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O Garoto, o Velho e a Guitarra

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Ele nunca reclamou do seu trabalho. Mas, agora, aposentado, entrou para uma escola de música, para aprender tocar direito sua guitarra branca stratocaster, da fender - Créditos da foto: Reprodução
Seu maior sonho é solar Lanterna dos Afogados, dos Paralamas.

Ele era um velhinho boa praça. Tipo um boa gente, mesmo! Morava sozinho em Santa Tereza. Gordinho, daqueles que não faz dieta. Sua glicose quase sempre estava alterada. Ele era um apaixonado por rock brasileiro. Legião, Paralamas, Barão, Rita Lee, Titãs, Engenheiros, Mutantes, Celso Blues Boy, eram seus prediletos.

O seu pequeno apartamento, perto de onde nasceu o clube da esquina, parecia um estúdio de gravação. Tinha várias guitarras Fender e Gibson, um baixo e uma bateria. Legado da época que tinha uma banda de garagem. Seu sonho era fazer sucesso com a música. Acabou funcionário público do Banco do Brasil. Ele nunca reclamou do seu trabalho. Mas, agora, aposentado, entrou para uma escola de música, para aprender tocar direito sua guitarra branca stratocaster, da fender.

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Seu maior sonho é solar Lanterna dos Afogados, dos Paralamas. No prédio onde mora, ele tem um grande amigo, o Tales. Um adolescente que mora só com o pai. E seu pai odeia rock. Acha uma música barulhenta. Só que Tales ama rock. Ouve o dia todo. Tales foi apresentado ao rock pelo seu Tadeu. Ele tinha cinco anos de idade. Seu Tadeu aplicou logo um grande guitarrista, o Wander Taffo. Foi paixão à primeira vista.

Tales tinha dado uma sumida de seu Tadeu, justamente por ciúmes do seu pai. Que falava: “aquele velho maluco está levando vc para o mau caminho”. Foram uns três meses sem falar com seu melhor amigo. Os dois estavam super angustiados.

O pai de Tales foi muito duro com ele. Cortou a mesada e a guitarra neste período. Guitarra que tinha ganhado do seu Tadeu. Uma Gibson estilo Slash.  Seu Tadeu estava muito triste com esta história de não poder conversar mais com Tales. Prometera que iria encarar o pai dele dia desses. Ficava treinando no espelho como iria encarar aquele homem forte e rude e de poucas palavras.

Nestes vinte anos morando no mesmo prédio, eles pouco conversaram. Só conversaram no dia do enterro das mulheres. Os dois eram viúvos. Não tinham quase que parentes e o que ligava os dois eram a solidão e o Tales.

Numa madrugada fria e chuvosa seu Tadeu observa da janela luzes vermelhas de ambulância. Por alguns segundos fixou seu olhar para fora do prédio, para saber o que se passava com aquela ambulância estacionada em frente. Como não sabia o que estava acontecendo, resolveu ir até a portaria e perguntar ao porteiro:

- Seu Edinho, tudo bem? O que esta acontecendo?

- O pai do Tales sofreu um infarto e está sendo levado para o hospital.

Seu Tadeu não pensou duas vezes. Correu até o apartamento do Tales.

- Tales, meu filho, vc está bem?

- Sim, estou. Papai é que não está nada bem.

Seu Tadeu se aproxima do pai do Tales, deu-lhe a mão e falou baixinho:

- Vai ficar tudo bem. Fique tranquilo. Vou cuidar do Tales. Ele respondeu com um pequeno sorriso e um olhar de gratidão.

Passados dois meses no hospital em que ele operou do coração, estava muito bem e pediu ao Tales que chamasse seu Tadeu para uma visita. Tales nem acreditou no que escutou. No mesmo dia avisou o senhor Tadeu, que correu até o hospital. Chegando, foi logo abraçando o pai de Tales. Os dois conversaram horas e horas a fio. Deram gargalhadas, falaram sobre suas mulheres, Lula, futebol, churrasco e feijoada. Mas o que mais surpreendeu foi a confissão do pai do Tales.

- Seu Tadeu, vou lhe confessar uma coisa.

 - O quê?

- Eu amo rock.

– O quê?

- Amo rock!

- Me ensina o solo de Lanterna dos Afogados...

Rubinho Giaquinto é covereador da Coletiva em Belo Horizonte.

Edição: Elis Almeida