Diante da crise econômica, social e sanitária que assola o país, a situação da classe trabalhadora está cada dia pior. São mais de 14 milhões de desempregados, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, divulgados no final do mês de março. Outra pesquisa, realizada pela Universidade Livre de Berlim, em parceria com pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Universidade de Brasília (UNB), aponta que 13,6% dos brasileiros com mais de 18 anos passaram pelo menos um dia sem refeição durante a pandemia.
Em Belo Horizonte, trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (Suas) sentem no dia a dia o aumento da necessidade da população por políticas públicas que minimizem os efeitos do empobrecimento e do desemprego.
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“Essa demanda é evidente e percebemos através do próprio público que acessa os programas vinculados a assistência social, entre eles o Cadastro Único de programas sociais, além da demanda por cesta básica que aumentou de forma significativa. Isso, sem dúvida, configura uma forma clara de expansão da pobreza”, avalia Paulo Machado, diretor do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel).
Ele se refere aos atendimentos nos equipamentos do Suas, como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e os Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas).
Para Olga Aquino, do Fórum Municipal de Trabalhadores do Suas de Belo Horizonte, desde a reabertura dos equipamentos – que ficaram com atendimentos presenciais interrompidos de março a outubro do ano passado – tem chegado famílias que antes não faziam parte do público da assistência social.
A média de atendimentos mensal nos Cras e Creas é de 23 mil famílias
“A pandemia não traz só agravamento em saúde. As particularidades socioeconômicas e políticas brasileiras trazem um agravamento gigantesco nos aspectos sociais. E vivemos tempos de desmonte das políticas de proteção social, de desmonte da política de seguridade social, que em um momento como este seriam fundamentais e dariam condições da classe trabalhadora ter o mínimo de sobrevivência”, aponta.
Renda básica em BH
Um projeto de lei, apresentando em abril pela Gabinetona – composta pelas vereadoras do PSOL Bella Gonçalves e Iza Lourença – pretende inserir a previsão de um benefício de R$ 600, concedido a famílias em situação de pobreza e extrema pobreza, por um período de seis meses, prorrogáveis em caso de extensão do período de calamidade pública gerada pela pandemia da Covid-19.
A proposta altera a Lei 10.836/2015, que dispõe sobre a Política de Assistência Social no Município e institui o Sistema Único de Assistência Social de Belo Horizonte (Suas). O projeto também foi assinado pela bancada pela bancada do PDT e pelo vereador Gilson Guimarães (REDE) e ainda será debatido no plenário.
Governo federal tem atraso de um ano de famílias cadastradas que aguardam para receber o primeiro benefício
Segundo levantamento das vereadoras, mais de 35% das famílias inscritas no CadÚnico, de Belo Horizonte vivem com menos de R$ 89 mensais por pessoa e quase 10% têm de R$ 89,01 até R$ 178 mensais por pessoa. São quase 80 mil famílias em situação precária.
O Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte, publicou no último dia 4 no Diário Oficial do Município, uma recomendação ao poder executivo municipal de instituição da renda básica emergencial e/ou permanente no município, como forma de enfrentar as “situações de pobreza e extrema pobreza, agravados em decorrência dos impactos que a pandemia de covid-19 têm ocasionado às famílias e indivíduos em contextos de vulnerabilidade e risco social”.
Em nota, a prefeitura afirma que “não há previsão de substituir as funções dos governos federal e estadual, considerando as corresponsabilidades dos diversos entes federados estabelecidas no pacto federativo”. Além disso, afirma que as famílias belo-horizontinas já “estão inseridas no auxílio emergencial, no maior programa de transferência de renda Bolsa Família e no Benefício de Prestação Continuada (BPC Loas)”.
CadÚnico
Conforme levantamento da Prefeitura de Belo Horizonte PBH, a média de atendimentos mensal nos Cras e Creas é de 23 mil famílias. No Cadastro Único (CadÚnico), são inscritas 177 mil famílias na cidade. Apesar da prefeitura não ter enviado à reportagem o número de atendimentos anterior à pandemia, o que Paulo comenta é que, no último ano, foi visível a maior procura pelo serviço de cadastramento.
