"É necessário a criação de benefícios sociais que distribuam renda de forma definitiva"
A garantia da vida é o mínimo que se pode exigir do Estado brasileiro. O direito à vida é previsto no artigo 5º da nossa Constituição de 1988, e é considerado o mais fundamental entre todos os outros. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, um dos três instrumentos que compõem a Carta Internacional dos Direitos Humanos, adotada pelo Brasil, afirma que “o direito à vida é inerente à pessoa humana” e deve ser protegido por lei.
De um lado, a letra da lei não permite dúvidas sobre a responsabilidade do Estado na preservação da vida digna para todas e todos. Por outro lado, é concreta a dificuldade que o poder público, nas esferas federal, estaduais e municipais, tem em dar concretude à legislação. Os obstáculos, quase sempre, são “justificados” por limitações financeiras.
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Entretanto, o momento, marcado pela pandemia, que traz consigo o legado de 440 mil mortes e milhões de adoecidos em todo o país, exige outro entendimento e nova postura do poder público. Uma inversão de lógica que seja capaz de focar primeiramente na vida é fundamental e urgente.
As políticas públicas voltadas para os direitos humanos e sociais sempre foram (e ainda são) descritas comumente como “despesas”. Tudo aquilo que não gera receita é sempre classificado como custo e gasto. Assim são tratadas a saúde, a educação, a habitação, a segurança alimentar e tantas outras áreas que, juntas, criam as condições mínimas de vida digna aos cidadãos.
A universalização e a gratuidade de serviços essenciais para que os direitos básicos sejam garantidos ainda é um sonho perseguido pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores do Brasil. Parte significativa da população brasileira não tem moradia digna, água potável, esgotamento sanitário, acesso à saúde e à educação.
A pandemia de covid-19 não inaugurou a pobreza e a miséria no Brasil, mas a elevou a níveis assustadores
Estudos recentes do Instituto Trata Brasil, a partir de dados oficiais do Ministério de Desenvolvimento Regional, consideram que quase 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e 100 milhões não têm serviço de coleta de esgoto.
Dados anteriores à pandemia, organizados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2019, mostram que, no Brasil, apenas 20,3% das crianças e dos adolescentes de 4 a 17 anos tiveram o direito à educação respeitado. Segundo o relatório, 13,8% dos brasileiros de 4 a 17 anos que frequentavam a escola, não eram alfabetizados ou estavam em descompasso no quesito idade/série e 6,5% estavam fora da escola, o correspondente a mais de 2,8 milhões de crianças e adolescentes nesta situação.
Traçar um pequeno retrato das condições objetivas de vida do brasileiro até o início de 2020 é fundamental para que se entenda que a pandemia de covid-19 não inaugurou a pobreza e a miséria no Brasil, mas a elevou a níveis assustadores. Em 2019, já era público e noticiado pelos diversos veículos de comunicação os retrocessos em políticas públicas fundamentais, consequência dos cortes de recursos em áreas como saúde e educação.
Em 2019, 13,6 milhões de brasileiros viviam na extrema pobreza
O principal vetor destes cortes está localizado na Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, logo após o golpe no governo da presidenta Dilma Rousseff, com o congelamento nos investimentos em saúde e educação por 20 anos.
Direitos trabalhistas e previdenciários, programas sociais e de distribuição de renda, como o Bolsa Família, também foram fortemente atingidos naquele período. A redução das políticas públicas coincidiu com o encolhimento da economia, redução de empregos formais e crescimento da precarização do trabalho, caracterizado pela ampliação de atividades de prestação de serviços sem qualquer proteção social.
O resultado foi o aumento da pobreza e da miséria
Fazendo um recorte histórico a partir do início do século XXI, observa-se, segundo dados oficiais, uma acentuada queda da pobreza e da extrema pobreza no Brasil até 2014. Em 2015, a crise econômica começa a inverter de forma expressiva a tendência das curvas e leva ao crescimento da pobreza e extrema pobreza. A partir de 2016, 1,3 milhão de pessoas entraram na faixa da extrema pobreza, segundo dados do IBGE. O ápice foi verificado em 2019, com 13,6 milhões de brasileiros na extrema pobreza.
Era o Brasil retornando ao Mapa da Fome e aumentando as desigualdades sociais.
Belo Horizonte seguiu, em alguma medida, a tendência nacional. A redução da pobreza na capital mineira começou a se desenhar um pouco antes do que a do Brasil. Na última década do século passado e até 2010, Belo Horizonte reduziu acentuadamente a extrema pobreza, que caiu de 17,2% para 3,8% da população, ainda segundo o IBGE. A partir daí a cidade registrou números muito parecidos com os nacionais e seguiram em queda.
Mas a crise econômica de 2015 e as mudanças de diretrizes de gestão municipal alteraram a direção desta curva, tal como aconteceu no restante do país, situação que perdurou até 2019.
Projeto de lei estabelece a Renda Básica permanente para a população vulnerável de Belo Horizonte
Em março de 2020, eram 59.891 famílias na extrema pobreza em Belo Horizonte. E apesar do auxílio emergencial, concedido pelo governo federal por lei aprovada no Congresso Nacional, este número saltou para 61.734 em dezembro do mesmo ano. Importante ressaltar que o Brasil, segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas, conseguiu uma redução, de maio para junho de 2020, do número de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza de 8,8 milhões (4,2%) para 6,9 milhões (3,3%). Foram consideradas em situação de pobreza extrema famílias que vivem com menos de R$ 154 mensais por pessoa.
É evidente o retorno à miserabilidade após a interrupção do pagamento do benefício.
A pandemia da covid-19, que atingiu o Brasil no fim de março de 2020, certamente aprofundou a pobreza e a miséria. Embora ainda sejam aguardados os dados oficiais, projeções indicam 14 milhões de brasileiros na extrema pobreza no final de 2020. Essa é uma realidade enfrentada por parte considerável da população brasileira nos últimos cinco anos.
Consequência prolongadas
As consequências econômicas e sociais da crise sanitária serão prolongadas e mais fortes do que as verificadas após a crise de 1929, segundo especialistas, não sendo possível soluções temporárias. Em outras palavras, a geração de renda e a redução da pobreza não se darão por uma recuperação natural do mercado, como acreditam os liberais, ou pela concessão de auxílios provisórios.
Neste sentido, é necessário a criação de benefícios sociais que distribuam renda de forma definitiva, sedimentando a capacidade de bem-viver da população vulnerável brasileira: uma renda básica que garanta cidadania e dignidade.
Diante da necropolítica imposta pelo governo federal, a omissão do governo Zema em Minas Gerais e a insuficiência de ações da gestão da cidade, a bancada do PT desenvolveu um projeto de lei que estabelece a Renda Básica permanente para a população vulnerável de Belo Horizonte e que trata também do pagamento de auxílio emergencial em casos de pandemia, desastres climáticos, dentre outros.
Os benefícios são cumulativos e, somados, alcançam o valor de R$ 600. Este projeto foi encaminhado à assessoria legislativa da Câmara Municipal para análise e também ao Executivo Municipal e aos partidos do campo progressista. Nosso objetivo é trabalharmos coletivamente para viabilizar a renda básica em Belo Horizonte.
Macaé Evaristo é vereadora em Belo Horizonte pelo Partido dos Trabalhadores (PT).
Edição: Elis Almeida