Minas Gerais

UBERLÂNDIA

Artigo | Uberlândia precisa de Renda Básica Municipal Já!

Em Uberlândia, a cesta básica corresponde a 47,95% da renda mensal para muitas famílias

Belo Horizonte | Brasil de Fato MG |
Movimentos pedem por Renda Básica Emergencial Municipal - Créditos da foto: Amanda Castro

Há 61 anos Carolina Maria de Jesus, célebre poetisa, escrevia em seus diários sua realidade enquanto mãe, negra, favelada. Um de seus relatos mais comoventes fala sobre a fome, uma dor em comum a tantos: “A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago”.

Com a crise sanitária e desastre econômico dos últimos seis anos, o Brasil mergulhou novamente no retrocesso. O aumento nos índices de carestia fez o país retornar ao Mapa da Fome da ONU, de onde havia saído em 2014. Consequentemente, os relatos de Carolina se tornaram atuais para milhões de pessoas.

:: Receba notícias de Minas Gerais no seu Whatsapp. Clique aqui ::

“O que eu vou comer amanhã?”, pergunta Maria Aparecida da Cruz Silva, representante da Cozinha comunitária do assentamento Maná, em Uberlândia, organização popular que alimenta mais de 300 famílias. Dona Maria ressalta: “Estamos jogados”. Mãe de sete filhos, ela e sua família sobrevivem com um salário mínimo do esposo. Assim como ela, 116 milhões de brasileiros vivem na incerteza do como vão sobreviver amanhã, conforme mostra o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar da rede PENSSAN.

A fome é resultado de um governo que não coloca o povo como prioridade. Em Uberlândia, houve uma queda considerável no orçamento destinado ao desenvolvimento social, o que impacta diretamente na vida de milhares de famílias assistidas pelos programas governamentais.

Para elucidar, se na Lei Orçamentária Anual de Uberlândia de 2020 foram destinados R$ 100.463.000,00 para a Secretaria de Desenvolvimento Social, Trabalho e Habitação, que é o setor responsável por implementar as ações de distribuição de renda, em comparação para este ano foram R$ 86.564.000,00. Ao mesmo tempo, o valor destinado à secretaria de Governo e Comunicação em 2021 foi de 40 milhões de reais, um aumento de cerca de oito milhões se comparado à 2020.  

Os cortes na secretaria responsável por ações de assistência social num contexto de pandemia e o aumento no repasse para comunicação institucional dizem sobre as prioridades da administração municipal.

“Quem tem fome tem pressa”

A vida do trabalhador e trabalhadora nunca foi tão difícil. Basta ir ao supermercado e andar pelos corredores para sentir os impactos da crise. Até mesmo o arroz com feijão, prato tradicional brasileiro, se transformou em artigo de luxo; o saco de arroz ultrapassa os 30 reais em alguns supermercados. 

Se o salário mínimo atual é de R$ 1.100, 00, em março o preço médio da cesta básica na cidade foi R$ 527, 48, de acordo com o CEPES- UFU, centro de estudos, pesquisas e projetos econômicos-sociais da Universidade Federal de Uberlândia. *Isto significa que para famílias de quatro pessoas, que vivem com um salário, o custo da alimentação comprometeu 47,95% da renda mensal. Para famílias numerosas como a de Maria Aparecida, com sete filhos, a situação é mais dramática.

Luís Bertolucci Júnior, economista e coordenador do CEPES-UFU, revela que embora os preços de aluguel, itens de higiene, e de cobranças de água e energia venham crescendo rapidamente na cidade, é o gasto com comida o que mais impacta os trabalhadores da classe C e D. “A alimentação nos últimos 12 meses cresceu de uma maneira espantosa, em torno de 18%. É isto o que mais pesa na estrutura de consumo das famílias mais pobres”

As pesquisas do CEPES concluíram que para uma família de quatro pessoas viver bem em Uberlândia precisaria de no mínimo uma renda mensal de 4.604 reais. Como esta realidade está longe da vivenciada no município, é preciso medidas imediatas para barrar a insegurança alimentar na pandemia. Luís Bertolucci defende que uma dessas medidas seria um complemento de renda municipal de, no mínimo, R$ 436,00 para evitar que milhares de pessoas na linha da miséria não caíssem ou continuassem em condição de indigência.

Cozinhas comunitárias, campanhas de solidariedade e doações vêm sendo únicas alternativas de combate à fome.

Para combater a miséria durante a pandemia, é necessário efetuar o pagamento de ao menos três parcelas de uma Renda Básica Emergencial Municipal, que seria disponibilizada às famílias contempladas por programas sociais como Bolsa Família e CadÚnico, pessoas desempregadas que não são assistidas pelo auxílio desemprego, entre demais critérios de vulnerabilidade social.

Precisamos de um lockdown sério, com ações que garantam a sobrevivência dos pequenos e médios comerciantes da periferia e com renda básica para que as pessoas possam ficar em casa se cuidando. Uberlândia chegou a estar por 50 dias com 100% dos leitos hospitalares ocupados, ter atingido 2.186 óbitos por covid-19 e a desigualdade na pandemia está afetando os mais pobres.

Enquanto o projeto tramita na Câmara desde o dia 24 de março, Dona Maria segue na esperança de dias melhores. Para ela e milhares de famílias uberlandenses resta esperar. Enquanto isso, as cinco cozinhas comunitárias dos movimentos sociais, com capacidade de produção de 2.000 marmitas e as campanhas de solidariedade e doações, como a Campanha de Solidariedade Periferia Viva, e doações da sociedade civil vêm sendo únicas alternativas na ausência de políticas públicas de combate à fome.

Dandara Tonantzin é vereadora em Uberlândia

Edição: Elis Almeida