Moradores das comunidades Barreirinho e Rio das Pedras/Barra denunciaram publicamente, no último mês, que estão sofrendo ataques violentos por parte de profissionais contratados na zona rural de Prata, no Triângulo Mineiro.
Uma nota, escrita por eles e divulgada nas redes sociais, descreve que as cercas dos lotes foram arrancadas, a energia cortada, as estradas bloqueadas e as plantações destruídas. As comunidades denunciam ainda que ameaças de morte e de agressões vêm sendo feitas desde o ano passado.
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As mais de 30 famílias, que vivem no local há dez anos – e, atualmente, lutam na justiça pelo usucapião da terra – relataram que funcionários da empresa de segurança contratada pelos donos da fazenda aterrorizam os posseiros com facões, cães pitbull, rondas noturnas e disparos de armas. Segundo as lideranças locais, as perseguições se iniciaram em dezembro de 2020 e se tornaram recorrentes nesses primeiros meses de 2021.
Marilda Ribeiro, advogada dos posseiros, afirmou ao Brasil de Fato MG, que a empresa Canabrava Agropecuária Ltda, proprietária das terras, até hoje não ajuizou ação para a retirada das famílias e que a discussão judicial é sobre usucapião. Para proteger os posseiros, a advogada ajuizou um Interdito Proibitório, que foi aceito pela Justiça, no último dia 11, gerando uma liminar que proíbe a entrada de Mario Renato Palmério Assumpção, um dos donos da empresa, e de seus funcionários na área. Mario Renato é acusado pelos posseiros de ser o mandante das agressões.
Ataques aos moradores
No dia 12 de março, nove posseiros ficaram feridos pelos profissionais da empresa de segurança. Enquanto as vítimas prestavam depoimento na delegacia da Polícia Civil de Prata, dois moradores idosos tiveram suas casas incendiadas. No dia 10 de abril, mais uma casa foi queimada na comunidade Barreirinho. Além dessas ações, os posseiros relatam que até a água utilizada para consumo na área teria sido envenenada.
Alguns agressores foram identificados pelo delegado da cidade de Prata, prestaram depoimento à polícia e foram liberados. Após o ocorrido, um trator do tipo pá carregadeira foi colocado no lote vizinho aos posseiros para, conforme os moradores, amedrontar a comunidade.
Nove posseiros ficaram feridos por profissionais de empresa de segurança
As famílias passaram a viver na área em 2011 e hoje estão organizadas em duas comunidades, que vivem do plantio de milho, mandioca, bananas, da criação de porcos e galinhas. Em entrevista para o Brasil de Fato MG, os posseiros – que por motivos de segurança preferem não se identificar - denunciam que os capangas contratados estão gradeando toda a área, até mesmo a estrada que dá acesso às áreas das famílias. Os moradores permanecem reunidos em apenas um lote, sem acesso às moradias e aos animais que sobreviveram desde o início dos ataques.
História
Os imóveis são de propriedade de uma empresa chamada Canabrava Agropecuária Ltda, que faliu devendo impostos à fazenda pública, segundo nota da comunidade. Segundo os moradores, a área total da fazenda chega a quase 3 mil hectares, sendo que a área ocupada pelas duas comunidades soma 381 hectares. O Brasil de Fato MG entrou em contato com a empresa para comentar as denúncias, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
A Canabrava Agropecuária pertence à família Palmério Assumpção e, segundo um dos moradores da comunidade, que por motivos de segurança não pôde se identificar, o responsável pela contratação dos capangas é Mario Renato Palmério Assumpção. As ações teriam o objetivo de destruir as provas de que os posseiros ocupam a área há tempo suficiente que lhes garantiriam a posse por usucapião.
A família Palmério Assumpção é reconhecida por fundar a instituição de Ensino Universidade de Uberaba (Uniube). No entanto, em nota, a Uniube apontou que Mário Renato Assumpção, denunciado pelos posseiros, não possui nenhum vínculo com a instituição. No entanto, sua mãe, Marília Palmério Assumpção, é uma das pessoas associadas à universidade e também fundadora da Agropecuária Canabrava.
Rogério Zeidan, advogado de Mário Renato Palmério de Assumpção, afirma que as áreas onde ocorreram os recentes conflitos nunca tiveram a posse permitida. Segundo ele, em janeiro, Mário Renato Palmério de Assumpção locou trator, transporte e contratou mão de obra para realizar os serviços de delimitação de todas as áreas de preservação permanente (APP) nas terras e iniciar o plantio de grãos na área não ocupada pelos posseiros.
Segundo Rogério Zeidan, Mário Renato Palmério de Assumpção e seus trabalhadores foram impedidos e ameaçados pelos posseiros por retirar as cercas de arames. E, em uma segunda tentativa de retirada das cercas, houve confronto violento entre as partes, causando lesões corporais em Mário Renato Palmério de Assumpção, que teria agido em legítima defesa. Por conta do confronto e dos prejuízos, o proprietário contratou o serviço de segurança privada.
Outros conflitos na região
Confrontos por terra são comuns no Triângulo Mineiro. Desde 2019, Jairo dos Santos Pereira, integrante do Conselho do Programa de Proteção aos Direitos Humanos e também coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), aponta que ocorreu uma intensificação dos casos de violência no campo.
Jairo cita o caso do acampamento Arco-íris, composto por cerca de 60 famílias, que resiste há 12 anos na fazenda Gurinhatã, que leva o mesmo nome da cidade. Em dezembro de 2020 e janeiro de 2021, jagunços atearam fogo em 20 barracos e, desde então, fazem ameaças constantes às lideranças da ocupação. A fazenda usina Gurinhatã já foi objeto de decreto de desapropriação e o governo federal não executou.
Na cidade de Fronteira, a ocupação periurbana Beira-rio, do MTST, está com sua principal liderança ameaçada de morte. Em janeiro de 2021, ameaças foram reiteradas por pistoleiros da região e a casa da liderança da comunidade foi cercada.
Um Interdito Proibitório foi aceito pela Justiça proibindo a entrada de proprietários da empresa na área da comunidade
Outro conflito na região, acontece na Comunidade Quilombola Serrinha, em Frutal. Cerca de 8 famílias estão constantemente sob ameaças. Em 2020, uma das casas da comunidade foi derrubada a mando do grileiro da área. A disputa por essa terra já dura mais de 80 anos. A ocupação Beira-rio tem 138 famílias em área rural e 200 famílias em área urbana. Apesar de já serem reconhecidas como comunidade quilombola pela Fundação Palmares, ainda aguardam regularização das terras pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA).
No distrito Aparecida de Minas, também em Frutal, a comunidade de pescadores tradicionais Rio Grande, composta por cerca de 20 famílias, foi invadida por um sujeito com ligações com a milícia local que espancou covardemente um idoso. De acordo com a investigação. Em todos esses casos, Jairo aponta que as pessoas ameaçadas estão incluídas no programa de proteção aos defensores de direitos humanos.
Edição: Elis Almeida