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Paulo Guedes, o enganador

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Ministério da Saúde errou muito, mas a economia não ficou para trás. Guedes foi tão danoso quanto Pazuello - Créditos da foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Guedes é prepotente com a China e vira-lata com os Estados Unidos

Uma pessoa ser conhecida como “posto Ypiranga” já é em si uma avacalhação. O apelido respondia pelo fato de o candidato Bolsonaro não entender – orgulhosamente – nada de economia e por isso escalar alguém para responder por ele. O que parecia uma piada infeliz, na verdade era apenas a cortina de fumaça para conquistar o apoio do autodenominado “capital”. Guedes surgia como a garantia que o mercado cobrava para dar apoio ao presidente.

Sua trajetória no mercado financeiro e como coadjuvante nas políticas ultraliberais nas últimas décadas, além de sua filiação à escola de Chicago, pareciam sedimentar sua ambição como nome de ponta da defesa do livre mercado. Considerado desde sempre um nome menor entre os economistas, o Chicago boy juntava sua verve rasteira na defesa dos valores da iniciativa privada com seguidos ataques ao papel do Estado e às políticas públicas e distributivistas.

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Nunca teve apego à democracia, seguindo a fórmula da ditadura chilena de mais liberdade na economia às custas do autoritarismo na política. A linha-dura não era um desvio, mas âncora estratégica para garantir os interesses do mercado sem a pressão social da expansão de direitos sociais e trabalhistas. Uma equação armada com entreguismo na economia, destruição do Estado e retirada de direitos.

Com uma folha-corrida tão explícita, no entanto, Paulo Guedes conseguiu enganar muita gente, por muito tempo. Não contou só com sua arrogância pessoal, mas com o apoio destacado da mídia corporativa. Na fábula inventada pelo jornalismo familiar, o governo eleito teria à frente uma aberração que defendia torturadores, cercada de um trio composto por fanáticos de extrema direita, militares disciplinados e representantes da ala racional (Moro e Guedes como ícones).

Dadas as cartas do antipetismo e a prisão de Lula, a aventura eleitoral valia o risco de confiar no posto Ypiranga e no justiceiro de Curitiba, com o revés de conviver com olavistas, terraplanistas, incompetentes de toda ordem e militares despreparados. Paulo Guedes trazia com ele várias missões, entre elas completar o desmonte dos direitos trabalhistas, acelerar as privatizações e retirar do Estado seu papel estratégico. O monstro domesticável vinha de contrapeso. A eleição não havia escolhido um presidente detestável, mas um “sistema”.

Princípios do ministro são o entreguismo na economia, a destruição do Estado e a retirada de direitos

Guedes sempre foi um enganador. A pandemia transformou suas mentiras em risco para os brasileiros, tanto pela bancarrota da economia quanto pela sobrevivência pessoal. A crise sanitária e suas consequências sociais afetaram a economia global. Todos os países perceberam que a única forma de retomar a normalidade era enfrentar o flagelo com as armas disponíveis em duas frentes: ações econômicas, como garantia de renda, emprego e funcionamento das empresas; e as ações sanitárias (testagem, tratamento e vacinação e informação).

O governo federal virou as costas para o desafio que precisava enfrentar nos dois campos. Preferiu separar o que nasceu unido: economia e saúde, passando à frente uma noção equivocada de economia como abertura irresponsável dos negócios, com o risco dos trabalhadores e consumidores. Não se atentou para a preservação da massa de empregos ou saúde das empresas que precisavam atravessar o deserto da pandemia com atitudes corajosas na contramão do mercado em tempos de prosperidade. O Ministério da Saúde errou muito, como os números de casos e mortes evitáveis comprovam dramaticamente a cada dia. Mas a economia não ficou para trás.

Tão danoso quanto Pazuello

Guedes foi tão danoso como Pazuello. Contribuiu com a escalada de mortes em razão da falta de recursos para vacinas. Trouxe de volta números degradantes de miséria que pareciam superados. Por causa dele os brasileiros ficaram mais pobres, o emprego despencou, as empresas fecharam as portas, a inflação dos alimentos disparou. O auxílio emergencial só vingou por causa do Congresso e foi seguidamente bombardeado pelo governo até sua extinção.

A pandemia transformou o ultraliberalismo em um mito equivocado. Sem o Estado, nesse momento, não há saída possível. Só Guedes parece se aferrar aos princípios que inspiraram os anos 1990 e insiste em fazer frente ao caos com mais caos e egoísmo. Opera para retirar do Estado suas funções de regulação e investimento; anuncia privatizações inconsequentes, como a dos Correios (uma entrega dadivosa aos gigantes do comércio eletrônico que ficarão ainda mais ricos); abre mão da tarefa de planejar aceitando o cancelamento do Censo como se tivesse sido pego de surpresa.

Há coerência nessa história bolsonorista, pazuellista e guedista: uma visão de mundo que despreza as pessoas

No campo propriamente sanitário, o ministro da economia não reservou recursos para compra de vacinas quando isso era viável. Não investiu na produção nacional. Criou indisposição com o principal parceiro, a China, com argumentos infantis, desrespeitosos e ideológicos. Ao elogiar a vacina americana de Pfizer (na verdade turco-alemã) como triunfo do mercado, revela sua própria ineficiência em incentivar as pesquisas brasileiras e a dependência atual de fornecimento estrangeiro. Prepotente com a China, vira-lata com os Estados Unidos.

Não foi outra sua avaliação do SUS. Além dos cortes no orçamento para o setor durante a maior crise sanitária da história brasileira, Guedes tem defendido que o cidadão não fique refém da saúde pública e possa optar por assistência suplementar via planos, seguros ou mesmo por voucher. Sua incompreensão do que seja saúde pública e o SUS, mesmo em tempos de pandemia, é uma forma de cegueira voluntária que só enxerga oportunidade de negócios, até mesmo na dor.

Como a incompetência sempre rima com a maldade e o desprezo humano, Guedes ataca até mesmo as políticas previdenciárias, culpando o envelhecimento da população pelo estado deplorável das contas mal administradas. Há mesmo certa coerência nessa história bolsonorista, pazuellista e guedista em enfrentar a covid-19 como manifestação de uma visão de mundo que despreza as pessoas em favor das condições materiais. A queda da expectativa de vida do brasileiro não é uma tragédia que veio com a pandemia, mas uma conquista do governo. Finalmente, a economia passou à frente da vida.

Edição: Elis Almeida