O encarceramento em massa da juventude negra é uma face do racismo estrutural
O mês de maio marca, para nós, a reflexão sobre a estrutura racista da sociedade brasileira, uma vez que o 13 de maio é a data da abolição formal da escravidão.
Como que para não nos deixarem esquecer, foi no dia 18 de maio de 2020 que João Pedro, uma criança de 14 anos, filho de professora da educação infantil, foi assassinado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro dentro da sua casa enquanto brincava com primos. Foi também no dia 6 deste mesmo mês que aconteceu a maior chacina da história do estado do Rio de Janeiro, com 27 vítimas civis mortos em Jacarezinho.
Em 2020, durante a pandemia de covid-19, as mortes pela polícia no Brasil bateram recordes. Mas querem nos fazer acreditar que não há conexão entre a morte de João Pedro e dos 27 de Jacarezinho. Não há defesa possível para o assassinato de uma criança e para a chacina. A chacina foi a sentença de morte de pessoas, se muito, suspeitas.
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Mas a verdade é que a bala encontrada no corpo de João Pedro é do mesmo calibre das utilizadas pelos três policiais que participaram da ação em 2020 e continuam trabalhando na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), a mesma envolvida na chacina do Jacarezinho. A bala que matou João Pedro, é a mesma que matou em Jacarezinho. A lógica que matou João Pedro é a mesma que transforma o povo negro em alvo, que encarcera e mata milhares de jovens negros no país todos os dias.
É a mesma estrutura que sustentou o período da escravidão por 350 anos, que construiu a noção de raça e definiu que uma parcela da população tem direito de viver e relegou a outra parte à morte. Por bala, fome e covid-19. Um verdadeiro Estado de exceção inaugurado com a abolição da escravidão 133 anos atrás.
A resistência negra reacende a luta
A entrevista coletiva da Polícia Civil sobre o Jacarezinho foi um recado claro. Não apenas para a população negra e periférica, mas para o Brasil e a relativa democracia que ainda existe. Foi um recado ao Supremo Tribunal Federal, alvo das mobilizações bolsonaristas, que diante de tamanha barbárie havia determinado a suspensão das operações policiais nas favelas e comunidades durante a pandemia. Uma resposta para quem ainda tem dúvida sobre a relação do ódio aos pobres com o projeto genocida que governa o país neste momento.
É por isso que, neste dia 13 de maio, o movimento negro convocou o povo às ruas com um programa claro: nem bala, nem fome, nem covid. O povo negro quer viver!
A Coalizão Negra por Direitos despertou o país inteiro para os atos mais importantes deste ano até aqui. Deve ser a faísca para fortalecer a articulação da pauta antirracista e da oposição ao governo Bolsonaro para derrotar o projeto neofascista, que foi gestado pela classe dominante e partidos de direita liberal quando decidiram pelo golpe de 2016.
Quem esteve nas ruas sabe a importância que foi gritar Fora Bolsonaro e perceber os olhares da população que acompanhava atenta a manifestação. Não há democracia enquanto houver racismo. O movimento negro aponta o caminho para uma luta por liberdade contra um Estado opressor, autoritário e violento.
Em BH, dia 20 de junho é dia de luta contra o encarceramento
Em meio ao levante antirracista, conquistamos a aprovação do nosso primeiro Projeto de Lei. Parte da iniciativa Agenda Marielle, do Instituto Marielle Franco, o PL 84/2021 institui em Belo Horizonte o dia municipal contra o encarceramento da juventude negra em 20 de junho.
No Brasil temos a terceira maior população carcerária do mundo. Nos últimos 15 anos, a proporção de negros no sistema carcerário cresceu 14%, enquanto a de brancos diminuiu 19%. Hoje, de cada três presos, dois são negros. Em Minas Gerais, são mais de 74 mil pessoas presas, sendo quase 30 mil presos provisórios.
O encarceramento em massa da juventude negra do nosso país é mais uma face incontestável do racismo estrutural, somando o sistema de Justiça ao falido modelo de segurança pública do Brasil. A história das instituições é de repressão, perseguição e violência contra a população negra.
Como colocou Silvio Almeida em sua coluna sobre o tema, desde a escravidão até aqui o racismo se reconfigurou. O negro livre era o suspeito de ser escravo ao ser visto “vagando” pela rua, o morador de periferias e favelas é o suspeito “bandido” de hoje. “Irmão, quem te roubou te chama de ladrão desde cedo”, já diria Djonga.
Queremos a juventude negra viva! A luta antirracista é por liberdade e democracia, construindo uma perspectiva de futuro com direitos sociais plenos e igualdade. Eu chamo de socialismo.
Iza Lourença é vereadora em Belo Horizonte pelo PSOL
Edição: Elis Almeida