“Há uma grande quantidade de pessoas aguardando a inclusão no CadÚnico, porém, a quantidade de profissionais é insuficiente para atender esse público. Além disso, é importante ressaltar que o governo federal está com atraso, há famílias que realizaram o cadastro e estão aguardando há cerca de um ano para receber o primeiro benefício”, afirma.
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O Cadastro Único existe há mais de 19 anos e é um dos principais instrumentos de acesso a políticas e programas sociais no país. É através dele que as famílias brasileiras de baixa renda são caracterizadas e identificadas, podendo ser beneficiadas por políticas nacionais, como o Bolsa Família, ou por iniciativas municipais, como as cestas básicas e acesso ao desconto nos restaurantes populares.
Em Belo Horizonte, as ações de inserção e atualização cadastral no CadÚnico são executadas nos Cras e nas nove regionais da cidade, por meio das Diretorias Regionais de Assistência Social. Os usuários fornecem as informações que são registradas pelos entrevistadores, no entanto, em janeiro deste ano, o governo federal anunciou mudanças no CadÚnico, que poderá ser executado por autocadastramento via aplicativo de celular.
“Cesta básica não é suficiente para resolver o problema da fome"
Para o Conselho Municipal de Assistência Social de Belo Horizonte, essa proposta representa a robotização e desqualificação dessa tecnologia social, podendo trazer sérios problemas para as famílias assistidas.
“O atendimento por um entrevistador social para entender as necessidades sociais do usuário e de sua família, contribui com a inclusão social dela, pois garante o direito à informação, orientação e acesso às ações de proteção social desenvolvidas pelo Suas e pelos programas sociais que se utilizam dessas informações. Além disso, o atendimento via ‘robô’ não possibilita o esclarecimento de dúvidas e apoio para correção de informações incorretas, o que pode acabar por fazer com que a família fique fora do CadÚnico”, diz nota do Conselho, divulgada em abril.
Iniciativas
A Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania (Smasac), em nota, afirma que desde março de 2020 têm oferecido às famílias de estudantes e população de baixa renda cestas básicas, além da alimentação a baixo custo nos restaurantes populares. No período, foram distribuídas 3,4 milhões de cestas básicas, totalizando 66 mil toneladas de alimentos, além de 580 mil kits de higiene. Além disso, a prefeitura afirma que, a cada mês, 275 mil famílias são beneficiadas.
As cestas são compostas por 12 itens (arroz, açúcar, feijão, fubá, dois tipos de macarrão, sal, óleo, farinha de mandioca, leite em pó, extrato de tomate e sardinha). Já os kits de higiene são compostos por 8 sabonetes corporais, 2 litros de cloro e 10 sabões em barra. O Banco de Alimentos também segue em funcionamento, ofertando alimentos in natura para complementação de refeições. Até o momento foram distribuídas 350 toneladas de alimentos.
Apesar das medidas da prefeitura serem importantes para a população, ainda são insuficientes para garantir segurança alimentar para as pessoas em situação de vulnerabilidade social e, mais ainda, para garantir proteção social a esses setores. A avaliação, da assistente social Olga Aquino, é que a PBH se destaca nas políticas públicas perante a inoperância e da ineficiência do governo federal. Para ela, a prefeitura pode e deve fazer mais.
“Cesta básica não é suficiente para resolver o problema da fome. Para mim, o principal ponto que Belo Horizonte precisa avançar, e é urgente, é no oferecimento de uma renda básica emergencial. A gente precisa garantir que a população mais pauperizada, que é a classe trabalhadora, tenha acesso ao mínimo de renda para que ela tenha condições de fazer isolamento, de manutenção da família”, avalia. Segundo Olga, Belo Horizonte é a única capital do sudeste que ainda não avançou no debate sobre a renda mínima emergencial para o enfrentamento da pobreza e extrema pobreza, agravadas pela pandemia.
Edição: Elis Almeida