelos grupos extremistas de direita, interessados em criar ambiente para golpe. Os governadores denunciam a manipulação de informações e a indústria de fake news comandada do alto, e pedem paz para trabalhar no combate à pandemia e na recuperação da economia.
Zema deu como justificativa para sua postura negacionista – o que vem se tornando um padrão – o interesse em não acentuar divisões, defender mais ações e menos palavras e, sobretudo, “deixar os embates políticos em segundo plano”. Em outras palavras, ofende o governo como instituição, a administração pública como construção coletiva, e a política território da democracia. Nada menos que os pilares que deveriam sustentar o trabalho para o qual foi eleito.
Zema está entrando para a história pelas cartas que não assina
O governador vem assumindo essa postura não é de hoje. O histórico de suas escapadas da responsabilidade em se manifestar em questões públicas tem se repetido desde que foi eleito. Para ficar apenas na atuação tíbia frente aos outros governadores, o mineiro deixou de se posicionar em casos de interesse dos estados em pelo menos outras seis ocasiões. Sem falar da igual fraqueza quando se tratava de se contrapor aos interesses do capital predatório e criminoso, como no caso das mineradoras, por exemplo.
No caso do afastamento de Zema de outros governos estaduais, é bom destacar que foram sempre situações geradas por temas de grande significação pública, da defesa da educação ao repasse de recursos para a saúde, sem falar da crise da economia e da defesa da democracia. Assuntos que levaram a manifestações coletivas dos governadores, em forma de cartas, manifestos e notas de repúdio, dos quais Zema se eximiu de marcar posição. Reparem: nem contra, nem a favor. Morno.
Guardou mais uma vez a caneta no bolso
Em 26 de março de 2020, depois de uma reunião por videoconferência da qual participaram 26 governadores, foi divulgada uma carta que destacava o momento de crise pela qual passava o país com a pandemia e cobrava ações do governo federal. De todos os mandatários que participaram do encontro, apenas dois deixaram de aderir ao documento final: Zema e coronel Marcos Rocha (PSL), de Rondônia. Quando o comportamento genocida do presidente já mostrava as garras (inclusive ameaçando os governadores que anunciavam medidas restritivas), Zema propôs nova redação da carta, deixando de lado a pandemia para valorizar a dependência dos estados no enfrentamento da dívida pública.
No dia 19 de abril do mesmo ano, menos de um mês depois, o governador mineiro passa batido em mais uma questão relevante, desta vez a defesa da democracia. Depois do ataque de Bolsonaro aos presidentes do Senado e da Câmara, foi divulgada a “Carta aberta à sociedade brasileira em defesa da democracia”, firmada por 20 governadores. O presidente havia participado de atos antidemocráticos contra o Congresso e o STF e assacado contra as presidências do Congresso. Zema voltou a falar da crise econômica de Minas, como quem afiança seu apoio constrangido, confiando que assim o estado mereceria, quem sabe, a boa vontade federal. Não foi uma chantagem, mas uma expressão de pequenez.
Em 21 de junho do ano passado, depois da saúde, da economia e da democracia, foi a vez do governador de Minas fazer feio na educação. Zema recusou, ao lado de outros seis governadores, a assinar a “Nota pública em defesa do Fundeb”, o principal recurso de financiamento da educação pública no Brasil. Para fazer justiça ao mineiro, dessa vez ele não apenas fugiu da responsabilidade, mas manifestou sua opinião sobre o tema. O que o deixou ainda pior na foto. Zema desprezou a garantia do financiamento público permanente em nome de um voucher a ser negociado com o setor privado. A cara do Novo.
O governador mineiro não está isolado apenas de seus pares, mas da saúde pública, da educação de qualidade e da democracia
Já em 2021, no primeiro dia de março, foi a vez de não assinar uma nota pública de repúdio firmada por 18 governadores, que criticava a declaração de Bolsonaro sobre repasses de recursos para a saúde aos estados, sugerindo mau uso pelos mandatários estaduais. O documento confundia repasses constitucionalmente obrigatórios para o setor com novas alocações, distorcendo propositalmente as informações, com uso de instrumentos de comunicação oficiais. Em outros termos, o governo federal pagava para mentir e jogar a população contra os governos estaduais, sobretudo os que adotaram medidas responsáveis de isolamento social. Zema foi o único governador da região Sudeste a não colocar o jamegão na carta.
Poucos dias depois, em 4 de março, o governador de Minas ficou de fora de outro documento que teve adesão de 14 governadores. Destacando a gravidade da situação da pandemia, em termos de falta de leitos e surgimento de novas variantes do vírus, o documento cobra a agilização na compra de vacinas de diferentes fabricantes. E alerta: “Se não tivermos pressa, o futuro não nos julgará com benevolência”. Zema parece não ter pressa nem espera pela benevolência do porvir. Guardou mais uma vez a caneta no bolso.
Em 24 de março, foi a vez de dizer não à renda mínima e à dignidade do cidadão brasileiro espremido entre a crise sanitária e o desemprego. O governador do Novo mostrou seu DNA empresarial e fiscalista ao se negar a assinar ao lado de 16 pares de outros estados - apoiando centenas de entidades e sindicatos que defendem a renda básica a todos os brasileiros - , a defesa do auxílio emergencial nos mesmos valores do ano passado, de R$ 600.
A proposta do governo Bolsonaro reduz para R$ 150 a R$ 375 o auxílio, dependendo do tipo de estrutura familiar contemplada. A proposta dava conta da necessidade de preservar a saúde fiscal, mas sem a sobrepor às necessidades prementes da sobrevivência dos brasileiros e mesmo das relações econômicas em larga escala, como tem sido feito em todos os países que apostam na retomada da economia com participação estratégica do Estado. A carta foi dirigida aos presidentes da Câmara e do Senado, não a Bolsonaro. Mas para Zema, tanto faz.
O governador mineiro não está isolado apenas de seus pares, mas da saúde pública, da educação de qualidade e da democracia. Em resumo, de tudo que vale a pena. Não devemos esperar o juízo final para que Deus vomite os mornos. A tarefa é do povo. E urgente.
Edição: Amélia Gomes