A hidrelétrica Risoleta Neves, conhecida como Candonga – instalada no Rio Doce, em Minas Gerais – está há cinco anos, desde o rompimento da barragem de Fundão, desligada sem gerar nada de energia. Mesmo assim, o consórcio Aliança responsável pela usina (formado pela Vale, que tem maior participação, e pela Cemig) já recebeu R$ 424 milhões do governo federal, vindos do chamado Mecanismo de Realocação de Energia autorizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
O Mecanismo de Realocação de Energia é um movimento financeiro de compartilhamento dos riscos associados a todas as usinas brasileiras, ou seja, uma espécie de seguro, que os consórcios donos das usinas recebem do governo federal, mesmo quando não há geração de energia, por exemplo em casos de redução do nível de água. Esse dinheiro pago para a hidrelétrica, portanto, está integralmente sendo cobrado nas contas de luz do povo brasileiro.
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Um escândalo nacional, pois a Vale é uma das donas da usina, empresa que também é proprietária da Samarco, responsável pelo rompimento da barragem de Fundão em Mariana, crime que inviabilizou a própria hidrelétrica. Isso quer dizer que os responsáveis pelo desligamento da usina de Candonga estão sendo “premiados” com milhões de reais, lucrando alto sem gerar energia, enquanto o povo está pagando pelo crime em Mariana.
Cabe destacar que a hidrelétrica de Candonga está localizada no início do Rio Doce e teve seu reservatório inundado por 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos vindos da barragem de Fundão em novembro de 2015. Quando a hidrelétrica foi construída, ela atingiu os municípios de Rio Doce e Santa Cruz do Escalvado, inundando toda a comunidade de Soberbo, que teve que ser reconstruída pela empresa. Ou seja, a população que vive na região onde está a usina foram impactados duas vezes na história.
Rejeitos
As obras de retirada de rejeitos do reservatório da hidrelétrica avançaram pouco desde o rompimento. Toda lama segue acumulada no fundo do lago da usina. Até hoje, foram retirados cerca de 900 mil metros cúbicos de rejeito na área mais próxima ao barramento. Passados cinco anos do crime da Samarco, Vale e BHP Billiton, em audiência pública realizada pelo órgão ambiental no ano passado, no dia 15 de outubro de 2020, as empresas apresentaram as possibilidades de retirada do rejeito.
A empresa defende a retirada mínima do rejeito, de cerca de 400 mil metros cúbicos, necessária apenas para que a usina volte a funcionar, mas que não permite outros usos que os atingidos querem fazer do lago. A previsão para o término da retirada dessa quantidade de rejeitos defendida pela empresa é novembro de 2022, mas todos os prazos fixados anteriormente foram descumpridos. Para retirada máxima do rejeito a previsão é de 17 anos.
Consórcio responsável pela usina de Candonga já recebeu R$ 424 milhões do governo federal
O valor usado nas obras de retirada do rejeito está sendo incluído nos gastos com a reparação dos danos gerados pelo rompimento de Fundão, feita pelo Fundação Renova, que recebe aportes financeiros da Vale e da BHP Billinton, controladoras da Samarco. Ou seja, o recurso da reparação aos atingidos está sendo usado pela empresa causadora do dano para consertar uma barragem que é dela própria.
R$ 1,45 bilhão em 17 anos
Se os repasses de valores ao consórcio dono da hidrelétrica continuarem de acordo com o Mecanismo de Realocação de Energia, os donos de Candonga, que são os mesmos “donos da lama”, podem ser beneficiados com cerca de R$ 1,45 bilhão, em 17 anos, se esse for o tempo para que a hidrelétrica volte a funcionar. Lembrando, mais uma vez, que esse valor já está sendo cobrado nas contas de luz.
Não bastasse todo esse processo de violação, com a maioria dos pescadores e garimpeiros tradicionais sem receber indenização até hoje, o consórcio Aliança e a Vale, donos da hidrelétrica, continuam recebendo valores referentes à geração de energia que não ocorre há cinco anos.
Se a usina estivesse funcionando teria sido produzido aproximadamente três milhões de megawatt hora (MW/h) de energia, o que seria suficiente para abastecer 290 mil famílias brasileiras ao longo de cinco anos. A usina de Candonga tem potência instalada de 140 MW e 66 MW médios: são três unidades geradoras, com potência instalada de 140 megawatts por hora, que consegue suprir o fornecimento de energia de uma cidade com cerca de 400 mil habitantes.
Vale, responsável pelo rompimento da barragem de Fundão, recebe por ter inviabilizado a própria hidrelétrica
No entanto, a usina não está gerando energia, mas recebe valores do governo federal como se estivesse gerando e vendendo para população a energia a R$ 10 por MWh. Os R$ 424 milhões que ela já recebeu é como se ela estivesse produzindo energia e vendendo a energia produzida a R$ 10 por MW/h, quer dizer que esses R$ 10 está sendo cobrado do povo.
Isso mostra que, na prática, são as famílias brasileiras que estão pagando, em suas contas de luz, a reparação do crime do rompimento da barragem de Fundão. Esse aporte financeiro para o consorcio dono da hidrelétrica é mais um crime cometido por essa empresa contra o povo brasileiro, em total acordo com a esfera federal do Estado brasileiro.
O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denuncia esse esquema perverso da Vale contra a sociedade e se coloca em luta para que não seja o povo brasileiro a pagar, em suas contas de luz, pelos crimes que a Vale comete.
Gilberto Cervinski e Letícia Oliveira são da coordenação nacional do Movimentos dos Atingidos por Barragens (MAB)
Edição: Elis Almeida